sábado, junho 30, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

1) Acórdão de 26-06-2007, proferido no processo n.º 07A1677:
"O tribunal competente para a acção também o é para o conhecimento dos incidentes.
Face ao disposto no artigo 28 do Código de Processo Civil, o suprimento do consentimento objecto do pedido, é pressuposto da propusitura da acção e por isso não pode ser tratado como incidente.
Não configura, por isso, incidente da acção".

Nota - Já o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-1990, proferido no processo n.º 0039892, havia chegado a conclusão idêntica (sem unanimidade, porém).
Tenho algumas dúvidas, todavia, de que seja esta a melhor solução, embora ela encontre apoio formal na lei. Apesar de o suprimento do consentimento poder ser objecto único de uma acção autónoma, a circunstância de ele poder ter por única função, numa acção pendente, a sanação da falta de um pressuposto processual (legitimidade) parece apontar, considerando o princípio da economia processual, para a possibilidade de o suprimento ser, nas ditas condições, prestado na própria acção, ainda que processado como incidente e aplicando, com as devidas adaptações, as regras previstas para aquele processo especial.


2) Acórdão de 21-06-2007, proferido no processo n.º 07B1847:
"O conceito de terceiro a que se refere o artigo 291º do Código Civil, motivado pela ideia de estabilidade das situações jurídicas, pressupõe a sequência de nulidades e o conflito entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente, e é diverso do conceito de terceiro para efeito de registo a que se reporta o artigo 5º, nº 1, do Código do Registo Predial.
Não tendo o primitivo adquirente da nua propriedade sobre a fracção predial inscrito a sua aquisição no registo predial, e tendo outrem adquirido do mesmo vendedor o direito de propriedade plena sobre ela inscrito no registo a sua aquisição, não pode o primeiro ao último a nulidade do contrato de compra e venda com fundamento na venda de coisa alheia".

Nota - É pacífico que os terceiros aos quais se refere o artigo 291.º do CC nao são os mesmos terceiros aos quais se refere o artigo 5.º do CRPred (sendo a esta que a hipótese do acórdão dizia respeito).
A primeira norma diz respeito a transmissões
lineares (A vende a B, que vende a C) e a segunda a transmissões triangulares (A vende a B e, posteriormente, o mesmo A vende também a C).
Ainda sobre esta diferença, cfr. também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2006, proferido no processo n.º 06B1501 e de 04-12-2003, proferido no processo n.º 03B3639 (apenas na fundamentação), do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2006, proferido no processo n.º 0536251 (apenas na fundamentação), de 07-12-2005, proferido no processo n.º 0535644 (apenas na fundamentação), e de 05-07-2004, proferido no processo n.º 0453572, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-03-2004, proferido no processo n.º 9835/2003-7.
Os próprios acórdãos uniformizadores de jurisprudência números 15/97, de 20-05-1997, proferido no processo n.º 087159 (também no DR, 1ª Série, n.º 152/97, de 4 de Julho de 1997) e 3/99, de 18-05-1999, proferido no processo n.º 98B1050 (também no DR, 1ª Série, n.º 159/99, de 10 de Julho de 1999) se encontram algumas considerações sobre a diferença entre ambos os conceitos de terceiro, pois o artigo 291.º pode servir como exemplo na argumentação da relevância da boa fé para que possam operar alguns efeitos do registo (cfr. n.º 1 e n.º 3 do artigo 291.º do CC).
No sentido - que subscrevo inteiramente - segundo o qual o artigo 291.º apenas se aplica às hipóteses de nulidade e anulabilidade, mas não de ineficácia, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-12-2004, proferido no processo n.º 04B3891 e do Tribunal da Relação de Évora de 08-12-1990, in CJ, tomo V, pág. 269.



3) Acórdão de 21-06-2007, proferido no processo n.º 07B1552:
"A falta de reclamação, quer contra a base instrutória, quer contra o julgamento da matéria de facto, não impede a alteração da decisão de facto pela 2ª instância, nos termos constantes do artigo 712º do Código de Processo Civil.
A força probatória plena dos documentos autênticos abrange apenas os factos praticados pela entidade documentadora e os factos atestados com base nas suas percepções (artigo 371º do Código Civil), e não impede a 2ª instância de retirar ilações de factos assim plenamente provados.
O princípio da livre apreciação da prova testemunhal (artigo 396º do Código Civil) vale tanto na 1ª, como na 2ª instância, permitindo à Relação valorar diferentemente do que fez a 1ª instância depoimentos de testemunhas registados no processo;
No âmbito do recurso de revista, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça reapreciar meios de prova sujeitos àquele princípio, e com base neles alterar a decisão sobre a matéria de facto (artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil)".

Nota - As conclusões apontadas são pacíficas. Note-se apenas, muito rapidamente, o seguinte:
- quanto ao primeiro ponto, a fixação da matéria de facto assente e da base instrutória não conduz a caso julgado formal (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-12-2001, proferido no processo n.º 01S1954; e
- quanto ao segundo ponto, cfr. a nota que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-05-2007, proferido no processo n.º 07A1334
e também este post.

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sexta-feira, junho 29, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B2007:
"O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a decisão das instâncias por ilação de facto no sentido que o recorrido, por virtude das lesões oculares, ficou impossibilitado de exercer qualquer actividade.
(...)"


Nota - Justifica-se a união e actualização de alguns apontamentos dispersos por várias notas, no blog, convergindo todos para o problema do controlo do uso das presunções judiciais pelo Supremo Tribunal de Justiça.
É jurisprudência constante (e linear, em face da lei) que o Supremo Tribunal de Justiça não controla o bom ou mau uso de presunções judiciais pelas instâncias, a não ser na medida em que ele represente uma violação das regras sobre o valor legal dos diversos meios de prova.
Sobre presunções judiciais já se escreveu bastante neste blog (
cfr. aqui a ligação à busca pela categoria "presunção judicial"). Em particular, sobre a possibilidade de controlo, pelo STJ, do uso, pelas Relações, de presunções judiciais, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002 (e a anotação que a ele deixei aqui). O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o simples uso ou não uso da presunção judicial, embora possa controlar (como fez, por exemplo, no acórdão de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A979) um uso que se traduza na alteração das respostas dadas à matéria de facto - cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-1984, proferido no processo n.º 071754, de 03-11-1992, proferido no processo n.º 082011, de 09-03-1995, proferido no processo n.º 086250, de 26-09-1995, proferido no processo n.º 087078, de 31-10-1995, proferido no processo n.º 087288 (estes dois últimos com um voto de vencido), de 20-01-1998, proferido no processo n.º 97A460, 09-07-1998, proferido no processo n.º 98B430, de 07-07-1999, proferido no processo n.º 99A588, de 20-06-2000, proferido no processo n.º 00A407, de 19-03-2002, proferido no processo n.º 02B656, de 10-02-2003, proferido no processo n.º 03B1837, de 15-02-2005, proferido no processo n.º 04A4577, e de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A3564.
No acórdão em apreço, não surpreende, pois, que o STJ se tenha negado a sindicar o não uso de uma presunção judicial, tal como, repetidamente, se nega a sindicar o seu uso, excepto "no sentido de averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados" (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 09-12-2004, proferido no processo n.º 04B3526, também in CJ, t. III, pág. 204). Assim é porque o uso das presunções judiciais pertence ainda à matéria de facto, encontrando-se por isso reservada às instâncias. Nesta ligação podem encontrar-se decisões judiciais sobre o uso de presunções judiciais anteriormente referidas aqui no blog.
Em particular para a definição de presunção judicial, cfr. a nota ao
acórdão do STJ de 05-12-2006, proferido no processo n.º 06A3883, que deixei aqui.
Alguns limites à utilização de presunções judiciais podem encontrar-se nos seguintes acórdãos, para além dos indicados nas ligações supra:
- "I – A força probatória das presunções judiciais (da experiência ou de facto) não é mais relevante do que a prova testemunhal. II – Por isso, tendo havido produção de prova testemunhal, não sujeita a registo, o tribunal da Relação não pode alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, com base em simples ditas presunções" - acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-1998, in CJ, tomo II, pág. 253.
- "As Relações podem extrair ilacções de facto de matéria provada na 1ª instância, mas o exercício dessa faculdade está condicionado à verificação de quaisquer das situações previstas no nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil, quando o facto presumido tenha, ele próprio, sido objecto de resposta pelo colectivo (ou pelo tribunal singular)" - acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-06-1997, in BMJ 468, pág. 490.
- "I – Sendo lícito ao julgador socorrer-se de presunções judiciais para apreciar a matéria de facto e com base nelas considerar provados outros factos que servirão posteriormente para fundamentar a solução de direito, o certo é que as presunções de que aquele se pode servir têm de respeitar a matéria de facto provada ou, pelo menos, e salvo casos excepcionais previstos na lei, só dentro de limites muito apertados a pode afastar. II – Assim, não é possível qualificar de contratos de mútuo ou de abertura de crédito, passíveis de pagamento de juros, fazendo apelo às regras de experiência do mundo empresarial, as entregas de dinheiro feitas por certa sociedade a duas outras quando estas, como resulta inequivocamente da matéria de facto fixada, se obrigaram, não a restituir os dinheiros daquela recebidos, mas a prestar serviços e fornecer mercadorias para amortizar aqueles adiantamentos" - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29-11-1990, in CJ, tomo V, pág. 259.
- "I – As chamadas presunções naturais, judiciais ou de facto constituem meios de prova mediata cuja força probatória é apreciada livremente pelas instâncias. II – Através delas o julgador retira ilações lógicas de certos factos conhecidos para chegar ao conhecimento de outros desconhecidos, guiado por regras práticas e da experiência. III – O Tribunal da Relação pode lançar mão de presunções tirando conclusões da matéria de facto, desde que tais conclusões se limitem a desenvolvê-la, não a contrariando. IV – As presunções retiradas dos factos provados constituem, também elas, matéria de facto, pelo que são insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista" - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-1991, in Acórdãos Doutrinários do STA, n.º 359, pág. 1306.


2) Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B2142:
"No contrato de locação financeira, vincula-se o locador a adquirir ou a mandar construir o bem locando que o locatário pode ou não adquirir findo o contrato de locação financeira.
(...)
A apreensão do veículo automóvel objecto mediato do contrato de locação financeira em procedimento cautelar, na sequência da resolução deste último contrato, não inviabiliza a condenação da locatária na sua entrega à locadora na acção declarativa conexa
".


Nota - A conclusão constante do sumário transcrito é evidente e mal merece uma nota. Aliás, a providência cautelar de apreensão destina-se, precisamente, a consistência prática do direito que se faz valer na condenação. Não só não impede, por isso, tal condenação, como é instrumental em relação a ela.


3)
Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B1327:
"Com os normativos vertidos nos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil procurou-se simplificar a estrutura formal dos acórdãos, caminhando, como se refere no preâmbulo do Dec-Lei 329-A/95, de 12 Dezembro, decididamente no sentido do aligeiramento do relatório, permitindo a fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida, desde que confirmada inteiramente e por unanimidade, simplificação que visa igualmente contribuir para a celeridade da fase do recurso.
Com este regime não é eliminada a imposição de fundamentação da decisão. O que acontece é que o tribunal superior, após uma análise crítica e ponderada da fundamentação aduzida na decisão recorrida e de se convencer da bondade da decisão acolhida, perfilha e faz seus os fundamentos aí invocados.
Mas para que este normativo possa ser aplicado é condição essencial que, desde logo, a matéria de facto não tenha sido impugnada. Se o quadro de facto em que assenta a sentença recorrida é atacado quer dizer que não existe base material sustentável que permita a aplicação do regime jurídico adequado. E também sem a fixação definitiva desse quadro factual, não é possível apreciar se o enquadramento jurídico é o correcto.
O acórdão recorrido não podia acolher o sentido da decisão constante da sentença quando os pressupostos de facto em que se estribou podem não ser esses.
Impugnada a decisão sobre a matéria de facto, não é possível a remissão para os termos da sentença da 1ª instância ao abrigo da faculdade prevista pelos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil"
.

Nota - Sobre a possibilidade de decidir por remissão, o que escrevi
aqui (em anotação ao acórdão do STJ de 13-03-2007, proferido no processo n.º 07A316) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705.
No sentido de que a decisão por remissão tem de ser unânime, cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705 (e a anotação que a ele deixei aqui), onde se conclui, a meu ver acertadamente, que "tendo presente o teor do n.º 5 do art.º 713.º, não podemos deixar de concluir que a situação nele prevista (a elaboração do acórdão por remissão) exige a verificação cumulativa de dois requisitos: a) que o acórdão seja tirado por unanimidade; b) que a sentença recorrida seja inteiramente confirmada, quer quanto à decisão, quer quanto aos seu fundamentos. Só neste caso é que o acórdão poderá ser elaborado por remissão".
As hipóteses em que o recorrente repete, na revista, precisamente as alegações de apelação têm sido consideradas, por parte da jurisprudência, como susceptíveis de permitir uma decisão por remissão, como já referi aqui no blog (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002, e a anotação que sobre ele deixei neste post anterior). Como entretanto já referi (cfr. aqui, em nota ao acórdão do STJ de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1286), existem, no essencial, três correntes jurisprudenciais sobre o assunto. Uma defende que a repetição das alegações implica a deserção do recurso; outra que justifica o uso da faculdade de decidir por remissão; a terceira, variante desta última, no entanto, entende que essa faculdade remissiva não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou. No texto anterior já referido, enumerei algumas decisões que se inscrevem nas duas primeiras correntes (a que se acrescentam, pela segunda, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2007 e de 27-03-2007, já citados, de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A3431 e de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2993). Quanto à terceira posição (segundo a qual o uso da faculdade remissiva pelo STJ não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou), pode ser encontrada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2006, proferido no processo n.º 06B1346, de 11-12-2003, proferido no processo n.º 03A3797, de 21-12-2005, proferido no processo n.º 05B2188, e de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B2645.

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quinta-feira, junho 28, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 3 de 3)

1) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 8191/2005-7:
"A competência dos tribunais marítimos para conhecer das questões relativas a assistência e salvação marítimas (artigo 90.º, alínea l) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) não abrange as situações de evacuação sanitária de quem, embora a bordo de embarcação, não é evacuado por risco de vida perante o mar por falta de condições de navegabilidade, mas apenas e tão somente por ter sido acometido por doença súbita a impor o seu transporte para estabelecimento hospitalar, tal como sucederia se a doença sobreviesse encontrando-se o assistido em terra.
É, assim, competente em razão da matéria para conhecer do pedido de pagamento dos custos de transporte reclamados pela Força Aérea o tribunal judicial comum (artigos 17.º, 77.º/1, alínea a) e 94.º da Lei n.º 3/99)"
.

Nota - Aqui está um tema pouco comum - a delimitação da competência dos tribunais marítimos para além dos casos, mais comuns, de responsabilidade pelo transporte de mercadorias por mar.
Veja-se ainda a definição geral dada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 02-12-1993, proferido no processo n.º 084542 ("Compete aos tribunais marítimos conhecer das questões de direito comercial marítimo, sendo necessário e suficiente que haja uma conexão directa e imediata entre elas e uma qualquer relação comercial marítima, entendida esta como uma relação exercida através ou por causa do tráfego marítimo, desde os navios (sua propriedade e tripulação) até à abalroação, isto é, a todo um conjunto de situações respeitantes ao transporte por mar"), bem como os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-1992, proferido no processo n.º 9230061 ("As questões surgidas entre o capitão e o dono do navio não emergem de uma relação de trabalho subordinado e não são, assim, abrangidas pela competência dos tribunais do trabalho. O direito do capitão às soldadas é questão de direito comrecial marítimo, para a qual são competentes os tribunais marítimos."), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-11-1992, proferido no processo n.º 0050186 ("Sendo embora as partes empresas de transportes marítimos é da competência dos tribunais de competência genérica e não dos tribunais marítimos a acção em que a autora pede à ré o pagamento da chamada "indemnização de clientela", resultante da denúncia de um contrato de agência entre ambas celebrado." - com texto integral in CJ, tomo V, pág. 124).


2) Acórdão de 24-05-2007, proferido no processo n.º 2653/2007-8:
"Prescreve o artigo 21.º/1 do Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho que “ findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, [se] o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente e no cancelamento do respectivo registo de locação financeira, caso se trate de bem sujeito a registo”.
Nos procedimentos cautelares em geral (artigo 83.º,n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil) é competente territorialmente o tribunal em que deva ser proposta a acção respectiva e, porque a obrigação de restituição do bem locado resulta directamente do contrato, embora aplicável apenas aquando da sua resolução, o tribunal competente é, nos termos dos artigos 74.º/1 e 83.º/1, alínea c) do Código de Processo Civil, o tribunal do domicílio do requerido"
.

Nota - O Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho, regula o contrato de locação financeira, prevendo uma providência cautelar de entrega judicial e cancelamento do registo no seu artigo 21.º.
A competência do tribunal do domicílio do requerido, nestes casos, por aplicação do artigo 74.º do CPC, foi também a conclusão alcançada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1182/2007-7.
Note-se que, face à redacção do artigo 110.º do CPC dada pela Lei n.º 14/2006, os pactos de desaforamento, em casos como o deste processo, já não são válidos - daí que a jurisprudência mais antiga a este respeito, como, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 29-06-2000, proferido no processo n.º 0053208, tenha que ser lida com cautela, pois a sua conclusão não seria, hoje, válida.
Note-se que os acórdãos do Tribunal Constitucional números
691/2006, 41/2007, 53/2007, 60/2007 e 84/2007 não julgaram inconstitucional a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, com a redacção da Lei n.º 14/2006, de 6 de Abril, na parte em que permite a sua aplicação a contratos celebrados em data anterior à da publicação da referida Lei, com a consequente invalidade superveniente dos pactos de competência.


3) Acórdão de 24-05-2007, proferido no processo n.º 4569/2007-7:
"Não é por via de recurso, mas por invocação de nulidade (artigos 201º e 205.º do Código de Processo Civil), que o Ministério Público deve suscitar a questão da omissão de notificação do despacho que designa data para a tentativa de conciliação em acção de divórcio litigioso, posteriormente convolada para divórcio por mútuo consentimento, tendo em vista a sua audição sobre o acordo alcançado entre as partes em matéria de regulação do exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores do casal, relembrando-se o brocardo “das decisões recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
E sempre se imporia que o acordo quanto ao exercício do poder paternal fosse questionado, pois, não o sendo, jamais se estaria face a nulidade que se pudesse considerar susceptível de influir no exame ou na decisão da causa (artigo 201º, parte final, do Código de Processo Civil)"
.

Nota - A decisão é pacífica e linear. O velho aforismo "das decisões recorre-se, contra as nulidades reclama-se" assenta na distinção entre os vícios na tramitação processual (prática de actos proibidos ou omissão de actos necessários, que podem conduzir a uma nulidade processual) e os vícios intrínsecos de cada acto (internos, por assim dizer, tendo que ver com a conformidade do seu conteúdo face às normas legais aplicáveis), que podem gerar a nulidade do concreto acto processual, não se confundindo esta com a nulidade processual. A jurisprudência sobre este ponto é interminável - veja-se apenas, como (bom) exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-06-2004, proferido no processo n.º 04B1072.


4) Acórdão de 24-05-2007, proferido no processo n.º 10358/2006-6:
"Ainda que se considere o segmento do pedido formulado na petição “genérico” e não legalmente permitido por não se enquadrar nas situações taxativamente enunciadas nos artigos 471º e 472º do CPC, atento o caso julgado formal formado pelo despacho (art. 672º do CPC), que admitiu o articulado superveniente, sempre seria de apreciar na sentença os efeitos desses factos (provados) e extrair deles as respectivas consequências jurídicas, na medida em que aqueles, mesmo que se não devam considerar factos concretizadores dos ditos pedidos genéricos, são pelo menos novos factos concretos, que traduzem o desenvolvimento do pedido inicial (art. 273º do CPC) e, consequentemente eram, desde logo por essa razão, de considerar para efeitos de condenação da ré".

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quarta-feira, junho 27, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 2 de 3)

1) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 2324/2006-7:
"A acção judicial que tem por objecto a declaração de nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal não tem de ser proposta por todos os condómino, uma tal acção não visa a modificação do referido título, não se configurando, assim, litisconsórcio necessário activo (artigos 1416.º/2 e 1419º do Código Civil e 28.º do Código de Processo Civil)".

Nota - Não me parece de subscrever a decisão anotada, salvo melhor opinião.
Como fundamentação, escreveu-se o seguinte:
"Não se está perante uma modificação do título constitutivo de propriedade horizontal (art.º 1419º do Cód. Civil), mas sim perante um caso de uma invocada nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal (art.ºs 1418º, n.º 3 e 1416º, n.º 2 do Cód. Civil).
A acção judicial tendo por objecto declaração da nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal não tem de ser proposta por todos os condóminos, visto que o n.º 2 do art.º 1416º do Cód. Civil não exige a intervenção de todos os condóminos. Por outro lado, o n.º 1 do art.º 1420º do Cód. Civil dispõe que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. Donde, e relativamente às partes comuns do prédio, como é o caso, regem as regras da compropriedade. E no âmbito destas o n.º 2 do art.º 1405º do Cód. Civil. Este preceito dispõe que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este lhe seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro. Deste modo, na defesa do que os condóminos entendem ser parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, os condóminos podem agir coligados ou isoladamente".
Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, não basta fundamentar com a não previsão legal expressa da necessidade de intervenção de todos os interessados para daí concluir que não há litisconsórcio necessário - tal afirmação apenas permitirá concluir que não se trata de um caso de litisconsórcio necessário
legal (seguindo a classificação doutrinal conhecida).
No entanto, sempre haveria que avaliar se não estamos perante um caso de litisconsórcio necessário natural, que ocorre quando a presença de todos os interessados é necessária para que a acção produza o seu efeito útil normal (aceitando o termo "litisconsórcio natural" com este sentido, sem prejuízo de reconhecer que o mesmo mais não é do que uma variante do litisconsórcio legal), como se prevê igualmente no artigo 28.º do CPC.
E, chegados aqui, há que perguntar se uma acção que tenha por objecto a declaração de nulidade parcial do título constitutivo pode produzir os seus efeitos normais se não estiverem presentes todos os condóminos.
Parece-me que não.
Se a decisão se não impõe aos que não intervêm nem são chamados (uma vez que são terceiros juridicamente interessados), teremos, com a procedência da acção, o efeito de o título se manter, na parte impugnada, inválido para alguns condóminos e poder vir a ser declarado válido para outros, destinando-se porém a regular unitariamente as relações entre
todos eles.
Dificilmente tal solução poderá considerar-se o "efeito útil normal" da acção de declaração de nulidade (ou de anulação) do título, ainda que tendo apenas por objecto parte dele. Note-se que não está aqui em causa apenas evitar a incompatibilidade de decisões (não é esse o melhor critério para determinar uma hipótese de litisconsórcio natural), mas de garantir a extensão da força da decisão a todos os condóminos, sem os quais resultará comprometida, a meu ver, a função do título constitutivo.
Também não parece de aplicar linearmente, para justificar tal solução, a regra da defesa da posse por qualquer condómino, pois não é disso que se trata neste caso.
Note-se, porém, que a decisão anotada tem jurisprudência concordante, seguindo essencialmente a mesma argumentação - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-1994, in CJ(STJ), tomo I, pág. 144 (o acórdão tem um sumário aqui, mas não refere directamente o problema, que é analisado na fundamentação).



2) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4140/2007-7:
"Ministério Público não carece de indicar o valor da acção no processo judicial de promoção e de protecção referenciado na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro).
Uma decisão que, por falta de indicação do valor imponha em processos desta natureza a extinção da instância, impede, de forma manifestamente excessiva e desproporcionada, o direito de acção do Estado no sentido de promover a defesa dos direitos das crianças e de as proteger do perigo (artigo 20.º da Constituição da República)".

Nota - Este assunto já foi tratado aqui no
blog, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2007, proferido no processo n.º 17036/2007-8, que deixei aqui (nota ao quinto acórdão).
Tal decisão de 19-02-2007 foi oposta à agora anotada, tal como a da mesma Relação de 14-12-2006, proferida no processo n.º 10417/2006-6.
A jurisprudência divide-se, quanto a esta matéria, pois há outras decisões no sentido da que agora se anota - cfr., ainda da Relação de Lisboa, os acórdãos de 16-01-2007, proferido no processo n.º 10141/2006-1, de 07-12-2006, proferido no processo n.º 10140/2006-7, e de 17-04-2007, proferido no processo n.º 3125/2007-7.
A novidade da decisão anotada face às demais consiste, essencialmente, no especial cuidado que coloca na articulação da solução com a garantia constitucional de acesso à justiça (embora me pareça que não seja por esta via que a solução se impõe).


3) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4343/2007-7:
"Os tribunais judiciais comuns, e não os tribunais de trabalho, são competentes em razão da matéria para conhecer do litígio em que uma empresa seguradora a título de direito de regresso, rectius sub-rogação legal (artigo 592./1 do Código Civil), reclama o pagamento de quantia paga ao seu segurado em razão de acidente ocorrido em obra causado por violação das normas de segurança.
Muito embora o artigo 85º, alínea c) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro prescreva que compete aos tribunais de trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, o litígio em causa prende-se com questão lateral, conexa, de saber se a indemnização decorrente de acidente de trabalho cabe à seguradora em virtude do contrato de seguro que celebrou com a entidade patronal ou se cabe à entidade patronal ou a terceira entidade em razão da violação das regras de segurança no exercício da sua actividade.
Somos, assim, conduzidos para a previsão constante da alínea o) do referido artigo 85.º da Lei n.º 3/99 verificando-se que, sem cumulação com outro pedido para o qual o tribunal de trabalho seja directamente competente, não basta que a questão em causa seja conexa com relação laboral para se considerar competente o tribunal de trabalho".

Nota - Por razões muito semelhantes às que já escrevi aqui, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-05-2007, proferido no processo n.º 2656/2007-8 (embora a hipótese não seja rigorosamente idêntica), discordo da decisão anotada.
Mais impressivamente ainda do que naquela decisão de 10-05-2007, na que agora se anota parece-me claro que a competência é do tribunal do trabalho, pois, quando a seguradora reclama a quantia indemnizatória
sub-rogando-se ao trabalhador, substitui-o processualmente, pelo que a relação jurídica sobre a qual se vai debruçar a decisão é ainda, efectiva e directamente, a que emerge do acidente de trabalho. Este fenómeno de substituição processual, embora obrigue a considerar uma outra relação jurídica (entre a seguradora e o empregador), mantém o eixo central da acção na relação de acidente de trabalho, que continua em causa e em análise.
Parece-me por isso, desnecessária e artifical a construção que afasta, aqui, a competência dos tribunais do trabalho, face ao disposto na alínea c) do artigo 89.º da LOFTJ, que atribui aos tribunais do trabalho competência para conhecimento
"das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais".


4) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 6321/2006-7:
"I - O conceito de execução de sentença a assumir relevo no domínio administrativo é necessariamente diferente do que se desfruta no âmbito do direito processual civil, uma vez que não se mostra eficaz utilizar a execução forçada judicial contra a Administração.
II -Com a entrada em vigor do DL 256-A/77, de 17 de Junho, foi instituído um sistema efectivo de garantia do particular ao direito à execução das sentenças administrativas a fim de fazer face às situações de inexecução, sistema esse que se consubstancia, na sua essência, numa forma de acatamento voluntário pelas autoridades administrativas das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos, prevendo uma série de expedientes jurídicos (garantias) que visam reagir eficazmente contra as inexecuções ilícitas das decisões administrativas.
III - Tais garantias, para além da publicação das sentenças e da utilização das vias hierárquicas e tutelar, consistem: na faculdade de impugnar contenciosamente os actos de inexecução; na responsabilização dos penal dos agentes da administração; na responsabilidade civil da administração e seus agentes; na interferência do tribunal na realização dos pagamentos devidos.
IV – Tendo os exequentes obtido decisão anulatória, declaração de inexistência de causa legítima de inexecução e declaração judicial de especificação dos actos, operações e prazo para reconstituição da situação, e persistindo o incumprimento da C, impunha-se-lhes, em termos de via executiva administrativa, a acção indemnizatória a requerer no tribunal administrativo, os termos do art.º 11, do DL 256-A/77".

Nota - A aplicabilidade do DL 256-A/77 parece deslocar inevitavelmente a competência material para os tribunais administrativos - cfr. também, no mesmo sentido, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2006, proferido no processo n.º 0554952.
Convém lembrar, porém, que, com a entrada em vigor do CPTA, foi revogado o DL 256-A/77, e a execução das sentenças administrativas, embora se mantenha na competência dos tribunais administrativos, viu o seu regime alterado - cfr., desenvolvidamente, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-02-2007, proferido no processo n.º 01067/06, e de 03-05-2007, proferido no processo n.º 030373A.

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terça-feira, junho 26, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 3)

1) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4117/2007-7:
"A aplicação do disposto nos artigos 74.º e 110.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, impõe-se a todos os litígios instaurados após a sua entrada em vigor.
O artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro foi revogado tacitamente à luz da Lei n.º 14/2006 e das motivações explanadas pelo legislador, prosseguindo tal diploma a tutela do consumidor e o descongestionamento dos tribunais dos grandes centros que polarizam os litígios de massas
"
.

Nota - Como já referi em outra ocasião, esta decisão diverge de outras já analisadas neste blog, designadamente os acórdãos do mesmo tribunal
de 15-02-2007, proferido no processo n.º 1180/2007-8, e de 06-03-2007, proferido no processo n.º 7958/2006-1, (cfr., respectivamente, aqui e aqui), e está em linha com os acórdãos da mesma Relação de 22-03-2007, proferido no processo n.º 1935/2007-8 (anotado aqui), e de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4386/2007-7 (referido no ponto "2)" deste mesmo post).
Em conjunto com a decisão anotada, constituem as únicas cinco decisões que conheço sobre esta matéria (como também já referi, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 14-09-2006, proferido no processo n.º 6952/2006-8, embora, à primeira vista, trate de questão semelhante, ocupa-se de outra: a inaplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12/02 ao mutuante que tem a seu favor inscrita registo de reserva de propriedade de veículo automóvel).
Embora a argumentação que se encontra nos acórdãos que seguem a linha da decisão anotada seja interessante, não me convence ao ponto de considerar que o legislador pretendeu revogar a lei especial, continuando, pois, na linha dos outros dois acórdãos, convencido da vigência do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12/02, que não terá sido revogado pela Lei n.º 14/2006 (ou seja, entendo que a revogação da lei geral não implica a revogação da lei especial, por entender que não há motivos evidentes para concluir que foi outra a vontade do legislador).
Mantenho, porém, alguma dúvida, quanto a esta matéria (e, a propósito, veja-se o que escrevo a respeito do acórdão seguinte).


2)
Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4386/2007-7:
"I- As razões que levaram o legislador a modificar o critério de atribuição de competência territorial encontram-se formalmente descritas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005 de onde decorre o objectivo fundamental de racionalizar os meios judiciários postos à disposição dos interessados para a boa administração da justiça.
II- Para além do objectivo de descongestionamento dos Tribunais o legislador pretendeu tutelar os interesses dos consumidores, aproximando os litígios judiciais das áreas onde estes se encontram domiciliados a fim de facilitar o exercício dos seus direitos de defesa.
III- Tais objectivos são inteiramente transponíveis para as acções ou procedimentos cautelares designadamente para o procedimento cautelar previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro segundo o qual “ o processo de apreensão e as acções relativas a veículos apreendidos são da competência do tribunal de comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário”.
IV- A adesão ao entendimento da subsistência desse preceito contrariaria os objectivos os legislador, impedindo os resultados visados, podendo, assim, assumir-se que a modificação operada nos artigos 74.º e 100.º envolveu, ainda que de forma tácita, o regime prescrito no artigo 21.º do DL 54/75.
V- A alteração do artigo 74.º, a par da modificação do artigo 110.º/1 do Código de Processo Civil, apresenta suficiente força para se projectar na generalidade dos preceitos dispersos por diplomas avulsos, entre os quais o referido artigo 21.º, podendo considerar-se que, com a presente alteração legislativa, houve a intenção inequívoca por parte os legislador de regular exaustivamente este sector processual considerada a situação calamitosa que afecta os tribunais de Lisboa e do Porto, o que leva a considerar-se verificada a previsão excepcional constante da parte final do artigo 7.º/3 do Código Civil
"
.

Nota - Cfr. a nota ao acórdão anterior. As dificuldades de interpretação, neste caso, conduzem facilmente a alguma hesitação. Note-se que o relator (desembargador Abrantes Geraldes) alterou aqui a posição anteriormente assumida, enquanto adjunto, em acórdão anterior (não publicado).


3)
Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 4906/2007-7:
"I - A apreciação oficiosa da excepção de incompetência territorial, nos termos do artigo 110.º/1 do Código de Processo Civil, deve ser reservada para os casos em que os autos forneçam os ‘ elementos necessários’.
II- Tal não ocorre quando, em face do requerimento inicial de arrolamento, a determinação da competência obriga a ponderar, nos termos os artigo 83.º/1, alínea a), o local onde se situam os bens a arrolar, o tribunal onde será proposta a acção, tendo em conta o domicílio dos requeridos (artigos 85.º e 87.º) ou o local de cumprimento da obrigação de entrega dos bens (artigo 74.º).
III- A omissão do dever de apreciar a incompetência territorial não determina a anulação dos actos subsequentes praticados a não ser que tal omissão tenha exercido influência no exame e decisão da causa.
IV- Esta interferência não é decorrência automática da verificação formal daquela omissão, exigindo a prova de uma efectiva interferência no resultado da causa
"
.

Nota - Neste caso, um requerimento de arrolamento não era claro quanto aos termos e fundamento do pedido na acção principal a intentar posteriormente, do qual seria dependente. Tal como se encontravam expostos os factos e a descrição do direito violado, a acção subsequente tanto se poderia basear no direito à entrega de bens móveis (sendo da competência territorial do tribunal do domicílio do réu), como no direito a uma prestação contratual (sendo da competência do tribunal do lugar do cumprimento da obrigação). Daí a conclusão do acórdão de que, neste caso, os autos não forneciam elementos suficientes para o conhecimento da excepção da incompetência.
Quanto à segunda questão, parece evidente que a omissão do conhecimento da incompetência territorial só em casos-limite teóricos poderá ter qualquer influência relevante no exame e discussão da causa, pois a repartição territorial da competência tem por base razões que não têm que ver, por regra, com a capacidade ou aptidão do tribunal para conhecer os casos submetidos à sua apreciação, além de que a sua consequência é apenas a remessa dos autos ao tribunal competente, não pondo em causa os actos já praticados. Como se refere na decisão anotada, "se a declaração de incompetência territorial não afecta a validade dos actos tramitados no tribunal onde o processo foi instaurado, não se encontra no regime legal base para sustentar uma generalizada invalidade dos actos praticados nos casos em que, apesar de a incompetência ser manifesta e ser de conhecimento oficioso, o juiz omita a sua declaração".


4)
Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 3900/2007-7:
"Os tribunais competentes para a preparação e julgamento de uma acção de interdição por anomalia psíquica são (em Lisboa) as varas cíveis e não os juízos cíveis".

Nota - Aproveito para actualizar e completar, nesta nota, indicações anteriores (pois a questão já foi analisada no blog).
A decisão anotada está em linha, por exemplo, com os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 31-01-2007, proferido no processo n.º 0656587, e de 06-11-2006, proferido no processo n.º 0654776.
É a corrente jurisprudencial como predominante (a mais acertada, a meu ver). Na verdade, houve já algumas decisões dissonantes.
O acórdão da Relação do Porto de 20-04-2006, proferido no processo n.º 0631866, enveredou por um caminho um pouco forçado, quanto a mim, decidindo que a acção deveria ser intentada nos juízos cíveis, transitando para as varas cíveis caso houvesse contestação, posição essa que também se encontra no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-05-2003, proferido no processo n.º 3409/2003-6.
A dúvida levanta-se, no essencial, porque a tramitação do processo especial de interdição não implica necessariamente a intervenção do tribunal colectivo. Veja-se, a este propósito, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 21-03-2006, proferido no processo n.º 2064/2006-7, que passo a transcrever (com realçado meu), tendo sido expressamente acolhida na primeira decisão que referi.
"(...) findos os articulados e o exame, se a acção tiver sido contestada, ou o processo não oferecer elementos suficientes, a acção prosseguirá segundo as regras do processo ordinário.Como é obvio, até esta fase não intervém o tribunal colectivo. Mas o mesmo sucede nas acções ordinárias até à fase de julgamento. E nestas poderá nem haver intervenção do colectivo. Só haverá se ambas as partes o requererem. E há mesmo casos em que não é admissível a intervenção do colectivo (artº 646º, nº 2). E nem por isso se põe em causa a competência da varas para a sua preparação e julgamentoE tendo em consideração que se trata de uma acção declarativa cível de valor superior à alçada do tribunal da Relação e em que se prevê a intervenção do colectivo, os tribunais competentes para a preparação e julgamento são as varas cíveis, ainda que, por virtude de o réu não oferecer a sua defesa, não haja efectivamente lugar à intervenção daquele tribunal.É que não nos parece estarmos perante um caso em que seja aplicável o nº 4 do artigo 97º, ou seja: são remetidos às varas cíveis, para julgamento e ulterior devolução, os processos que não sejam originariamente da sua competência.A competência originária é das varas e não dos juízos. Com efeito, salvo melhor opinião (tratando-se, como se trata, de uma acção cível de valor superior à alçada do tribunal da relação) não se exige a efectiva intervenção do tribunal colectivo, sendo suficiente a mera previsibilidade, possibilidade ou probabilidade desse tribunal ser chamado a intervir. E não nos parece que se justifique que a acção seja proposta nos juízos cíveis, sendo depois remetida para as varas nos casos em que houver lugar a julgamento, quando é certo que, em teoria, este sempre poderá ter lugar. Para tanto basta que a acção seja contestada ou o interrogatório e o exame não forneçam os elementos necessários para que a interdição ou a inabilitação sejam desde logo decretadas."
Vejam-se ainda, no sentido que me parece ser maioritário, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 03-10-2006, proferido no processo n.º 0622720 e de 25-05-2004, proferido no processo n.º 0327023 (embora, neste caso, o sumário suscite alguma dúvida, a fundamentação parece seguir clararamente no sentido indicado) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-07-2006, proferido no processo n.º 6121/2006-8 e de 16-12-2003, proferido no processo n.º 9933/2003-7.


5)
Acórdão de 31-05-2007, proferido no processo n.º 10881/2005-6:
"A motivação da decisão sobre a matéria de facto constitui uma exigência legal consagrada no nº 2 do citado artigo 653º. Com efeito, impõe-se ao julgador a análise crítica das provas e a especificação dos fundamentos decisivos para a formação da sua convicção quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados.
Não basta a mera indicação dos concretos meios de prova em que se baseou a formação da convicção do julgador, devendo enunciar-se os motivos racionais e objectivos que foram determinantes na formação do processo decisório
.
(...)"


Nota - O exame crítico das provas a que se refere o n.º 3 do artigo 659.º do CPC não se confunde com o exame crítico das provas a que se refere o n.º 2 do artigo 653.º do CPC, referindo-se esta última norma aos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador.
Sobre a primeira, em causa na decisão anotada, veja-se este post de 3 de Junho de 2007, mais precisamente no seu ponto "2)", bem como a fundamentação dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-12-2006, proferido no processo n.º 9443/2006-6, e de 10-05-2006, proferido no processo n.º 1958/2006-4 (muito interessante, sobre a fundamentação em caso de relatórios periciais contraditórios).
Sobre a segunda, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B3070, de 11-10-2005, proferido no processo n.º 05B3035, de 16-02-2006, proferido no processo n.º 06B311, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 05B870, e de 15-04-2004, proferido no processo n.º 04B1023. Especificamente sobre a diferença entre o "exame crítico das provas" numa e noutra, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A2900, de 10-05-2005, proferido no processo n.º 05A963 (neste, embora o STJ centre a sua argumentação no artigo 655.º, as considerações que tece referem-se mais propriamente o artigo 653.º, n.º 2), de 16-12-2004, proferido no processo n.º 04B3896, de 16-03-2004, proferido no processo n.º 03A4381 e de 31-05-2007, proferido no processo n.º 07B1659.
Sobre a consequência da falta de fundamentação da matéria de facto, cfr. em particular, para além das decisões já citadas, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-2005, proferido no processo n.º 1862/04, e de 01-02-2005, proferido no processo n.º 3781/04, que ilustram uma divergência jurisprudencial quanto a este ponto, pois há decisões que consideram tratar-se de uma nulidade processual e outras que entendem não se tratar de uma verdadeira nulidade. Voltarei a esta questão, que ultrapassa o âmbito da decisão anotada, numa outra oportunidade.
Sobre a incompetência do Supremo para apreciação de provas sujeitas à livre apreciação do julgador, cfr. o acórdão daquele tribunal de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A1337, bem como a anotação que a ele deixei aqui.

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segunda-feira, junho 25, 2007

Notícias breves do Brasil - efeitos da maioridade na obrigação de alimentos

Já aqui dei conta da discussão, nos nossos tribunais, quanto aos efeitos da maioridade na obrigação de alimentos, mais propriamente quanto à necessidade de obter, a partir de então, novo título executivo (cfr. a nota ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-05-2007, proferido no processo n.º 07B1678, que deixei aqui).
O Dr. Ricardo Nacle, advogado e estudioso do processo civil no Brasil, informou-me hoje que o Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente, contra entendimento (aparentemente maioritário) anterior, que "a maioridade do credor dos alimentos, por si só, não exonera o devedor do encargo alimentar. A par disso, para que o devedor se exonere dos alimentos, será necessário o ajuizamento de uma ação autônoma, no âmbito da qual deverá ser comprovada a desnecessidade do credor continuar a receber os alimentos" (citação em português do Brasil) - cfr. decisão de 17-05-2007, processo n.º REsp 911442 / DF, recurso especial 2006/0275556-2.

domingo, junho 24, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

1) Acórdão de 11-06-2007, proferido no processo n.º 0752291:
"Ao referir-se a lei, no n.º1 do art. 229.º-A do CPC, a “articulados e requerimentos autónomos”, quis também referir-se às alegações de recurso, pelo que também estas têm de ser pelo Mandatário judicial notificadas ao colega da contraparte".

Nota - A jurisprudência é (ou, pelo menos, foi) um pouco instável quanto à aplicabilidade do disposto nos artigos 229.º-A e 260.º-A do CPC às alegações de recurso.
Algumas decisões pendem para a inaplicabilidade, considerando que tais peças não se encontram abrangidas pela letra dos preceitos (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 19-02-2004, proferido no processo n.º 03A4201, da Relação do Porto de 25-10-2001, proferido no processo n.º 0131 e da Relação de Coimbra de 10-05-2005, proferido no processo n.º 1128/05 e de 29-05-2001, proferido no processo n.º 1496/2000).
Outras, talvez maioritárias, sustentam que a norma deve ser objecto de interpretação extensiva, abrangendo igualmente as alegações de recurso, para as quais a sua letra não apontará à primeira vista (cfr., entre outros, os acórdãos
do STJ de 05-05-2005, proferido no processo n.º 04B419 e de 13-07-2004, proferido no processo n.º 04B590, da Relação do Porto de 03-12-2001, proferido no processo n.º 0150088, e o agora anotado de 11-06-2007, proferido no processo n.º 0752291, da Relação de Coimbra de 21-06-2004, proferido no processo n.º 1781/04 e de 22-05-2002, proferido no processo n.º 1239/02 e da Relação de Guimarães de 22-03-2006, proferido no processo n.º 493/06-1, de 28-01-2004, proferido no processo n.º 524/04-2 e de 22-10-2003, proferido no processo n.º 1617/03-1).
Parece verificar-se uma tendência recente para a prevalência da segunda daquelas correntes. Creio, aliás, ser a que corresponde ao entendimento mais razoável das normas em causa (cfr. a fundamentação dos dois acórdãos do STJ citados em abono de tal posição). Na verdade, não faria sentido libertar a secretaria da função de notificação aos mandatários por todo o processo após a contestação para, por uma vez só, a onerar novamente com tal tarefa apenas nas alegações de recurso.



2) Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 0721649:
"O tribunal competente para a execução é também competente para instruir e julgar a oposição".

Nota - É a segunda vez em muito pouco tempo que aqui se trata de um conflito de competência quanto ao julgamento da oposição (cfr. este post anterior, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-05-2007, proferido no processo n.º 0751166, bem como os comentários que a ele se seguem, por leitores e por mim).
Neste caso, a questão coloca-se de um modo diferente daquela em que surgiu no texto anterior, pois ali tratava-se de saber se, correndo a execução e oposição num certo tribunal abrangido por juiz de círculo, o julgamento da oposição de valor superior à alçada da Relação deveria caber ao dito juiz de círculo ou ao juiz singular.
Aqui, aprecia-se, quanto a uma comarca com varas mistas e juízos cíveis, se, sendo uma vara mista competente para a execução, deverá ser o juízo cível a julgar a oposição à mesma execução. Nesta hipótese, considero acertada a decisão de manter a competência para o julgamento da oposição na vara, pois não faria sentido que a regra da competência levasse a fraccionamento da execução e do seu apenso entre dois tribunais diferentes, perdendo-se, aliás, boa parte dos efeitos pretendidos pela apensação.
Sobre a relação entre a execução e o apenso da oposição, cfr. ainda o acórdão (aliás, citado na decisão anotada) da mesma Relação
de 22-02-2007, proferido no processo n.º 0730569.


3) Acórdão de 04-06-2007, proferido no processo n.º 0751230:
"Na acção de preferência, constituindo o preço real da compra e venda matéria controvertida, não é exigível aos preferentes que depositem outro preço que não seja o declarado na escritura pública.
O preferente só tem de depositar o preço pelo adquirente entregue ao alienante, não as despesas com a escritura e registo
"
.

Nota - Dá-se o caso, nesta acção, de serem os réus a invocar contra o autor um preço real diferente (superior) ao declarado .
Na situação oposta, em que é o próprio autor da acção de preferência que alega ter sido ajustado um preço diferente do declarado na escritura, parece que deverá ser depositado o preço que o autor reputa efectivo - cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 20-04-2006, proferido no processo n.º 0630897.
Quanto à possibilidade de preferir pelo valor aparente, tendo em consideração, designadamente, o instituto do abuso do direito, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 24-11-2005, proferido no processo n.º 0534769).
Quanto aos termos em que uma alegada rectificação posterior do preço pelos intervenientes no negócio pode condicionar o exercício da preferência, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 22-10-1998, proferido no processo n.º 0006712.
Considerando que, terminando o prazo de depósito em férias judiciais, pode o mesmo efectuar-se no primeiro dia útil após o termo das mesmas, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 28-06-2004, proferido no processo n.º 0355846.
A questão do depósito, no início da acção, não se confunde, porém, com a da necessidade de preferir pelo valor real, se este se vier a comprovar - cfr., desenvolvidamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
de 29-09-2004, proferido no processo n.º 1355/04-1 -, havendo, porém, jurisprudência no sentido segundo o qual tal necessidade deve conduzir a um convite ao reforço do depósito, assim que se mostre comprovado o valor real - cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-05-2004, proferido no processo n.º 252/04-2.
Quanto à outra questão levantada (se o "preço" a depositar abrange também as despesas da escritura), cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 14-02-2000, proferido no processo n.º 9951472, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-11-1991, proferido no processo n.º 0044752, ambos no sentido da decisão anotada. No entanto, a não sujeição de tal quantia a depósito "não quer dizer, porém, que o comprador, atento o princípio do enriquecimento sem causa, não tenha direito ao montante da sisa [agora IMT] que pagou e às despesas com a escritura" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-03-1995, proferido no processo n.º 086526.

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sexta-feira, junho 22, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1473:
"Porque na ordem juridica portuguesa o usucapião prevalece sobre o registo, o comprador que não registou a aquisição de um imóvel mas logrou fazer prova da aquisição originária (usucapião), não vê o seu direito afectado por ulterior penhora daquele bem e subsequentemente venda executiva, mesmo tendo o adquirente registado o bem a seu favor e, posteriormente, tendo-o alienado ao reivindicado, sabendo este que o imóvel fora adquirido pelo reivindicante".

Nota - A fundamentação do acórdão passa, também, em revista o muito discutido problema do conceito de terceiros para efeitos de registo (embora, neste caso concreto, a questão não se coloque nos mesmos termos em que se colocou nos processos que deram origem aos acórdãos uniformizadores de jurisprudência n.º 15/97, de 20-05-97, proferido no processo n.º 087159, e 3/99, de 18-05-1999, proferido no processo n.º 98B1050 - nestes, tratava-se, como é sabido, de vendas voluntárias anteriores à penhora mas não registadas antes dela, tendo dado origem às conhecidas maiorias tangenciais nos dois acórdãos uniformizadores contraditórios em apenas dois anos).
Ainda sobre a questão levantada na decisão anotada, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-2006, proferido no processo n.º 06A3369, de 04-12-2003, proferido no processo n.º 03B3639 (decisão importante, nesta matéria, ao considerar que o arresto e a venda judicial interrompem a usucapião apenas se forem notificados ao possuidor), de 15-04-2004, proferido no processo n.º 04B674, de 11-12-2003, proferido no processo n.º 03B3488, de 03-02-1999, proferido no processo n.º 98B1043, e do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2005, proferido no processo n.º 0535644 (divergindo do já citado acórdão do STJ de 03-02-1999, proferido no processo n.º 98B1043 quanto à possibilidade de o reivindicante juntar à sua posse a dos seus antecessores).



2) Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1642:
"Constando da certidão que serve de título executivo a menção do facto omissivo (do devedor) que determinou a resolução do contrato (por parte do credor) não é defensável, à luz do disposto no art. 8º, nº 2 do D.-L. nº 31/94, de 5 de Fevereiro, a ideia de o mesmo ser inexequível por dele não constar a proveniência da dívida. Se à data da comunicação da resolução do contrato, este já não se encontrava em vigor por, entretanto, ter decorrido o prazo da sua vigência, naturalmente, que o título dado à execução não corresponde às exigências do nº 2 do art. 8º do diploma legal supra referenciado, o mesmo é dizer que não tem a virtualidade de título executivo".

Nota - O decreto-lei n.º 31/94, de 5 de Fevereiro, estabelece regras relativas à aplicação em Portugal dos Regulamentos que instituem regimes de apoio à agricultura, prevendo que as certidões de dívida do IFADAP constituem títulos executivos.
Cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2002, proferido no processo n.º 03B806 (
"Os contratos de atribuição de ajudas, outorgados pelo IFADAP, são contratos de direito privado a que é inaplicável o disposto no artigo 141° do CPA"), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2006, proferido no processo n.º 905/2006-2 ("Os art.ºs 6, n.ºs 2 a 6 do DL 31/94, de 05/02 na redacção do DL 351/97, de 05/12 e 42, n.º 3 da Portaria n.º 85/98, de 19/02, não conflituam com as normas constantes dos Regulamentos Comunitários relativas às ajudas agro-ambientais à agricultura").


3) Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1673:
"As facturas não são livros de escrituração comercial e, portanto, não se lhes aplica o regime probatório do art. 44º do CCom.
Aos extractos de conta-corrente e aos balanços (embora se possam ter como assentos lavrados em livros de escrituração comercial - cfr. art. 31º do CCom.), só é possível aplicar-lhes o regime probatório do art. 44º daquele diploma legal se se provar que os mesmos estão devidamente arrumados.
Por escrita devidamente arrumada entende-se a que obedece às exigências estabelecidas na lei para o efeito de poder realizar-se plenamente o seu objectivo, ou seja, dar a conhecer as operações e a situação patrimonial dos comerciantes".

Nota - O artigo 44.º do Código Comercial estabelece o seguinte:
"Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova entre comerciantes, em factos do seu comércio, nos termos seguintes:
1.º Os assentos lançados nos livros de comércio, ainda quando não regularmente arrumados, provam contra os comerciantes, cujos são; mas os litigantes, que de tais assentos quiserem ajudar-se, devem aceitar igualmente os que lhes forem prejudiciais;
2.º Os assentos lançados em livros de comércio, regularmente arrumados, fazem prova em favor dos seus respectivos proprietários, não apresentando o outro litigante assentos opostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
3.º Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante, regularmente arrumados, resultar prova contraditória, o tribunal decidirá a questão pelo merecimento de quaisquer provas do processo;
4.º Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver discrepância, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles farão fé contra estes, salva a demonstração do contrário por meio de outras provas em direito admissíveis.
§ único. Se um comerciante não tiver livros de escrituração, ou recusar apresentá-los, farão fé contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, excepto sendo a falta dos livros devida a caso de força maior, e ficando sempre salva a prova contra os assentos exibidos pelos meios admissíveis em juízo".
Quando se satisfaçam os requisitos ali apontados, presume-se correcta a informação contabilística deles constante - presunção
"ilidível pela apresentação de assentos opostos em livros também regularmente arrumados ou por outra prova em contrário" (cfr. ponto "5." da fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318).
Cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2002, proferido no processo n.º 01S4428 (
"Os relatórios de auditorias feitas ao funcionamento de uma organização (bancária) não cabem na categoria de livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos"), de 23-01-1996, proferido no processo n.º 087747 ("Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos a fazer prova dos factos relativos ao comércio entre os respectivos comerciantes mas isso não significa que tal prova só possa ser feita por esse meio."), e do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0634459 ("O artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares.").
Convém ter cautela, na busca de jurisprudência sobre esta matéria, com a relação entre o princípio da colaboração na descoberta da verdade e o respeito pelo segredo da escrituração comercial, pois houve alterações relevantes, a este respeito, com a reforma do CPC de 1995/96 - cfr., desenvolvidamente, e com abundante citação de jurisprudência, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-05-2006, proferido no processo n.º 1572/2006-7.



4) Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1864:
"Uma vez paga a quantia exequenda na execução de alimentos não há razão alguma para os embargos prosseguirem: a causa extintiva da razão de ser da execução arrasta consigo a própria oposição deduzida.
O actual regime consagrado no nº 5 do art. 1118º do CPC não determina qualquer diminuição de garantias para o oponente, quer das previstas no art. 20º, da CRP quer do direito à defesa consagrado no art. 3º, do CPC ou do princípio da igualdade das partes consagrado no art. 3º-A deste último diploma legal".

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