terça-feira, junho 26, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 3)

1) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4117/2007-7:
"A aplicação do disposto nos artigos 74.º e 110.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, impõe-se a todos os litígios instaurados após a sua entrada em vigor.
O artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro foi revogado tacitamente à luz da Lei n.º 14/2006 e das motivações explanadas pelo legislador, prosseguindo tal diploma a tutela do consumidor e o descongestionamento dos tribunais dos grandes centros que polarizam os litígios de massas
"
.

Nota - Como já referi em outra ocasião, esta decisão diverge de outras já analisadas neste blog, designadamente os acórdãos do mesmo tribunal
de 15-02-2007, proferido no processo n.º 1180/2007-8, e de 06-03-2007, proferido no processo n.º 7958/2006-1, (cfr., respectivamente, aqui e aqui), e está em linha com os acórdãos da mesma Relação de 22-03-2007, proferido no processo n.º 1935/2007-8 (anotado aqui), e de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4386/2007-7 (referido no ponto "2)" deste mesmo post).
Em conjunto com a decisão anotada, constituem as únicas cinco decisões que conheço sobre esta matéria (como também já referi, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 14-09-2006, proferido no processo n.º 6952/2006-8, embora, à primeira vista, trate de questão semelhante, ocupa-se de outra: a inaplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12/02 ao mutuante que tem a seu favor inscrita registo de reserva de propriedade de veículo automóvel).
Embora a argumentação que se encontra nos acórdãos que seguem a linha da decisão anotada seja interessante, não me convence ao ponto de considerar que o legislador pretendeu revogar a lei especial, continuando, pois, na linha dos outros dois acórdãos, convencido da vigência do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12/02, que não terá sido revogado pela Lei n.º 14/2006 (ou seja, entendo que a revogação da lei geral não implica a revogação da lei especial, por entender que não há motivos evidentes para concluir que foi outra a vontade do legislador).
Mantenho, porém, alguma dúvida, quanto a esta matéria (e, a propósito, veja-se o que escrevo a respeito do acórdão seguinte).


2)
Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4386/2007-7:
"I- As razões que levaram o legislador a modificar o critério de atribuição de competência territorial encontram-se formalmente descritas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005 de onde decorre o objectivo fundamental de racionalizar os meios judiciários postos à disposição dos interessados para a boa administração da justiça.
II- Para além do objectivo de descongestionamento dos Tribunais o legislador pretendeu tutelar os interesses dos consumidores, aproximando os litígios judiciais das áreas onde estes se encontram domiciliados a fim de facilitar o exercício dos seus direitos de defesa.
III- Tais objectivos são inteiramente transponíveis para as acções ou procedimentos cautelares designadamente para o procedimento cautelar previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro segundo o qual “ o processo de apreensão e as acções relativas a veículos apreendidos são da competência do tribunal de comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário”.
IV- A adesão ao entendimento da subsistência desse preceito contrariaria os objectivos os legislador, impedindo os resultados visados, podendo, assim, assumir-se que a modificação operada nos artigos 74.º e 100.º envolveu, ainda que de forma tácita, o regime prescrito no artigo 21.º do DL 54/75.
V- A alteração do artigo 74.º, a par da modificação do artigo 110.º/1 do Código de Processo Civil, apresenta suficiente força para se projectar na generalidade dos preceitos dispersos por diplomas avulsos, entre os quais o referido artigo 21.º, podendo considerar-se que, com a presente alteração legislativa, houve a intenção inequívoca por parte os legislador de regular exaustivamente este sector processual considerada a situação calamitosa que afecta os tribunais de Lisboa e do Porto, o que leva a considerar-se verificada a previsão excepcional constante da parte final do artigo 7.º/3 do Código Civil
"
.

Nota - Cfr. a nota ao acórdão anterior. As dificuldades de interpretação, neste caso, conduzem facilmente a alguma hesitação. Note-se que o relator (desembargador Abrantes Geraldes) alterou aqui a posição anteriormente assumida, enquanto adjunto, em acórdão anterior (não publicado).


3)
Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 4906/2007-7:
"I - A apreciação oficiosa da excepção de incompetência territorial, nos termos do artigo 110.º/1 do Código de Processo Civil, deve ser reservada para os casos em que os autos forneçam os ‘ elementos necessários’.
II- Tal não ocorre quando, em face do requerimento inicial de arrolamento, a determinação da competência obriga a ponderar, nos termos os artigo 83.º/1, alínea a), o local onde se situam os bens a arrolar, o tribunal onde será proposta a acção, tendo em conta o domicílio dos requeridos (artigos 85.º e 87.º) ou o local de cumprimento da obrigação de entrega dos bens (artigo 74.º).
III- A omissão do dever de apreciar a incompetência territorial não determina a anulação dos actos subsequentes praticados a não ser que tal omissão tenha exercido influência no exame e decisão da causa.
IV- Esta interferência não é decorrência automática da verificação formal daquela omissão, exigindo a prova de uma efectiva interferência no resultado da causa
"
.

Nota - Neste caso, um requerimento de arrolamento não era claro quanto aos termos e fundamento do pedido na acção principal a intentar posteriormente, do qual seria dependente. Tal como se encontravam expostos os factos e a descrição do direito violado, a acção subsequente tanto se poderia basear no direito à entrega de bens móveis (sendo da competência territorial do tribunal do domicílio do réu), como no direito a uma prestação contratual (sendo da competência do tribunal do lugar do cumprimento da obrigação). Daí a conclusão do acórdão de que, neste caso, os autos não forneciam elementos suficientes para o conhecimento da excepção da incompetência.
Quanto à segunda questão, parece evidente que a omissão do conhecimento da incompetência territorial só em casos-limite teóricos poderá ter qualquer influência relevante no exame e discussão da causa, pois a repartição territorial da competência tem por base razões que não têm que ver, por regra, com a capacidade ou aptidão do tribunal para conhecer os casos submetidos à sua apreciação, além de que a sua consequência é apenas a remessa dos autos ao tribunal competente, não pondo em causa os actos já praticados. Como se refere na decisão anotada, "se a declaração de incompetência territorial não afecta a validade dos actos tramitados no tribunal onde o processo foi instaurado, não se encontra no regime legal base para sustentar uma generalizada invalidade dos actos praticados nos casos em que, apesar de a incompetência ser manifesta e ser de conhecimento oficioso, o juiz omita a sua declaração".


4)
Acórdão de 05-06-2007, proferido no processo n.º 3900/2007-7:
"Os tribunais competentes para a preparação e julgamento de uma acção de interdição por anomalia psíquica são (em Lisboa) as varas cíveis e não os juízos cíveis".

Nota - Aproveito para actualizar e completar, nesta nota, indicações anteriores (pois a questão já foi analisada no blog).
A decisão anotada está em linha, por exemplo, com os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 31-01-2007, proferido no processo n.º 0656587, e de 06-11-2006, proferido no processo n.º 0654776.
É a corrente jurisprudencial como predominante (a mais acertada, a meu ver). Na verdade, houve já algumas decisões dissonantes.
O acórdão da Relação do Porto de 20-04-2006, proferido no processo n.º 0631866, enveredou por um caminho um pouco forçado, quanto a mim, decidindo que a acção deveria ser intentada nos juízos cíveis, transitando para as varas cíveis caso houvesse contestação, posição essa que também se encontra no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-05-2003, proferido no processo n.º 3409/2003-6.
A dúvida levanta-se, no essencial, porque a tramitação do processo especial de interdição não implica necessariamente a intervenção do tribunal colectivo. Veja-se, a este propósito, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 21-03-2006, proferido no processo n.º 2064/2006-7, que passo a transcrever (com realçado meu), tendo sido expressamente acolhida na primeira decisão que referi.
"(...) findos os articulados e o exame, se a acção tiver sido contestada, ou o processo não oferecer elementos suficientes, a acção prosseguirá segundo as regras do processo ordinário.Como é obvio, até esta fase não intervém o tribunal colectivo. Mas o mesmo sucede nas acções ordinárias até à fase de julgamento. E nestas poderá nem haver intervenção do colectivo. Só haverá se ambas as partes o requererem. E há mesmo casos em que não é admissível a intervenção do colectivo (artº 646º, nº 2). E nem por isso se põe em causa a competência da varas para a sua preparação e julgamentoE tendo em consideração que se trata de uma acção declarativa cível de valor superior à alçada do tribunal da Relação e em que se prevê a intervenção do colectivo, os tribunais competentes para a preparação e julgamento são as varas cíveis, ainda que, por virtude de o réu não oferecer a sua defesa, não haja efectivamente lugar à intervenção daquele tribunal.É que não nos parece estarmos perante um caso em que seja aplicável o nº 4 do artigo 97º, ou seja: são remetidos às varas cíveis, para julgamento e ulterior devolução, os processos que não sejam originariamente da sua competência.A competência originária é das varas e não dos juízos. Com efeito, salvo melhor opinião (tratando-se, como se trata, de uma acção cível de valor superior à alçada do tribunal da relação) não se exige a efectiva intervenção do tribunal colectivo, sendo suficiente a mera previsibilidade, possibilidade ou probabilidade desse tribunal ser chamado a intervir. E não nos parece que se justifique que a acção seja proposta nos juízos cíveis, sendo depois remetida para as varas nos casos em que houver lugar a julgamento, quando é certo que, em teoria, este sempre poderá ter lugar. Para tanto basta que a acção seja contestada ou o interrogatório e o exame não forneçam os elementos necessários para que a interdição ou a inabilitação sejam desde logo decretadas."
Vejam-se ainda, no sentido que me parece ser maioritário, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 03-10-2006, proferido no processo n.º 0622720 e de 25-05-2004, proferido no processo n.º 0327023 (embora, neste caso, o sumário suscite alguma dúvida, a fundamentação parece seguir clararamente no sentido indicado) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-07-2006, proferido no processo n.º 6121/2006-8 e de 16-12-2003, proferido no processo n.º 9933/2003-7.


5)
Acórdão de 31-05-2007, proferido no processo n.º 10881/2005-6:
"A motivação da decisão sobre a matéria de facto constitui uma exigência legal consagrada no nº 2 do citado artigo 653º. Com efeito, impõe-se ao julgador a análise crítica das provas e a especificação dos fundamentos decisivos para a formação da sua convicção quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados.
Não basta a mera indicação dos concretos meios de prova em que se baseou a formação da convicção do julgador, devendo enunciar-se os motivos racionais e objectivos que foram determinantes na formação do processo decisório
.
(...)"


Nota - O exame crítico das provas a que se refere o n.º 3 do artigo 659.º do CPC não se confunde com o exame crítico das provas a que se refere o n.º 2 do artigo 653.º do CPC, referindo-se esta última norma aos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador.
Sobre a primeira, em causa na decisão anotada, veja-se este post de 3 de Junho de 2007, mais precisamente no seu ponto "2)", bem como a fundamentação dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-12-2006, proferido no processo n.º 9443/2006-6, e de 10-05-2006, proferido no processo n.º 1958/2006-4 (muito interessante, sobre a fundamentação em caso de relatórios periciais contraditórios).
Sobre a segunda, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B3070, de 11-10-2005, proferido no processo n.º 05B3035, de 16-02-2006, proferido no processo n.º 06B311, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 05B870, e de 15-04-2004, proferido no processo n.º 04B1023. Especificamente sobre a diferença entre o "exame crítico das provas" numa e noutra, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A2900, de 10-05-2005, proferido no processo n.º 05A963 (neste, embora o STJ centre a sua argumentação no artigo 655.º, as considerações que tece referem-se mais propriamente o artigo 653.º, n.º 2), de 16-12-2004, proferido no processo n.º 04B3896, de 16-03-2004, proferido no processo n.º 03A4381 e de 31-05-2007, proferido no processo n.º 07B1659.
Sobre a consequência da falta de fundamentação da matéria de facto, cfr. em particular, para além das decisões já citadas, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-2005, proferido no processo n.º 1862/04, e de 01-02-2005, proferido no processo n.º 3781/04, que ilustram uma divergência jurisprudencial quanto a este ponto, pois há decisões que consideram tratar-se de uma nulidade processual e outras que entendem não se tratar de uma verdadeira nulidade. Voltarei a esta questão, que ultrapassa o âmbito da decisão anotada, numa outra oportunidade.
Sobre a incompetência do Supremo para apreciação de provas sujeitas à livre apreciação do julgador, cfr. o acórdão daquele tribunal de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A1337, bem como a anotação que a ele deixei aqui.

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2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Relativamente à incompetência territorial, uma questão está a ser colocada com alguma frequência, embora não transpareça para os tribunais superiores. Refiro-me às situações em que o procedimento de injunção dá entrada antes da entrada em vigor da Lei 14/2006, e na vigência da mesma vai à distribuição. A Pequena instância do Porto tem entendido, por unanimidade que se aplica as novas regras.
Confesso que tenho dúvidas, mas causa-me alguma estranheza tal entendimento.
É que me parece que que a acção deve ser considerada como proposta antes da entrada em vigor da nova redacção. É essa a data de entrada da acção, embora a mesma só seja distribuida se a notificação se frustrar ou se houver oposição.

6/26/2007 10:14 da manhã  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Na verdade, só com esses dados, não estou a ver como será possível aplicar-lhes a lei nova, quando o artigo 6.º da mesma refere expressamente o seguinte:

"A presente lei aplica-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados
depois da sua entrada em vigor."


Não é indicada qualquer fundamentação?

6/26/2007 4:09 da tarde  

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