sexta-feira, junho 29, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B2007:
"O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a decisão das instâncias por ilação de facto no sentido que o recorrido, por virtude das lesões oculares, ficou impossibilitado de exercer qualquer actividade.
(...)"


Nota - Justifica-se a união e actualização de alguns apontamentos dispersos por várias notas, no blog, convergindo todos para o problema do controlo do uso das presunções judiciais pelo Supremo Tribunal de Justiça.
É jurisprudência constante (e linear, em face da lei) que o Supremo Tribunal de Justiça não controla o bom ou mau uso de presunções judiciais pelas instâncias, a não ser na medida em que ele represente uma violação das regras sobre o valor legal dos diversos meios de prova.
Sobre presunções judiciais já se escreveu bastante neste blog (
cfr. aqui a ligação à busca pela categoria "presunção judicial"). Em particular, sobre a possibilidade de controlo, pelo STJ, do uso, pelas Relações, de presunções judiciais, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002 (e a anotação que a ele deixei aqui). O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o simples uso ou não uso da presunção judicial, embora possa controlar (como fez, por exemplo, no acórdão de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A979) um uso que se traduza na alteração das respostas dadas à matéria de facto - cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-1984, proferido no processo n.º 071754, de 03-11-1992, proferido no processo n.º 082011, de 09-03-1995, proferido no processo n.º 086250, de 26-09-1995, proferido no processo n.º 087078, de 31-10-1995, proferido no processo n.º 087288 (estes dois últimos com um voto de vencido), de 20-01-1998, proferido no processo n.º 97A460, 09-07-1998, proferido no processo n.º 98B430, de 07-07-1999, proferido no processo n.º 99A588, de 20-06-2000, proferido no processo n.º 00A407, de 19-03-2002, proferido no processo n.º 02B656, de 10-02-2003, proferido no processo n.º 03B1837, de 15-02-2005, proferido no processo n.º 04A4577, e de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A3564.
No acórdão em apreço, não surpreende, pois, que o STJ se tenha negado a sindicar o não uso de uma presunção judicial, tal como, repetidamente, se nega a sindicar o seu uso, excepto "no sentido de averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados" (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 09-12-2004, proferido no processo n.º 04B3526, também in CJ, t. III, pág. 204). Assim é porque o uso das presunções judiciais pertence ainda à matéria de facto, encontrando-se por isso reservada às instâncias. Nesta ligação podem encontrar-se decisões judiciais sobre o uso de presunções judiciais anteriormente referidas aqui no blog.
Em particular para a definição de presunção judicial, cfr. a nota ao
acórdão do STJ de 05-12-2006, proferido no processo n.º 06A3883, que deixei aqui.
Alguns limites à utilização de presunções judiciais podem encontrar-se nos seguintes acórdãos, para além dos indicados nas ligações supra:
- "I – A força probatória das presunções judiciais (da experiência ou de facto) não é mais relevante do que a prova testemunhal. II – Por isso, tendo havido produção de prova testemunhal, não sujeita a registo, o tribunal da Relação não pode alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, com base em simples ditas presunções" - acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-1998, in CJ, tomo II, pág. 253.
- "As Relações podem extrair ilacções de facto de matéria provada na 1ª instância, mas o exercício dessa faculdade está condicionado à verificação de quaisquer das situações previstas no nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil, quando o facto presumido tenha, ele próprio, sido objecto de resposta pelo colectivo (ou pelo tribunal singular)" - acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-06-1997, in BMJ 468, pág. 490.
- "I – Sendo lícito ao julgador socorrer-se de presunções judiciais para apreciar a matéria de facto e com base nelas considerar provados outros factos que servirão posteriormente para fundamentar a solução de direito, o certo é que as presunções de que aquele se pode servir têm de respeitar a matéria de facto provada ou, pelo menos, e salvo casos excepcionais previstos na lei, só dentro de limites muito apertados a pode afastar. II – Assim, não é possível qualificar de contratos de mútuo ou de abertura de crédito, passíveis de pagamento de juros, fazendo apelo às regras de experiência do mundo empresarial, as entregas de dinheiro feitas por certa sociedade a duas outras quando estas, como resulta inequivocamente da matéria de facto fixada, se obrigaram, não a restituir os dinheiros daquela recebidos, mas a prestar serviços e fornecer mercadorias para amortizar aqueles adiantamentos" - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29-11-1990, in CJ, tomo V, pág. 259.
- "I – As chamadas presunções naturais, judiciais ou de facto constituem meios de prova mediata cuja força probatória é apreciada livremente pelas instâncias. II – Através delas o julgador retira ilações lógicas de certos factos conhecidos para chegar ao conhecimento de outros desconhecidos, guiado por regras práticas e da experiência. III – O Tribunal da Relação pode lançar mão de presunções tirando conclusões da matéria de facto, desde que tais conclusões se limitem a desenvolvê-la, não a contrariando. IV – As presunções retiradas dos factos provados constituem, também elas, matéria de facto, pelo que são insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista" - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-1991, in Acórdãos Doutrinários do STA, n.º 359, pág. 1306.


2) Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B2142:
"No contrato de locação financeira, vincula-se o locador a adquirir ou a mandar construir o bem locando que o locatário pode ou não adquirir findo o contrato de locação financeira.
(...)
A apreensão do veículo automóvel objecto mediato do contrato de locação financeira em procedimento cautelar, na sequência da resolução deste último contrato, não inviabiliza a condenação da locatária na sua entrega à locadora na acção declarativa conexa
".


Nota - A conclusão constante do sumário transcrito é evidente e mal merece uma nota. Aliás, a providência cautelar de apreensão destina-se, precisamente, a consistência prática do direito que se faz valer na condenação. Não só não impede, por isso, tal condenação, como é instrumental em relação a ela.


3)
Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B1327:
"Com os normativos vertidos nos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil procurou-se simplificar a estrutura formal dos acórdãos, caminhando, como se refere no preâmbulo do Dec-Lei 329-A/95, de 12 Dezembro, decididamente no sentido do aligeiramento do relatório, permitindo a fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida, desde que confirmada inteiramente e por unanimidade, simplificação que visa igualmente contribuir para a celeridade da fase do recurso.
Com este regime não é eliminada a imposição de fundamentação da decisão. O que acontece é que o tribunal superior, após uma análise crítica e ponderada da fundamentação aduzida na decisão recorrida e de se convencer da bondade da decisão acolhida, perfilha e faz seus os fundamentos aí invocados.
Mas para que este normativo possa ser aplicado é condição essencial que, desde logo, a matéria de facto não tenha sido impugnada. Se o quadro de facto em que assenta a sentença recorrida é atacado quer dizer que não existe base material sustentável que permita a aplicação do regime jurídico adequado. E também sem a fixação definitiva desse quadro factual, não é possível apreciar se o enquadramento jurídico é o correcto.
O acórdão recorrido não podia acolher o sentido da decisão constante da sentença quando os pressupostos de facto em que se estribou podem não ser esses.
Impugnada a decisão sobre a matéria de facto, não é possível a remissão para os termos da sentença da 1ª instância ao abrigo da faculdade prevista pelos nºs 5 e 6 do art. 713º C.Pr.Civil"
.

Nota - Sobre a possibilidade de decidir por remissão, o que escrevi
aqui (em anotação ao acórdão do STJ de 13-03-2007, proferido no processo n.º 07A316) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705.
No sentido de que a decisão por remissão tem de ser unânime, cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705 (e a anotação que a ele deixei aqui), onde se conclui, a meu ver acertadamente, que "tendo presente o teor do n.º 5 do art.º 713.º, não podemos deixar de concluir que a situação nele prevista (a elaboração do acórdão por remissão) exige a verificação cumulativa de dois requisitos: a) que o acórdão seja tirado por unanimidade; b) que a sentença recorrida seja inteiramente confirmada, quer quanto à decisão, quer quanto aos seu fundamentos. Só neste caso é que o acórdão poderá ser elaborado por remissão".
As hipóteses em que o recorrente repete, na revista, precisamente as alegações de apelação têm sido consideradas, por parte da jurisprudência, como susceptíveis de permitir uma decisão por remissão, como já referi aqui no blog (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002, e a anotação que sobre ele deixei neste post anterior). Como entretanto já referi (cfr. aqui, em nota ao acórdão do STJ de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1286), existem, no essencial, três correntes jurisprudenciais sobre o assunto. Uma defende que a repetição das alegações implica a deserção do recurso; outra que justifica o uso da faculdade de decidir por remissão; a terceira, variante desta última, no entanto, entende que essa faculdade remissiva não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou. No texto anterior já referido, enumerei algumas decisões que se inscrevem nas duas primeiras correntes (a que se acrescentam, pela segunda, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2007 e de 27-03-2007, já citados, de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A3431 e de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2993). Quanto à terceira posição (segundo a qual o uso da faculdade remissiva pelo STJ não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou), pode ser encontrada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2006, proferido no processo n.º 06B1346, de 11-12-2003, proferido no processo n.º 03A3797, de 21-12-2005, proferido no processo n.º 05B2188, e de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B2645.

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