quarta-feira, maio 23, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 3)

1) Acórdão de 10-05-2007, proferido no processo n.º 1174/2007-8:
"A pretensão que visa a desistência pelo liquidatário de pedido reconvencional que foi deduzido pela falida não deve ser deferida verificando-se que os reconvindos são credores da falida, integrando alguns deles a comissão de credores, não sendo, portanto, terceiros não credores da falida e verificando-se que não há sequer unanimidade entre todos os membros da comissão de credores.
Considerando que tal desistência pode implicar prejuízo para os credores da massa falida, salvo naturalmente para aqueles credores que são reconvindos por só a eles beneficiar, a autorização do tribunal está condicionada à anuência de todos os credores".

Nota - Não conheço outra decisão sobre esta matéria. Apesar de ser possível encontrar alguma jurisprudência sobre a desistência do pedido no processo de falência ou insolvência, aqui a hipótese é outra: desistência, pelo liquidatário, de um pedido em acção pendente, deduzido pela falida contra um dos credores reclamantes.


2) Acórdão de 10-05-2007, proferido no processo n.º 1154/2007-8:
"No contrato de empreitada o preço da obra tanto pode ser fixado em quantia previamente acordada como pode ser convencionado outro modo para a sua fixação, designadamente de um modo global, por cada artigo (por unidade a executar) por medida (o preço total da obra depende da dimensão depois de concluída) e em função os tempo de trabalho.
O ónus da prova do preço compete ao empreiteiro (artigo 342.º do Código Civil)".

Nota - Trata-se de uma questão pacífica, em face das regras gerais de distribuição do ónus da prova. No mesmo sentido, cfr., por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2006, proferido no processo n.º 06B4007.


3) Acórdão de 10-05-2007, proferido no processo n.º 2656/2007-8:
"A competência dos tribunais em razão da matéria afere-se à luz da pretensão formulada.
Assim, se a A. fundamenta o seu pedido no reembolso de quantia que, em seu entender, pagou indevidamente por ter considerado que não existia nexo de causalidade entre as lesões sofridas pela ré e o acidente de trabalho, o pedido emerge do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473.º do Código Civil) e não de acidente de trabalho (artigo 85.º, alínea c) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro)".

Nota - A alínea c) do artigo 85.º da LOFTJ atribui aos tribunais do trabalho competência para conhecimento "das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais".
Embora concorde com a decisão neste caso concreto, discordo dos termos em que a respectiva conclusão se apresenta sumariada.
Vejamos.
É pacífico que a competência do tribunal se afere a partir da relação material controvertida tal como esta é configurada pelo autor - cfr., entre muitos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-1999, proferido no processo n.º 03S3775.
Neste caso concreto, a autora (seguradora) pedia a restituição de quantias pagas ao réu no pressuposto - errado, na sua tese - de que estava a indemnizá-lo por danos decorrentes de um acidente de trabalho. Segundo a autora, o acidente sofrido não foi um acidente de trabalho - daí o enriquecimento sem causa do lesado que, por tal via, recebeu a quantia indemnizatória.
Pois bem, a tese do autor (e é em função desta, como se disse, que se afere a competência do tribunal) é a de que a relação que o une ao réu não decorre de um acidente de trabalho. Daí que não caiba aos tribunais do trabalho conhecer deste pedido, nos termos da alínea c) do artigo 85.º da LOFTJ.
Basta isto para afastar a competência do tribunal do trabalho.
Não será, porém, de afastar qualquer hipótese de enriquecimento sem causa daqueles tribunais, apenas pelo facto de tal instituto ter raízes civilísticas, pois ele projecta-se nos outros ramos do direito.
Imagine-se que o autor pede a restituição de
parte de uma quantia paga a título de indemnização por danos decorrentes de acidente de trabalho, por entender que indemnizou em excesso, fundamentando o pedido no enriquecimento sem causa. Nem autor nem réu discutem a natureza do sinistro enquanto acidente de trabalho, mas apenas o excesso. Neste caso, o tribunal terá, no essencial, que analisar a medida da obrigação de indemnização na relação jurídica emergente do acidente de trabalho. Faria sentido, então, dizer-se que tal questão não é da competência do tribunal do trabalho só porque o enriquecimento sem causa se encontra previsto no código civil, quando o enriquecimento ilegítimo tem origem no cumprimento excessivo de uma obrigação que integra a matéria da competência do tribunal do trabalho? Faria sentido, então, afirmar que o tribunal competente para condenar no cumprimento da obrigação é um, mas é outro o tribunal competente para determinar se a mesma obrigação, espontaneamente cumprida, o foi em excesso (neste segundo caso, continua a estar em causa averiguar quem são "as entidades responsáveis pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho" e a medida dessas obrigações - cfr., para a parte citada, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2004, proferido no processo n.º 03S3775)? Penso que tal conclusão configuraria um entendimento demasiado estanque dos institutos em causa e levaria a consequências pouco razoáveis. No entanto, tal como se redigiu o sumário, a solução a que conduziria seria precisamente esta.
Note-se, porém, que, pelas razões que já expus, concordo com a decisão final, no caso concreto.

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