quarta-feira, junho 27, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 2 de 3)

1) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 2324/2006-7:
"A acção judicial que tem por objecto a declaração de nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal não tem de ser proposta por todos os condómino, uma tal acção não visa a modificação do referido título, não se configurando, assim, litisconsórcio necessário activo (artigos 1416.º/2 e 1419º do Código Civil e 28.º do Código de Processo Civil)".

Nota - Não me parece de subscrever a decisão anotada, salvo melhor opinião.
Como fundamentação, escreveu-se o seguinte:
"Não se está perante uma modificação do título constitutivo de propriedade horizontal (art.º 1419º do Cód. Civil), mas sim perante um caso de uma invocada nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal (art.ºs 1418º, n.º 3 e 1416º, n.º 2 do Cód. Civil).
A acção judicial tendo por objecto declaração da nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal não tem de ser proposta por todos os condóminos, visto que o n.º 2 do art.º 1416º do Cód. Civil não exige a intervenção de todos os condóminos. Por outro lado, o n.º 1 do art.º 1420º do Cód. Civil dispõe que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. Donde, e relativamente às partes comuns do prédio, como é o caso, regem as regras da compropriedade. E no âmbito destas o n.º 2 do art.º 1405º do Cód. Civil. Este preceito dispõe que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este lhe seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro. Deste modo, na defesa do que os condóminos entendem ser parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, os condóminos podem agir coligados ou isoladamente".
Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, não basta fundamentar com a não previsão legal expressa da necessidade de intervenção de todos os interessados para daí concluir que não há litisconsórcio necessário - tal afirmação apenas permitirá concluir que não se trata de um caso de litisconsórcio necessário
legal (seguindo a classificação doutrinal conhecida).
No entanto, sempre haveria que avaliar se não estamos perante um caso de litisconsórcio necessário natural, que ocorre quando a presença de todos os interessados é necessária para que a acção produza o seu efeito útil normal (aceitando o termo "litisconsórcio natural" com este sentido, sem prejuízo de reconhecer que o mesmo mais não é do que uma variante do litisconsórcio legal), como se prevê igualmente no artigo 28.º do CPC.
E, chegados aqui, há que perguntar se uma acção que tenha por objecto a declaração de nulidade parcial do título constitutivo pode produzir os seus efeitos normais se não estiverem presentes todos os condóminos.
Parece-me que não.
Se a decisão se não impõe aos que não intervêm nem são chamados (uma vez que são terceiros juridicamente interessados), teremos, com a procedência da acção, o efeito de o título se manter, na parte impugnada, inválido para alguns condóminos e poder vir a ser declarado válido para outros, destinando-se porém a regular unitariamente as relações entre
todos eles.
Dificilmente tal solução poderá considerar-se o "efeito útil normal" da acção de declaração de nulidade (ou de anulação) do título, ainda que tendo apenas por objecto parte dele. Note-se que não está aqui em causa apenas evitar a incompatibilidade de decisões (não é esse o melhor critério para determinar uma hipótese de litisconsórcio natural), mas de garantir a extensão da força da decisão a todos os condóminos, sem os quais resultará comprometida, a meu ver, a função do título constitutivo.
Também não parece de aplicar linearmente, para justificar tal solução, a regra da defesa da posse por qualquer condómino, pois não é disso que se trata neste caso.
Note-se, porém, que a decisão anotada tem jurisprudência concordante, seguindo essencialmente a mesma argumentação - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-1994, in CJ(STJ), tomo I, pág. 144 (o acórdão tem um sumário aqui, mas não refere directamente o problema, que é analisado na fundamentação).



2) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4140/2007-7:
"Ministério Público não carece de indicar o valor da acção no processo judicial de promoção e de protecção referenciado na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro).
Uma decisão que, por falta de indicação do valor imponha em processos desta natureza a extinção da instância, impede, de forma manifestamente excessiva e desproporcionada, o direito de acção do Estado no sentido de promover a defesa dos direitos das crianças e de as proteger do perigo (artigo 20.º da Constituição da República)".

Nota - Este assunto já foi tratado aqui no
blog, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2007, proferido no processo n.º 17036/2007-8, que deixei aqui (nota ao quinto acórdão).
Tal decisão de 19-02-2007 foi oposta à agora anotada, tal como a da mesma Relação de 14-12-2006, proferida no processo n.º 10417/2006-6.
A jurisprudência divide-se, quanto a esta matéria, pois há outras decisões no sentido da que agora se anota - cfr., ainda da Relação de Lisboa, os acórdãos de 16-01-2007, proferido no processo n.º 10141/2006-1, de 07-12-2006, proferido no processo n.º 10140/2006-7, e de 17-04-2007, proferido no processo n.º 3125/2007-7.
A novidade da decisão anotada face às demais consiste, essencialmente, no especial cuidado que coloca na articulação da solução com a garantia constitucional de acesso à justiça (embora me pareça que não seja por esta via que a solução se impõe).


3) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4343/2007-7:
"Os tribunais judiciais comuns, e não os tribunais de trabalho, são competentes em razão da matéria para conhecer do litígio em que uma empresa seguradora a título de direito de regresso, rectius sub-rogação legal (artigo 592./1 do Código Civil), reclama o pagamento de quantia paga ao seu segurado em razão de acidente ocorrido em obra causado por violação das normas de segurança.
Muito embora o artigo 85º, alínea c) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro prescreva que compete aos tribunais de trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, o litígio em causa prende-se com questão lateral, conexa, de saber se a indemnização decorrente de acidente de trabalho cabe à seguradora em virtude do contrato de seguro que celebrou com a entidade patronal ou se cabe à entidade patronal ou a terceira entidade em razão da violação das regras de segurança no exercício da sua actividade.
Somos, assim, conduzidos para a previsão constante da alínea o) do referido artigo 85.º da Lei n.º 3/99 verificando-se que, sem cumulação com outro pedido para o qual o tribunal de trabalho seja directamente competente, não basta que a questão em causa seja conexa com relação laboral para se considerar competente o tribunal de trabalho".

Nota - Por razões muito semelhantes às que já escrevi aqui, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-05-2007, proferido no processo n.º 2656/2007-8 (embora a hipótese não seja rigorosamente idêntica), discordo da decisão anotada.
Mais impressivamente ainda do que naquela decisão de 10-05-2007, na que agora se anota parece-me claro que a competência é do tribunal do trabalho, pois, quando a seguradora reclama a quantia indemnizatória
sub-rogando-se ao trabalhador, substitui-o processualmente, pelo que a relação jurídica sobre a qual se vai debruçar a decisão é ainda, efectiva e directamente, a que emerge do acidente de trabalho. Este fenómeno de substituição processual, embora obrigue a considerar uma outra relação jurídica (entre a seguradora e o empregador), mantém o eixo central da acção na relação de acidente de trabalho, que continua em causa e em análise.
Parece-me por isso, desnecessária e artifical a construção que afasta, aqui, a competência dos tribunais do trabalho, face ao disposto na alínea c) do artigo 89.º da LOFTJ, que atribui aos tribunais do trabalho competência para conhecimento
"das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais".


4) Acórdão de 29-05-2007, proferido no processo n.º 6321/2006-7:
"I - O conceito de execução de sentença a assumir relevo no domínio administrativo é necessariamente diferente do que se desfruta no âmbito do direito processual civil, uma vez que não se mostra eficaz utilizar a execução forçada judicial contra a Administração.
II -Com a entrada em vigor do DL 256-A/77, de 17 de Junho, foi instituído um sistema efectivo de garantia do particular ao direito à execução das sentenças administrativas a fim de fazer face às situações de inexecução, sistema esse que se consubstancia, na sua essência, numa forma de acatamento voluntário pelas autoridades administrativas das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos, prevendo uma série de expedientes jurídicos (garantias) que visam reagir eficazmente contra as inexecuções ilícitas das decisões administrativas.
III - Tais garantias, para além da publicação das sentenças e da utilização das vias hierárquicas e tutelar, consistem: na faculdade de impugnar contenciosamente os actos de inexecução; na responsabilização dos penal dos agentes da administração; na responsabilidade civil da administração e seus agentes; na interferência do tribunal na realização dos pagamentos devidos.
IV – Tendo os exequentes obtido decisão anulatória, declaração de inexistência de causa legítima de inexecução e declaração judicial de especificação dos actos, operações e prazo para reconstituição da situação, e persistindo o incumprimento da C, impunha-se-lhes, em termos de via executiva administrativa, a acção indemnizatória a requerer no tribunal administrativo, os termos do art.º 11, do DL 256-A/77".

Nota - A aplicabilidade do DL 256-A/77 parece deslocar inevitavelmente a competência material para os tribunais administrativos - cfr. também, no mesmo sentido, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2006, proferido no processo n.º 0554952.
Convém lembrar, porém, que, com a entrada em vigor do CPTA, foi revogado o DL 256-A/77, e a execução das sentenças administrativas, embora se mantenha na competência dos tribunais administrativos, viu o seu regime alterado - cfr., desenvolvidamente, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-02-2007, proferido no processo n.º 01067/06, e de 03-05-2007, proferido no processo n.º 030373A.

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