terça-feira, março 20, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

1) Acórdão de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1187/2007-7:
"O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75 admite interpretação extensiva por forma a considerar que no conceito de “ contrato de alienação” se abrange o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade.
É admissível a constituição de reserva de propriedade tendo por finalidade garantir um direito de crédito de terceiro que é o mutuante do contrato de mútuo conexo com o contrato de compra e venda".

Nota - O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75, referido no sumário, trata da resolução do contrato por incumprimento das obrigações a que se refere a reserva da propriedade.
Problemas relacionados com a interpretação destas normas têm vindo a ser sucessivamente colocados aos tribunais superiores, já que, em vez da normal relação de dois pólos (vendendor-comprador), a reserva de propriedade surge cada vez mais em relações triangulares (adquirente-vendedor-financiador), sendo cada vez mais frequente a constituição de reserva de propriedade como instrumento de protecção do financiador. Ou seja, a reserva de propriedade passa a salvaguardar não o pagamento do preço ao vendedor (que terá sido assegurado pelo financiador), mas sim o pagamento das prestações ao financiador.
A jurisprudência tem vindo a interpretar o preceito do artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75 no sentido de se referir apenas ao incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, o que impediria que o financiador dela beneficiasse.
No entanto, em outras decisões tem admitido a possibilidade de: (i) a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro; e (ii) interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, no sentido de abranger "o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade" (texto citado do acórdão em análise).
Quanto ao primeiro ponto (possibilidade de a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro), cfr. o acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2003, in CJ, 2003, tomo II, pág. 74, e, recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901.
Quanto ao segundo ponto (possibilidade de interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75), cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 . Contra: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-1997, in CJ, 1997, tomo V, pág. 120, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B538 (argumentando que o vendedor não pode já exercer o direito à resolução porque recebeu já a totalidade do preço, logo não poderá exercer o direito de apreensão, conexo com aquele primeiro - a decisão conta com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2004, proferido no processo n.º 0422028.
No Tribunal da Relação de Lisboa, temos a seguinte "contagem de espingardas":
- alinhando no sentido da decisão em análise (que contou com um voto de vencido) cfr. os acórdãos de 01-02-2007, proferido no processo n.º 733/2007-6, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3629/2006-6, de 27-06-2006, proferido no processo n.º 937/2006-1 (este, se bem o interpreto, apenas quanto à primeira vertente, ou seja, da possibilidade de constituição da reserva a favor de terceiro), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4667/2006-6, de 30-05-2006, proferido no processo n.º 3228/2006-7, de 28-03-2006, proferido no processo n.º 447/2006-7 (com um voto de vencido, apoiado no citado acórdão do STJ de 12-05-2005), de 20-10-2005, proferido no processo n.º 8454/2005-6, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 3843/2005-6, de 18-03-2004, proferido no processo n.º 2097/2004-6 (concordando com, pelo menos, o primeiro ponto supra citado, já que o segundo não se levanta no processo, e com um vonto de vencido, que não abrange, em rigor, essa matéria), e de 27-06-2002, proferido no processo n.º 0053286;
- contra: acórdãos de 08-02-2007, proferido no processo n.º 957/2007-2, de 12-10-2006, proferido no processo n.º 3814/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4927/2006-8, de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4888/2006-2, e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 9857/2004-7.
Outros assuntos relativos à reserva de propriedade já analisados neste blog: relação entre as regras de competência constantes do DL 54/75 e as novas regras da Lei 14/2006 (cfr. também o acórdão seguinte); e renúncia à reserva de propriedade e penhora pelo titular da reserva.


2) Acórdão de 06-03-2007, proferido no processo n.º 7958/2006-1:
"O artº21º do DL 54/75, de 12-2 não foi revogado pela nova redacção do artº74º do CPC, dada pela Lei 14/06, de 26-4.
Acresce que, à data do contrato em causa (26-1-05, conforme doc.1/fls.11), a excepção de incompetência relativa não era do conhecimento oficioso, excepto, nos casos elencados, nomeadamente, na a) do artº110º do CPC, donde só constava o nº2 do artº74º do CPC (responsabilidade por factos ilícitos), e não, a do nº1 do mesmo preceito legal.
Deste modo, não é também aplicável ao caso, o artº100º do CPC (competência convencional), sendo válida a clausula 15ª do contrato, que definiu (por acordo entre as partes) a Comarca de Lisboa, como competente, para resolução de qualquer litígio decorrente do mesmo contrato".

Nota - O primeiro ponto encontra-se em conformidade com o já decidido no acórdão do mesmo tribunal de 15-02-2007, proferido no processo n.º 1180/2007-8 (analisado aqui). Já os outros pontos constituem novidade relativa, ao apontarem para a aplicabilidade da lei vigente à data da celebração do pacto, e não a que se encontra em vigor à data de propositura da acção, ao contrário do decidido, entre outros, nos acórdãos do mesmo tribunal ade 08-02-2007, proferido no processo n.º 9880/2006-8, e de 14-12-2006, proferido no processo n.º 9885/2006-8 (aliás, foi precisamente a superveniência da norma que esteve na base da apreciação da inconstitucionalidade da sua aplicação a pactos celebrados anteriormente, questão sobre a qual se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Constitucional números 691/2006, 41/2007, 53/2007, 60/2007 e 84/2007 (todos no sentido da não inconstitucionalidade).
Cfr. também o acórdão seguinte.


3) Acórdão de 15-03-2007, proferido no processo n.º 2408/2007-6:
"A aplicação da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, que introduziu a regra imperativa da competência territorial do Tribunal da comarca do Réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, afastando a validade da convenção do foro celebrada antes daquela Lei, não viola o disposto no art. 12º do CC.
A alínea a), do nº 1, do art. 110º, do CPC, na redacção dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, não enferma de inconstitucionalidade".

Nota - Sobre outras decisões e a posição do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria, cfr. a nota anterior.


4) Acórdão de 01-03-2007, proferido no processo n.º 1750/2007-6:
"Há excepção do caso julgado, quando, depois da decisão definitiva a determinar a cobrança coerciva dos alimentos a menor, existe outro procedimento processual, por incumprimento dos mesmos alimentos.
O incidente previsto no art.º 181.º da OTM é aplicável aos casos de incumprimento do destino do menor.
Há erro na forma do processo, quando está em causa apenas o incumprimento dos alimentos e é requerido tal incidente.
Esse erro determina a nulidade de todo o processo, não sendo a petição aproveitável".

Nota - No mesmo sentido, veja-se também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-02-1985, in BMJ 344, pág. 463 ("Ao não pagamento ou ao pagamento impontual dos alimentos devidos aos menores são aplicáveis as regras dos artigos 189º e 190º da Organização Tutelar de Menores. O artigo 181º da mesma lei não é aplicável a tais faltas, mas apenas às hipóteses de incumprimento do regime relativo à situação do menor, entendendo-se nesta expressão a entrega do menor à guarda de um dos progenitores, de terceira pessoa ou de estabelecimento de educação ou assistência e a fixação do regime de visitas").
Embora não directamente relacionadas com esta decisão, mas com muita relevância para a aplicação do mecanismo do artigo 189.º da OTM e qual a melhor via para exigir alimentos, deixo algumas notas:
a) acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2005:
"Decide julgar inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito, com referência aos nºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição, a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 189º da OTM, aprovada pelo Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor, que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais".
b) Neste blog tratou-se já o problema da necessidade de fixação de uma pensão de alimentos nas decisões que regulam o poder paternal para poder accionar o Fundo de Garantia dos Alimentos (ver aqui e aqui).
c) Para uma análise das várias correntes quanto ao momento a partir do qual são devidos alimentos pelo Fundo (e com tendência para uniformização, pelo menos na Relação do Porto), cfr. este post.

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