terça-feira, julho 10, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 3)

1) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1981:
"O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a afirmação de facto resultante de prova de livre apreciação da Relação de que o autor, logo que recuperou das lesões sofridas, alugou por determinado preço diário uma viatura sem condutor, por ele utilizada na sua vida profissional durante certo tempo e de que experimentou incapacidade absoluta para o trabalho em certo período de tempo".

Nota - Considerou-se, apesar do uso da expressão "alugou", que se estava ainda perante matéria de facto e não de direito.
É um entendimento perfeitamente compatível com a posição maioritária na doutrina e na jurisprudência, segundo a qual, sem prejuízo do dever de evitar o uso de conceitos jurídicos na descrição dos factos, vocábulos como "comprou", "arrendou" ou "doou" podem admitir-se como encerrando um sentido comum (não técnico), que cabe na descrição factual. Tudo isto desde que a expressão em causa não interfira directamente com o problema jurídico em discussão no processo.
Sobre o assunto matéria, cfr.
este post anterior e ainda um outro.
Tratando-se de matéria factual sujeita à livre apreciação do juiz, o Supremo não pode sindicar o juízo probatório - cfr., em especial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567 (v. conclusão IV e fundamentação correspondente). Por regra, o Supremo não pode valorar a prova sujeita à livre apreciação do julgador - testemunhal ou pericial, por exemplo -, mas apenas julgar se a sua consideração para comprovação de certo facto viola ou não as regras de direito probatório material que fixam a admissibilidade e valor (legal) dos meios de prova (cfr. também, a este respeito, a jurisprudência citada em nota ao acórdão seguinte).
Cfr. também, para outras consequências da distinção entre meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador e meios de prova legais, o
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2007, proferido no processo n.º 3454/03.0TBLRA.C1 e a nota que, sobre ele, deixei aqui.


2) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A931:
"No artº 690º-A do CPC, visa o corpo das alegações propriamente ditas, apenas determinando um particular ónus de nele alegar e fundamentar – e não também um ónus de concluir – em conformidade com o comando que estabelece, ao invés do que sucede no artº 690º, ibidem, onde, relativamente à matéria de direito, impõe um ónus de alegar e um ónus de concluir".

Nota - Quanto ao conteúdo preciso do ónus de impugnação da matéria de facto, a jurisprudência maioritária tem entendido, tal como o acórdão anotado, que ele não implica que a identificação dos depoimentos concretos postos em crise conste das conclusões (bastando que se encontre nas alegações). Das conclusões devem constar obrigatoriamente, apenas, os pontos da matéria de facto que se pretendem ver alterados. No entanto, a questão não é pacífica. Sobre este assunto, podem ler-se os acórdãos do STJ de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06S3405 e de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455 (cfr. algumas notas a este acórdão aqui). A orientação do acórdão anotado é, actualmente, dominante no STJ, encontrando-se facilmente outros acórdãos no mesmo sentido (cfr., por exemplo, os de 08-03-2006, proferido no processo n.º 05S3823, e de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567), embora seja possível encontrar jurisprudência do mesmo tribunal em sentido oposto (cfr., por exemplo, o acórdão de 05-02-2004, proferido no processo n.º 03B4145). Na Relação de Lisboa, porém, encontram-se algumas decisões a exigir que as conclusões contenham também os concretos meios de prova que levam a decisão diversa (cfr. os acórdãos de 02-06-2005, proferido no processo n.º 1598/2005-4, de 02-11-2005, proferido no processo n.º 1812/2005-4, e de 18-01-2006, proferido no processo n.º 10696/2005-4).
Quanto ao que deverá entender-se como identificação concreta do ponto da gravação onde se encontra o depoimento, cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2642, bem como o já citado de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567.


3) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B2111:
"A consideração pela Relação do facto de a autora estar desempregada à data do acidente, ao invés do tribunal da primeira instância, não pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça nem constitui a nulidade do acórdão prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d) nem infracção do artigo 659º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil.
(...)"
.

Nota - Trata-se de questão pacífica.
Sobre a impossibilidade (por regra) de controlo da matéria de facto pelo STJ, cfr. a anotação ao primeiro acórdão.
Quanto aos poderes da Relação na alteração da matéria de facto, cfr. a nota ao
acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2007, proferido no processo n.º 1474/05-3, que deixei aqui.
Quanto à impossibilidade (salvo raras excepções) de tal controlo, na falta de impugnação da matéria de facto, cfr. a nota ao
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A1990, que ontem mesmo deixei aqui.


4) Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B1171:
"Sendo as conclusões da alegação de recurso instalado para o STJ uma reprodução das formuladas na alegação recursória para a Relação, não tendo esta feito uso da faculdade remissiva contemplada no artº 713º nº 5 do CPC, nem havendo lugar ao desencadear a aplicação dos artºs 722º nº 2 e 729º nº 3 do predito Corpo de Leis, confirmando-se e julgado na 2º instância quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, impõe-se o fazer uso da aludida faculdade, considerado o plasmado nos artºs 726º, 749º e 762 nº 1, todos do CPC.
Da nulidade de sentença, por vício de limite, urge saber distinguir a nulidade judicial de processo, maxime por omissão de um acto prescrito na lei, as nulidades de processo se podendo definir como quaisquer desvios ao formalismo processual ditado pela lei, por banda do formalismo processual seguido, a que aquela faça corresponder - embora de modo não expresso-, uma mais ou menos extensa invalidação de actos processuais
"
.

Nota - Aproveito para actualizar um texto anterior, quanto ao primeiro ponto.
Sobre a possibilidade de decidir por remissão, cfr. o que escrevi aqui (em anotação ao acórdão do STJ de 13-03-2007, proferido no processo n.º 07A316) e os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705, e de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B1327.
No sentido de que a decisão por remissão tem de ser unânime, cfr.
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705 (e a anotação que a ele deixei aqui), onde se conclui, a meu ver acertadamente, que "tendo presente o teor do n.º 5 do art.º 713.º, não podemos deixar de concluir que a situação nele prevista (a elaboração do acórdão por remissão) exige a verificação cumulativa de dois requisitos: a) que o acórdão seja tirado por unanimidade; b) que a sentença recorrida seja inteiramente confirmada, quer quanto à decisão, quer quanto aos seu fundamentos. Só neste caso é que o acórdão poderá ser elaborado por remissão".
As hipóteses em que o recorrente repete, na revista, precisamente as alegações de apelação têm sido consideradas, por parte da jurisprudência, como susceptíveis de permitir uma decisão por remissão, como já referi aqui no blog (cfr. o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002, e a anotação que sobre ele deixei neste post anterior). Como entretanto já referi (cfr. aqui, em nota ao acórdão do STJ de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1286), existem, no essencial, três correntes jurisprudenciais sobre o assunto. Uma defende que a repetição das alegações implica a deserção do recurso; outra que justifica o uso da faculdade de decidir por remissão; a terceira, variante desta última, no entanto, entende que essa faculdade remissiva não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou. No texto anterior já referido, enumerei algumas decisões que se inscrevem nas duas primeiras correntes (a que se acrescentam, pela segunda, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2007 e de 27-03-2007, já citados, de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A3431 e de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2993). Quanto à terceira posição (segundo a qual o uso da faculdade remissiva pelo STJ não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou), pode ser encontrada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2006, proferido no processo n.º 06B1346, de 11-12-2003, proferido no processo n.º 03A3797, de 21-12-2005, proferido no processo n.º 05B2188, e de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B2645.
A jurisprudência sobre o segundo ponto (distinção entre nulidades processuais e nulidades intrínsecas dos actos) é interminável - vejam-se apenas, como (bons) exemplo, os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-06-2004, proferido no processo n.º 04B1072 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2007, proferido no processo n.º 4569/2007-7.

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