sexta-feira, julho 06, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora (parte 2 de 3)

1) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 1474/05-3:
"I - A livre apreciação das provas segundo a prudente convicção do juiz é, salvo quando a lei disponha em sentido contrário (v.g. prova documental ou confessória), uma actividade lógica e racional que se desenvolve no foro íntimo do julgador, incontrolável pelas partes e pelas instâncias de recurso, isto é, sem que aquelas possam calcular antecipadamente o resultado das provas nem prever com segurança os meios, motivos e momento em que se completa a formação da convicção necessária para decidir, nem estas possam censurar e controlar posteriormente tal actividade.
Se pela fundamentação da decisão se conclui que a convicção do juiz foi formada a partir dessa análise, está o tribunal de recurso impedido de a censurar, a menos que na formação de tal convicção ocorresse violação de normas legais sobre as provas.
II – Não constitui qualquer irregularidade legal que o tribunal, quando responde à base instrutória, se pronuncie sobre um conjunto de diversos factos, quando os mesmos se apresentam ligados entre si por circunstâncias de tempo, local, natureza ou outras que aconselhem essa solução.
(...)".

Nota - O que se explicita no acórdão é algo que resulta de uma pura observação de bom senso. Se o tribunal de primeira instância, com a vantagem da imediação, chega a uma determinada resposta à matéria de facto através dos depoimentos ouvidos sobre a mesma e fundamenta correctamente a sua decisão, é difícil que a Relação venha a chegar a conclusão diferente.
No entanto, tal como se mostra redigida esta conclusão, talvez vá um pouco longe demais. O que dali resulta é quase que, face a uma fundamentação formalmente correcta, a Relação só pode reapreciar a matéria com base na violação das normas que fixam o valor legal das provas. Aqui é que me parece que se vai um pouco longe demais, porque pode a fundamentação encontrar-se formalmente bem elaborada e colher apoio em algumas partes dos depoimentos prestados, mas tal circunstância não impede que, na segunda instância, após reapreciar os depoimentos, o Tribunal da Relação valorize outros aspectos dos mesmos. Assim é porque
"o princípio da livre apreciação da prova testemunhal (artigo 396º do Código Civil) vale tanto na 1ª, como na 2ª instância, permitindo à Relação valorar diferentemente do que fez a 1ª instância depoimentos de testemunhas registados no processo" (excerto do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-06-2007, proferido no processo n.º 07B1552).
Se já assim a reapreciação da prova é, muitas vezes, uma "ficção legal", pois a simples gravação do som é um sucedâneo muito pobre da realidade, com a limitação que se refere no sumário ela resultaria ainda mais restringida.
Só um entendimento amplo do que é a reapreciação da prova permite explicar, por exemplo, que a Relação possa "reconstituir" a matéria de facto, aproveitando a parte não inquinada das respostas e reformulando-as, como aconteceu, por exemplo, no acórdão objecto de recurso para Supremo Tribunal de Justiça e que, ali, deu origem ao acórdão de 31-05-2007, proferido no processo n.º 07B1628, e no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-11-2006, proferido no processo n.º 1325/06.7YRCBR (procurar o ponto "2.2." da fundamentação).
Note-se, finalmente, o que se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-2007, proferido no processo n.º 06B1868:
"(...) o tribunal da Relação não pode deixar de reapreciar a matéria de facto ( toda a matéria de facto atinente aos pontos de facto postos em causa, seja a documental, seja a pericial, seja a testemunhal, recolhida em escrito ou guardada em registo audio ou video ).
4 – O tribunal da Relação não pode escudar-se numa fundamentação mais ou menos extensa ou mais ou menos rigorosa do tribunal recorrido para dizer “não vale a pena mais nada, não vale a pena ouvir sequer as cassetes de registo audio ( ou video )”.
5 – Ao tribunal da Relação pede-se que cumpra integralmente o desiderato referido em 3., à procura da aferição da razoabilidade da convicção probatória afirmada pela 1ª instância, só lhe ficando aberta a afirmação da sua própria convicção quando essa razoabilidade não se verifique".


2) Acórdão de 29-03-2007, proferido no processo n.º 2701/06-2:
"Citado o réu para contestar a acção contra ele interposta, a partir daí a comunicação para praticar qualquer outro acto processual ou para lhe dar conhecimento de qualquer requerimento apresentado pelo autor processa-se através do formalismo próprio da notificação. O constante do ponto I aplica-se, inclusivamente, quando o autor, no decorrer da acção, tiver alterado a causa de pedir e o pedido, já depois do réu ter sido citado".

Nota - A decisão está correcta. A citação é o instrumento pelo qual o réu é chamado a intervir na acção pela primeira vez. A partir da citação, ele deve ser notificado, e não citado segunda vez (a não ser, claro está, que a primeira citação venha a ser anulada).
A distinção, num caso muito semelhante, foi já analisada pela mesma Relação de Évora no acórdão de 15-04-1999, proferido no processo n.º 1596/97-3 (procurar na fundamentação).



3) Acórdão de 29-03-2007, proferido no processo n.º 2470/06-3:
"A notificação postal da [data] designada para a resposta à matéria factual constante da base instrutória, faz pressupor que antes se realizou a audiência de discussão e julgamento. Assim, o prazo para arguir uma nulidade ocorrida na ausência da parte ou mandatário deve ser contado tendo em consideração a notificação do dia para resposta aos quesitos".

Nota - O problema em apreço centra-se, como é bom de ver, na regra que o artigo do CPC prevê sobre o prazo para arguição das nulidades secundárias: "se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência".
Como resulta do segmento final da norma, se a nulidade decorrer da falta da prática de um acto e essa falta for perceptível a partir da primeira notificação que se lhe seguir, o prazo para arguição conta-se a partir da dita notificação.
Esta regra obriga o mandatário a ter uma especial atenção às notificações, para que não lhe escape a falta ou o excesso de actos processuais anteriores. Deve reconhecer-se que este regime, se aplicado com muito rigor, pode revelar-se muito penalizador, não obstante a ressalva
"só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência".
Para uma hipótese próxima da aqui analisada (não idêntica, mas aplicando a mesma regra), cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2002, proferido no processo n.º 02B2281.
A dificuldade passará sempre por determinar o que a parte ou o seu mandatário poderiam ter conhecido
"agindo com a devida diligência". Cfr., a este propósito, a fundamentação dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-04-2004, proferido no processo n.º 763/04-1, e de 18-01-2006, proferido no processo n.º 2331/05-1.


4) Acórdão de 29-03-2007, proferido no processo n.º 2338/06-3:
"I – É de rejeitar o recurso quanto à modificabilidade da decisão de facto se, o recorrente não enuncia quais os concretos pontos de facto que a seu ver devem merecer resposta diferente da que foi dada, não especifica os concretos meios probatórios em que funda a sua discordância em relação a tais pontos, nem faz qualquer referência às cassetes, designadamente quanto ao início e termo de gravação de cada depoimento).
II - A livre apreciação das provas segundo a prudente convicção do juiz é, salvo quando a lei disponha em sentido contrário (v.g. prova documental ou confessória), uma actividade lógica e racional que se desenvolve no foro íntimo do julgador, incontrolável pelas partes e pelas instâncias de recurso.
Se pela fundamentação da decisão se conclui que a convicção do juiz foi formada a partir dessa análise, está o tribunal de recurso impedido de a censurar, a menos que na formação de tal convicção ocorresse violação de normas legais sobre as provas.
III - Só quando os elementos dos autos determinem forçosa e inequivocamente uma resposta aos pontos controvertidos diversa da dada na 1ª instância é que o tribunal superior a deve alterar. Só nessa situação é que haverá erro de julgamento, o que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova não totalmente coincidentes ou mesmo contraditórios, caso em que deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, insusceptíveis de sindicância".

Nota - Quanto ao segundo e terceiro pontos, cfr. a nota ao primeiro acórdão.
Quanto ao primeiro ponto, vejam-se os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2007, proferido no processo n.º 07P330, e de 06-06-2007, proferido no processo n.º 07S742.
Considerando que a falta de indicação das voltas onde se encontram os depoimentos deve dar lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541. No entanto, já se entendeu também que
"se a falta ou deficiência das conclusões escaparem à análise quer do relator, quer dos juízes-adjuntos e a tramitação do recurso avançar para a fase do julgamento, já não poderá ocorrer o convite a que alude o nº4 do artigo 690 do CPC, por se encontrar ultrapassado o respectivo momento processual e para não se arrastar no tempo o conhecimento dos demais recursos que devam ter lugar no mesmo julgamento" e que tal convite "não tem lugar no âmbito do artigo 690-A do CPC" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2407.

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