terça-feira, dezembro 12, 2006

Jurisprudência do STJ - selecção da matéria de facto

Já anteriormente (ver aqui), ao assinalar um acórdão que tratava da inclusão de conceitos jurídicos na matéria de facto, afirmei que "sem prejuízo do dever de evitar o uso de conceitos jurídicos na descrição dos factos, vocábulos como "comprou", "arrendou" ou "doou" podem admitir-se como encerrando um sentido comum (não técnico), que cabe na descrição factual". A doutrina não é nova, nem revolucionária e, na altura, referia-a a propósito da inclusão, a tal título, da expressão "no interesse, por conta e sob a direcção". Hoje, ainda sobre o mesmo tema, encontrei o recente acórdão do STJ de 28-11-2006, proferido no processo n.º 06A3808, que trata da questão de saber se a palavra "posse" pode encerrar um tal sentido comum que permita a sua inclusão na matéria de facto, concluindo (a meu ver acertadamente) que não pode. Antes de mais, é muito difícil extrair da palavra posse um sentido comum. Mesmo que se admita que o tem, tê-lo-á num sentido que a confunde com outro conceito jurídico: o de mera detenção. Finalmente, quando a posse interesse para a matéria de facto, tal significará, quase sempre, que se discute precisamente essa questão jurídica. Ora, quanto a mim, dos casos - limitadíssimos e indesejáveis! - em que, no limite, se pode admitir a inclusão de conceitos jurídicos na matéria de facto (com todas as reservas atrás formuladas), teremos sempre que afastar aqueles em que tais conceito constituem o thema decidendum (entendimento seguido também no dito acórdão).
Transcrevo o excerto da decisão que me parece mais interessante, a este respeito.

"(...) Ensinava o Prof. Antunes Varela (in "Manual de Processo Civil", 2ª ed, 40 ss) que factos são "as ocorrências concretas da vida real", "captáveis pelas percepções do homem", tal como "os eventos do foro interno, da vida psíquica sensorial ou emocional do indivíduo".
Ora, a posse é um conceito normativo que, precisamente, integra uma conduta concreta - detenção e fruição - ("corpus") e uma atitude do foro interno - convicção de domínio, de exercer um direito próprio - ("animus").
E se, com alguma frequência, os conceitos normativos vêm sendo assimilados, na linguagem coloquial, pelos conceitos correntes, o certo é que a palavra "posse" não beneficia dessa assimilação por, no discurso vulgar, ser equivoca pois incorpora a mera detenção - posse precária, posse em nome alheio, posse, enfim, sem "animus". (cf., a propósito do "distinguo" dos conceitos e, entre outros, os Profs. Castro Mendes, in "Conceito de Prova em Processo Civil" e Barbosa de Magalhães "Revista da Ordem dos Advogados", 8º, 304).
Desde que não lhe corresponda um sentido factual preciso e inequívoco, apreensível pelo homem comum, a expressão integradora de um "nomen juris" não pode equivaler à alegação de um facto.
Assim a sua determinação terá de ser feita a partir de factos alegados "quo tale" a que o juiz atenderá na fase de subsunção.
De qualquer modo, só se poderá condescender com o uso de uma expressão consagrada comumente se a mesma não envolver, de qualquer forma, o conhecimento do objecto da lide."

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