sexta-feira, novembro 09, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 2 de 3)

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-10-2007, proferido no processo n.º 4801/2007-4:
"Nos termos do nº 6 do art. 161º do CPC, ex vi do art. 1º, nº 2, alínea a) do CPT, “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
Assim, tendo a secretaria, na carta de citação enviada à Ré, mencionado que o prazo de 15 dias para contestar a acção emergente de acidente de trabalho, se suspendia durante as férias judiciais de Natal e Ano Novo, a contestação apresentada dentro de 15 dias, descontado o prazo de suspensão daquelas férias judiciais, tem de considerar-se tempestiva."


Nota - Está correcto, a meu ver, este entendimento, em face do n.º 6 do artigo 161.º do CPC. Este princípio pode ter inúmeras aplicações práticas. Por exemplo, o extravio, pela secretaria, do original da letra dada à execução como título executivo não pode prejudicar o direito do exequente (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 30-09-2002, proferido no processo n.º 0250870); se a secretaria não recusa a petição inicial por falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça inicial, há que tê-la por recebida e que dar uma oportunidade ao autor de suprir aquela falta (cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 2503/2007-4, de 06-06-2007, proferido no processo n.º 3365/2007-4, e de 16-11-2006, proferido no processo n.º 9227/2006-6).
Note-se que este princípio está até concretizado, no que toca à citação, no artigo 198.º, n.º 3 do CPC, em termos que deixam poucas dúvidas: "Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares." - cfr. ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 04-03-1999, in BMJ n.º 485, pág. 496 e do Tribunal da Relação do Porto
de 05-06-2001, proferido no processo n.º 0120523.
Convém lembrar, porém, que um erro da secretaria pode estar ligado a outros institutos de direito processual, havendo que jogar, então, com mais do que um regime. Assim, por exemplo, o preceito do n.º 6 do artigo 161.º do CPC "não afasta o regime legal das nulidades nem transforma qualquer erro ou omissão em nulidade de conhecimento oficioso, à revelia daquele regime geral" (in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 29-10-2002, proferido no processo n.º 02A2230). E se, por exemplo, a secretaria proceder a penhora sem estar a coberto de despacho que a ordene, tal penhora padecerá de inexistência jurídica - cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-05-2002, proferido no processo n.º 0250369.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-10-2007, proferido no processo n.º 6134/2007-1:
"Tendo a agravante indicado bens do agravado a arrestar, e não tendo o tribunal a quo fundamentado no despacho de que se agrava o motivo pelo qual não determinou a apreensão de saldos bancários e outros, tal como foi requerido inicialmente na petição de arresto, não se pode considerar anómalo o requerimento apresentado pelo agravante e que foi objecto de censura pelo que o seu indeferimento e a condenação nas custas do incidente se afigura desajustada.
O tribunal a quo decidiu prematuramente quanto à dimensão dos bens a apreender, e deveria ter ordenado o arresto dos bens indicados, sem prejuízo de posteriormente reduzir o arresto.
Não poderia, naquele momento, porque para tal não tinha elementos, reduzir ab initio os bens indicados a arrestar, pois que tal procedimento poderia, inclusivamente, pôr em causa a própria finalidade da providência de arresto, impossibilitando a apreensão célere dos bens suficientes para a segurança normal do crédito da requerente do arresto."


Nota - Parece-me correcta a decisão.
Sendo verdade que, nas hipóteses em que seja patente o excesso de bens a arrestar, atendendo ao montante do crédito do requerente, o juiz pode reduzir o âmbito do arresto antes mesmo de ordenar a apreensão (o que só se admitirá na medida em que possa prever-se como bem sucedida a apreensão de bens cujo valor seja muito superior ao do crédito - situação que terá que resultar claramente dos autos), ainda assim, dizia, sempre tal decisão teria de ser adequadamente fundamentada, o que não aconteceu no caso concreto.
Assim, em causa nesta acção, não estava tanto a (im)possibilidade de reduzir o arresto antes de ordenar a apreensão (que, nas condições atrás descritas, será admissível - cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 06-04-2006, proferido no processo n.º 2790/2006-6 - onde este problema se analisa aprofundadamente), mas a total ausência de motivação de tal decisão.
Isto não prejudicará, todavia, como é evidente, a possibilidade que o requerido tem de alegar e provar, após a apreensão, o excesso do arresto, opondo-se ao mesmo (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora
de 16-12-2003, proferido no processo n.º 2340/03-3).


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-10-2007, proferido no processo n.º 5670/2007-8:
"Compete aos tribunais comuns, e não ao tribunal do trabalho, conhecer do pedido deduzido pela entidade patronal de restituição de adiantamento da pensão de reforma que foi efectuado ao abrigo de cláusula constante de acordo de empresa."

Nota - É preciso ler com muita atenção este acórdão, pois, por lapso, o sumário aqui transcrito (que surge no site da DGSI) diz o contrário do que se decidiu.
A acção foi intentada no tribunal comum, tendo o recorrente sustentado a competência do Tribunal do Trabalho. Sobre o mérito do recurso, a Relação considerou e decidiu o seguinte (o negrito é meu):
"De acordo com o entendimento jurisprudencial corrente (ac. STJ, de 18/11/2004, in www.dgsi.pt - SJ200411180038477), a competência do tribunal em razão da matéria, no confronto do tribunal do trabalho com o tribunal de competência genérica ou a vara ou juízo cível é, pois, “essencialmente determinada à luz da estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na petição inicial, independentemente da estrutura civil ou laboral das normas jurídicas substantivas aplicáveis”.
No caso concreto, constitui objecto da acção a restituição à A., ora agravada, de quantia entregue ao R. agravante, a título de adiantamento de pensão de reforma, no termo de contrato de trabalho existente entre ambos.
Da própria petição inicial, desde logo resulta tratar-se aqui do reembolso, não de montante entregue a título de mútuo civil, mas antes - como claramente se intui do clausulado constante do acordo de empresa por aquela subscrito (cfr. doc. junto, a fls. 8) - de prestação efectuada no âmbito de relação, de natureza laboral, estabelecido entre as partes.
Prestação essa, cuja ausência de restituição constitui, pois, a causa de pedir da pretensão por aquela formulada no processo.
Ao invés do decidido, impor-se-ia, assim concluir que, derivando a questão submetida à apreciação do tribunal de relação de trabalho subordinado, se acha a mesma subtraída ao conhecimento da jurisdição comum."

Concluiu-se, pois, pela competência do Tribunal do Trabalho, e não dos tribunais comuns (ao contrário do que se diz no sumário), razão pela qual a decisão foi de dar provimento ao recurso.
Possivelmente, o sumário será corrigido em breve, já que o lapso é manifesto.
Podem ler-se, ainda, sobre a aplicação do artigo 85.º da LOFTJ, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 09-02-1999, proferido no processo n.º 03S3775, de 30-09-2004, proferido no processo n.º 03S3775, de 03-05-2006, proferido no processo n.º 06S251, de 26-01-2006, proferido no processo n.º 05S1175, do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-09-2007, proferido no processo n.º 4363/2007-7, de 10-05-2007, proferido no processo n.º 2656/2007-8 (por mim anotado aqui), de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4343/2007-7 (por mim anotado aqui), e do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-03-2007, proferido no processo n.º 593/05.6TTAVR.C1 (por mim anotado aqui).


4)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-10-2007, proferido no processo n.º 7462/2007-8:
"Os créditos laborais com privilégio mobiliário e imobiliário geral nos termos da Lei nº 17/86, de 14 de Junho e da Lei n.º 96/201, de 20 de Agosto, porque não são créditos que disponham de privilégio especial, não são oponíveis a terceiro com crédito garantido por hipoteca ou penhor, ou seja, não se aplica ao caso o disposto no artigo 751.º do Código Civil, mas antes o disposto no artigo 749.º do Código Civil."

Nota - Cfr., no mesmo sentido, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3427.
Sobre o tratamento que o Tribunal Constitucional tem reservado à relação de preferência da hipoteca sobre o privilégio imobiliário geral e vice-versa, cfr.
este post anterior, na parte em que se anota o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2007 e n.º 287/2007. Cfr. ainda, em particular, este post (anotação ao terceiro acórdão), e ainda este, e este.
Como já referi no texto que se encontra na primeira ligação, tanto se encontram hipóteses, na jurisprudência, em que a hipoteca preferiu ao privilégio imobiliário geral como hipóteses opostas.Resumidamente, entendeu o STJ, na vigência do CPEREF, que:
- o privilégio imobiliário geral em benefício da administração fiscal previsto no Código do IRS poderia sobrepor-se à penhora, mas não à hipoteca - cfr.
acórdão de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A760, bem como a anotação que a ele deixei aqui, e ainda a nota que sobre a mesma matéria deixei aqui, em anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 231/2007, e ainda o acórdão do STJ de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07P580;
- os créditos dos trabalhadores garantidos por privilégio imobiliário geral, graduavam-se acima dos devidos à segurança social e garantidos por hipoteca legal - cfr. acórdão
de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A1984;
- o privilégio imobiliário geral que garante os créditos dos trabalhadores não se sobrepunha à hipoteca - cfr. acórdãos
11-09-2007, proferido no processo n.º 07A2194, de 21-09-2006, proferido no processo n.º 06B2871, de 08-11-2005, proferido no processo n.º 05A2355, de 25-10-2005, proferido no processo n.º 05A2606 (com um voto de vencido), de 05-02-2002, proferido no processo n.º 01A3613, e de 12-06-2003, proferido no processo n.º 03B1550, para além do atrás citado de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3427. Contra (antes da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto), cfr. acórdão de 18-11-1999, proferido no processo n.º 99B848.
Cfr. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1309.

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