quarta-feira, abril 04, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A760:
"O principio da confiança postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, razão pela qual é inconstitucional a norma que, por sua natureza, obvie de forma intolerável ou arbitrária àquele mínimo de certeza e segurança que os cidadãos, a comunidade e o direito têm de respeitar.
O artigo 111º do CIRS, se não interpretado como abrangendo privilégio imobiliário geral do crédito sobre hipoteca, não viola o principio da confiança.
O crédito de IRS a que se refere o artigo 111º do CIRS reporta-se aos 3 anos imediatamente anteriores à penhora ou acto equivalente
"
.

Nota - Para um levantamento das decisões do tribunal constitucional sobre a graduação dos privilégios creditórios, cfr.
este post anterior.
Como se refere na decisão em análise,
"se o artigo 111º do CIRS (antes artigo 104º do DL nº 442-A/88) foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral, tal aconteceu quando interpretado no sentido de o privilégio imobiliário geral nele conferido preferir à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil (cf. Acórdão TC nº 362/02 de 17 de Setembro de 2002).
Porém, “in casu”, o confronto não é com hipoteca, ou, sequer, com qualquer direito real de gozo, mas, e apenas, com penhora – resultante de crédito comum – sendo que, como escreveu o Cons. Tavares da Costa no voto de vencido apendiculado ao
Acórdão TC nº 109/02, de 5 de Março de 2002 – depois recuperado no citado Acórdão nº 362/02 – o IRS “é um imposto sobre o rendimento e se é certo que o texto constitucional, ao permitir o carácter globalizante da tributação do rendimento, não definiu, de modo esgotante, o seu modelo, não menos exacto é que neste imposto visa-se alcançar a inclusão, na sua incidência, de todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho.”
Ademais, e como atrás se acenou, considerando não se estar em confronto com uma hipoteca, no caso existe uma mera prioridade a beneficiar o crédito de IRS com também uma simples prioridade na execução do património debitório, em relação aos credores comuns, o que, aliás, é tradição no nosso direito, e por isso não surpreendente mas expectável, quanto aos créditos tributários – artigos 747º nº1 alínea a) e 748º nº1 alíneas a) e b), conjugadas com os artigos 750º e 751º todos do Código Civil.
Não há, por conseguinte, qualquer excesso ou intolerável desproporção, geradora de uma iníqua diferença de tratamento do credor comum ou violadora do princípio da confiança que estabiliza a vida dos indivíduos"
.
Pode considerar-se que o acórdão aqui comentado está em linha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, pelo menos tendo em conta as decisões sobre norma comparável - o artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio - que consagra um privilégio imobiliário geral dos créditos da Segurança Social. Embora tal norma tenha sido julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo
acórdão n.º 363/2002, "na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca", a mesma norma não foi julgada inconstitucional pelo acórdão n.º 697/2004, "na interpretação segunda a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à segurança social prefere à garantia resultante da penhora registada sobre determinado imóvel".
Ou seja, para o Tribunal Constitucional não são equiparáveis, no que toca à protecção da confiança, a preferência do privilégio imobiliário geral face à hipoteca e a preferência da mesma face à penhora. É precisamente nesta linha que se insere a decisão agora anotada.



2)
Acórdão de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A491:
"Da redacção do art.º 351º do C.P.C., conjugado com o seu correspondente substantivo constante do art.º 1285º do Cód. Civil, resulta o carácter autónomo e específico da posse em relação a qualquer outro direito real como fundamento dos embargos de terceiro, de modo que o embargante não necessita de provar a sua propriedade sobre os bens que considere indevidamente apreendidos, sendo bastante a prova da sua posse.
Fundando-se o embargante exclusivamente na posse, que exerce sobre o bem penhorado, correspondente ao exercício do direito de propriedade, importa, para que a invocação de ser o executado proprietário desse bem, feita pelo exequente-embargado, possa ser atendida com o efeito de tal direito de propriedade do executado se sobrepor à posse do embargante, que seja formulado pelo embargado o correspondente pedido de reconhecimento desse direito de propriedade"
.

Nota - À luz do direito anterior à reforma de 1995/96, era pacífico que o embargado poderia apenas invocar a propriedade por via de excepção, sem deduzir reconvenção, face ao disposto na alínea b) do artigo 1042.º do CPC ("o embargado pode alegar na contestação, não só que tem o direito de propriedade sobre os bens, como também que esse direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida") - cfr., também, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 12-07-1994, proferido no processo n.º 085299.
Hoje, o artigo 357.º, n.º 2 do CPC, prevê que "quando os embargos apenas se fundem na invocação da posse, pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer do seu direito de propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência foi promovida".
No acórdão em análise decidiu-se que só por essa via reconvencional é que o embargado pode arguir validamente a questão da propriedade.
Salvo melhor opinião, discordo de tal conclusão. Parece-me que bastará ao embargado invocar os factos tendentes à verificação da excepção da propriedade, para que o tribunal possa dela conhecer oficiosamente.
Isto por três razões.
Em primeiro lugar
, veja-se a letra da lei, onde se refere "pode" e não "só pode" nem "deve".
Em segundo lugar, note-se que a propriedade funciona aqui, face à posse invocada pelo embargante, como verdadeira excepção peremptória, o que implica que não tenha necessariamente que ser invocada por via reconvencional e que, nos termos do artigo 494.º do CPC, seja de conhecimento oficioso, por a lei não a fazer depender de alegação.
Finalmente, parece-me que a consagração desta regra ("pode" deduzir reconvenção) visa precisamente esclarecer que os embargos de terceiro admitem reconvenção, ao contrário dos (antigos) embargos de executado (cfr., no sentido desta inadmissibilidade, entre muitos outros, os acórdãos do STJ
de 11-07-2006, proferido no processo n.º 06B2342, de 29-11-2005, proferido no processo n.º 05B3248, e
de 03-12-1992, proferido no processo n.º 082588).
A dedução de reconvenção poderá, no entanto, ter consequências quanto à formação de caso julgado nos embargos, nos termos do artigo 358.º do CPC. Tal, no entanto, não se confunde com a obrigatoriedade de dedução de reconvenção para que a invocação de propriedade possa proceder.
No mesmo sentido que aqui defendo, embora não exactamente com a mesma fundamentação, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-03-2000, in BMJ 495, pág. 370 ("(...)A invocação da titularidade do direito, para efeitos de sobreposição a uma situação de posse formal, não carece de ser deduzida por via reconvencional, nos termos do artigo 357º do Código de Processo Civil, bastando que tenham sido alegados e possam considerar-se provados os factos de onde resulte para o executado a qualidade do proprietário"), Lebre de Freitas, A acção executiva, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 293, e Salvador da Costa, Os incidentes da instância, 4.ª edição, Coimbra: Almedina, 2006 pág. 228.


3)
Acórdão de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A471:
"O sentido do disposto no art.º 376º, n.º 2, do Cód. Civil, é o de que o documento particular faz prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que contrárias ao interesse do declarante, mas apenas nas relações entre declarante e declaratário.
Assim, só o declaratário pode invocar, contra o declarante, a eficácia probatória plena do documento, que, em relação a terceiros, já não dispõe de tal eficácia, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
Havendo vários réus em situação de litisconsórcio necessário e sendo a declaração confessória prestada só por um deles sobre factos respeitantes a todos, o art.º 353º, n.º 2, do Cód. Civil afasta a eficácia daquela declaração confessória.
Da inadmissibilidade de alteração da decisão da Relação sobre matéria de facto pelo Supremo resulta a inadmissibilidade de censura à Relação pelo não uso dos poderes só a ela concedidos pelo art.º 712º do C.P.C."


Nota - No mesmo sentido, quanto ao primeiro ponto (restrição da força probatória plena do documento às relações entre declarante e declaratário), cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 29-11-2005, proferido no processo n.º 05B3744, de 15-02-2006, proferido no processo n.º 05S3732, de 21-04-2005, proferido no processo n.º 05B522, e de 13-07-2004, proferido no processo n.º 04B2302, do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-05-2004, proferido no processo n.º 856/04-2, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-05-1999, in BMJ 487, pág. 357, entre muitos outros.
Quanto ao segundo ponto (força da declaração confessória de um dos litisconsortes em caso de litisconsórcio necessário), cfr. José Lebre de Freitas, A confissão no direito probatório, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, pp. 249 e ss. A leitura desta obra é especialmente relevante uma vez que o Autor faz notar que nem sempre a falta de pressupostos da confissão permite valorar o depoimento livremente, havendo hipóteses em que determina "a total ineficácia da confissão" (ob. cit., pág. 252). Ora, precisamente quanto à hipótese de confissão por apenas um litisconsorte em caso de litisconsórcio necessário, refere Lebre de Freitas que "a afirmação sobre a realidade dum facto feita por pessoa que não seja o exclusivo titular do interesse afectado por esse facto iria, se tivesse eficácia, afectar interesses alheios e o seu valor probatório, dado o nosso sistema de taxatividade de meios de prova, só é por isso concebível enquanto testemunho dum terceiro (...) e já não como confissão, ainda que com valor equiparado ao dum depoimento testemunhal" (ob. cit., pp. 256 e 257).

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