domingo, abril 22, 2007

Jurisprudência constitucional (parte 1 de 2)

1) Acórdão n.º 218/2007: julga organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição da República Portuguesa, na versão decorrente da revisão de 1989, a norma constante do artigo 53.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 81/91, de 19 de Fevereiro, que determina a competência dos tribunais civis (“o foro cível da comarca de Lisboa”) para as execuções instauradas pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agri­cultura e Pescas (IFADAP), organismo pagador das ajudas previstas nesse diploma, em vir­tude do não cumprimento pelos particulares dos respectivos contratos de atribuição.

Nota - A norma objecto da decisão foi aprovada por decreto-lei simples (não autorizado por lei da A.R.).
No acórdão conclui-se, em primeiro lugar, que a relação decorrente do contrato de atribuição dos subsídios tem natureza jurídico-administrativa: "na relação constituída, o contraente público detém o poder de praticar actos administrativos no âmbito da execução do contrato que celebrou com o particular, o que não sucederia se estivéssemos no horizonte de um contrato de direito pri­vado".
De seguida, toma-se posição no sentido de, enquanto que, antes da revisão constitucional de 1989, "nos casos em que não resultava expres­samente da lei qual a jurisdição competente para deci­dir determinada causa, se entendia que eram competentes os “tribunais judiciais”, depois da revisão constitu­cional de 1989, não exis­tindo norma legal a definir concretamente qual a jurisdição compe­tente, há que indagar qual a natureza da relação jurídica de que emerge o litígio e, se se con­cluir que possui natu­reza administra­tiva, então impõe-se o reconhecimento de que competente é a jurisdição admi­nis­trativa, como jurisdição “comum” para a apreciação dos litígios emer­gentes de rela­ções jurídi­cas adminis­trativas" - apoiando-se aqui nos ensinamentos de Vieira de Andrade e Sérvulo Correia (em particular, afirma este último: "a Cons­tituição atribui ao juiz administrativo o papel de juiz comum ou ordinário da justiça admi­nistrativa, cabendo‑lhe, sem necessidade de atribuição específica, a competência para julgar os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas").
Dos pontos anteriores só poderia resultar a conclusão final:
"assim, a edição do Decreto‑Lei n.º 81/91 (posterior à revisão constitucional de 1989, o que não acontecia com o Decreto‑Lei n.º 96/87, de 4 de Março, sobre que recaiu o citado Acórdão n.º 90/2004), com a norma do seu artigo 53.º, n.º 2, implicou uma alteração da regra da competência material dos tribunais, o que só podia ser efectivado pelo Governo se dispusesse de autorização legislativa, no caso inexistente.
Conclui‑se, pois, que a norma em causa padece de inconstitucionalidade orgâ­nica, tornando‑se, assim, desnecessária a apreciação da questão da ocorrência também de inconstitucionalidade material"
.
No fundo, o Tribunal Constitucional reconhece que existe um âmbito natural da jurisdição administrativa e que a subtracção de hipóteses à competência dos tribunais que a compõem tem que sujeitar-se à regra da reserva relativa da Assembleia da República no que toca à "organização e com­petência dos tribunais e do Ministério Público" (actual artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição, que na altura se encontrava no artigo 168.º, n.º 1, alí­nea q), da Constituição).



2)
Acórdão n.º 231/2007: não julga inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 8 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido às instituições de previdência prefere à garantia emergente do registo da penhora sobre determinado imóvel.

Nota - Já num outro texto anterior (cfr.
aqui), anotando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A760, concluí o seguinte: "para o Tribunal Constitucional não são equiparáveis, no que toca à protecção da confiança, a preferência do privilégio imobiliário geral face à hipoteca e a preferência da mesma face à penhora". Chamei então a atenção para o facto de o artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio - que consagra um privilégio imobiliário geral dos créditos da Segurança Social - ter sido julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.º 363/2002, "na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca", mas a mesma norma não ter sido julgada inconstitucional pelo acórdão n.º 697/2004, "na interpretação segunda a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à segurança social prefere à garantia resultante da penhora registada sobre determinado imóvel". É esta conclusão (que também se encontra no acórdão n.º 192/2003), que o Tribunal Constitucional aqui reitera.
De salientar, porém, que a decisão anotada tem um voto de vencido, do conselheiro Mota Pinto (já o
acórdão n.º 697/2004 contou com um voto de vencido da conselheira Maria dos Prazeres Beleza). Defende o subscritor do voto que não há uma diferença essencial entre a prevalência do privilégio imobiliário geral sobre a hipoteca e a mesma prevalência sobre a penhora (por considerar equiparável a lesão da confiança em ambas as hipóteses), pelo que estenderia à hipótese dos autos o juízo de inconstitucionalidade sobre a mesma norma "na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca" (cfr. o acórdão n.º 363/2002).

Amanhã prossegue a análise da jurisprudência constitucional mais recente, com três acórdãos sobre custas judiciais.

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