domingo, março 25, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 2 de 3)

1) Acórdão de 06-03-2007, proferido no processo n.º 81-B/2001.C1:
"Em processo de execução para entrega de coisa certa, a notificação do possuidor, em nome próprio ou alheio, para que reconheça e respeite o direito do exequente deve ter lugar quando a sua posse tenha procedido do executado (ou do próprio exequente), deva subsistir e seja compatível com o direito do exequente.
Nos casos em que o terceiro tenha a posse da coisa a apreender por via de um título autónomo, isto é, originário ou procedente de outro terceiro, deve o agente de execução (que seja confrontado com a oposição de terceiro possuidor no acto de apreensão), regra geral, suscitar a questão perante o juiz, nos termos do artº 809º, nº 1, do CPC.
Suscitada a questão perante o juiz, é aplicável analogicamente o artº 848º, nº 2, do CPC e, seja a coisa móvel ou imóvel, a apreensão não será ordenada quando o terceiro produza prova documental inequívoca de que é o proprietário da coisa ou o titular de outro direito real que dela lhe conceda a posse.
A notificação dos terceiros (vg. detentores) a que se alude na parte final do nº 3 do artº 930º do CPC, isto é, para que reconheçam e respeitem o direito do exequente, pressupõe que a posse ou direito dos mesmos seja compatível com o direito deste último.
Se essa compatibilidade não existir ter-se-á então que questionar, perante a situação concreta, se a execução deve prosseguir para a entrega da coisa ao exequente ou se deverá ficar suspensa, a aguardar que essa conflitualidade de direitos (incompatíveis) seja decidida a nível do direito substantivo".


2) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1942/04.0TBAVR-A.C1:
"As despesas comprovadamente suportadas pelo exequente, ao cooperar com o agente de execução na realização da penhora de bens móveis, constituem encargo da execução a suportar pelo executado, saindo precípuas do produto dos bens penhorados.
Mas se a penhora for julgada ilegal, tais despesas serão já da responsabilidade do exequente, como serão da sua responsabilidade as despesas havidas com a entrega ao executado do bem móvel indevidamente aprendido".


3) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 530/04.5TBSEI-X.C1:
"Os créditos laborais [gozam] de privilégio imobiliário especial, graduando-se antes dos créditos referidos no art. 748º do CC e ainda antes dos créditos de contribuições devidas à segurança social;
E gozando de tal privilégio são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
É constitucional a norma constante da alínea b) do n.º1 do art. 377º do Código de Trabalho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário especial dos créditos dos trabalhadores prefere à hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior, nos termos do art. 751º do CC".

Nota - Muito se discutiu o regime dos privilégios imobiliários gerais, antes da entrada em vigor do Código de Trabalho. Já na vigência da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a alínea b) do n.º 1 do artigo 12º do dito diploma na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil (cfr. acórdão n.º 498/2003).
No entanto, normas de preferência de privilégio imobiliário geral de créditos fiscais face à hipoteca já foram julgadas inconstitucionais - cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2002 - e da Segurança Social - cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2002.
Aqui fica um apanhado, por ordem cronológica, da principal jurisprudência sobre a constitucionalidade da prevalência dos privilégios imobiliários gerais sobre as garantias registas.
Do TC:
- Acórdão n.º 160/2000: julga inconstitucionais, por violação do artigo 2º da Constituição da República, as normas constantes dos artigos 2º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, e 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas conferida prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
- Acórdão n.º 109/2002: Julga inconstitucional, por violação do artigo 2º da Constituição, a norma constante do artigo 104º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, quando interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário geral nela conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do C. Civil (com um voto de vencido).
- Acórdão n.º 362/2002: declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 2º da Constituição, da norma constante, na versão primitiva, do artigo 104º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, e, hoje, na numeração resultante do Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, do seu artigo 111º, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil (com um voto de vencido).
- Acórdão n.º 363/2002: declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
- Acórdão n.º 498/2003: Não julga inconstitucional a norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
- Acórdão nº 697/2004: Não julgou inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segunda a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à segurança social prefere à garantia resultante da penhora registada sobre determinado imóvel, por não violar o princípio da tutela da confiança e da proporcionalidade, previstos nos artigos 2º e 18º, nº 2, da Constituição (com um voto de vencido).

Do STA:
- Acórdão de 29-11-2000 (in Acs. Dout. do STA, 476-477, 1156): "I – De acordo com a pronúncia do Tribunal Constitucional, o artigo 11º, do Decreto-Lei nº 103/80, interpretado no sentido de que o privilégio imobiliário nele conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo nº 751º, do Código Civil, é inconstitucional.
II – Por outro lado, tem sido decidido neste Supremo Tribunal que o privilégio concedido pelo citado artigo 11º, do Decreto-Lei nº 103/80, deve ser tratado como privilégio imobiliário geral.
III – Nestes termos, e nos termos do artigo nº 686º, do Código Civil, os créditos garantidos por hipoteca só poderão ser preteridos por créditos que gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo, devendo ser graduados logo a seguir aos indicados no artigo 748º, do mesmo Código"
.

Retirando consequências de anteriores juízos de inconstitucionalidade, cfr. o acórdão do STJ de 05-02-2002, proferido no processo n.º 01A3613 (também in CJ 2002, I, pág. 71), ao considerar inaplicáveis aos privilégios imbiliários gerais as regras dos privilégios imobiliários especiais ("I - A norma do artigo 751º do CC regula o regime apenas dos privilégios imobiliários previstos no CC, ou seja, os privilégios imobiliários especiais. II – Consequentemente, tal normativo não se aplica aos privilégios imobiliários gerais criados por diplomas posteriores ao CC, que encontram o seu regime no artigo 749º. III – Este preceito regula os efeitos de todos os privilégios gerais, sejam mobiliários ou imobiliários. IV – A entender-se que o artigo 751º do CC se aplica também aos privilégios imobiliários gerais, então a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9-5 – ao atribuir aos créditos da Segurança Social privilégio imobiliário geral, graduando-os logo a seguir aos créditos referidos no artigo 748º do CC, independentemente da data da sua constituição e independentemente do seu registo – resultaria ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade, ínsitos no artigo 2º e artigo 18º, nº 2, da CRP"). Tal terá como consequência que o privilégio imobiliário geral cederá sempre perante a hipoteca, como melhor se constata no acórdão do mesmo tribunal de 25-10-2005, proferido no processo n.º 05A2606, com um voto de vencido (também in CJ, 2005, III, pág. 86): "O art.º 751º do Cód. Civil contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens determinados, pelo que não está envolvido de sequela. II - Assim, os direitos de crédito garantidos por tais privilégios cedem perante direitos de crédito garantidos por hipoteca". No mesmo sentido, muitas outras decisões (cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 13-01-2005, proferido no processo n.º 04B4398, também in CJ 2005, I, pág. 41) acabavam por ter de negar aos trabalhadores a preferência dos seus créditos sobre os garantidos por hipoteca (tudo isto ainda aplicando a legislação anterior ao Código do Trabalho).



4) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 57/03.2TBPNH.C1:
"O interessado no reconhecimento do direito a uma servidão de passagem não só deve identificar o posicionamento relativo dos prédios dominante e serviente, evidenciando o encargo para este e o correspectivo benefício para aquele, como também o local e a extensão da pretensa servidão. É pois essencial que, tratando-se de servidão de passagem, se prove que a passagem se desenvolve no sentido do prédio que vai ser servido, assim se formando a utilidade pressuposta pelo direito de servidão. Se o autor não consegue convencer o tribunal da ligação entre determinados prédios, o serviente e o servido, a servidão não pode ser declarada.
As servidões não aparentes, ou seja, aquelas que não se revelam por sinais visíveis e permanentes, não podem ser constituídas por usucapião. Sendo a usucapião um título constitutivo não formal da servidão, a omissão de sinais visíveis que fisicamente indiquem o local de passagem entre os prédios só pode dar lugar a uma completa indefinição da concreta extensão e implantação desse local".

Nota - Quanto à necessidade de alegar e provar o percurso de ligação entre os prédios, cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-1998, proferido no processo n.º 98B789.
As servidões não aparentes são aquelas que não se revelam por sinais visíveis e permanentes. Para uma aplicação destes conceitos (visibilidade e permanência) cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-1992, proferido no processo n.º 080876, de 24-02-1999, proferido no processo n.º 98A1016, do Tribunal da Relação do Porto de 12-12-2006, proferido no processo n.º 0622564 (
"as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião; uma vez constituídas, se os sinais desaparecem ou não existem na actualidade, não desapareceu o direito antes constituído"), de 20-01-2004, proferido no processo n.º 0326196 (Para constituir a servidão por usucapião, "não se torna necessário que toda a obra ou todos os sinais estejam à vista. Basta que a parte visível seja suficiente para revelar aos olhos do observador o exercício da servidão"), de 26-10-1993, proferido no processo n.º 9320446 ("Sinais visíveis são os que podem ser constactáveis à vista pelo proprietário serviente sem necessidade de especiais investigações, embora surjam em terreno de outro proprietário e não no próprio prédio dominante ou serviente"), do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-12-2006, proferido no processo n.º 4873/2006-7 (servidão de estacionamento não aparente), do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-12-2005, proferido processo n.º 2564/05 (conceito de sinal visível),e do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-10-2002, proferido no processo n.º 948/02-2 (sinais visíveis na servidão de escoamento).


5) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1881/05.7TBVIS.C1:
"Nas acções negatórias de servidão predial recai sobre o réu o ónus de prova dos factos constitutivos da existência de servidão que se arroga.
Não sendo cumprido tal ónus a acção procede, caso contrário improcede a acção.
Não carece o réu de deduzir pedido reconvencional visando a condenação do autor a reconhecer o direito de servidão que se arroga.
Na improcedência da acção de simples apreciação negativa vai implícito o reconhecimento da existência do direito que o réu se arroga que fica definitivamente estabelecida entre as partes".

Nota - Cfr. também, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-05-2004, proferido no processo n.º 743/04. Concluindo (a meu ver, erradamente) que da improcedência de uma acção de simples apreciação negativa não resulta o reconhecimento do direito do réu e que este tem de reconvir pedindo o seu reconhecimento e que o autor seja condenado a respeitá-lo, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2001, proferido no processo n.º 00A3364. Entendo que da improcedência da acção negatória resulta assente a titularidade do direito na esfera do réu, ainda que o tribunal não tenha que declará-la de forma expressa, à falta de reconvenção, subscrevendo o entendimento do acórdão em análise.
Sobre a distribuição do ónus da prova nas acções de apreciação negativa de servidão, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2006, proferido no processo n.º 06A1980, e de 20-01-2005, proferido no processo n.º 05B3055.

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