terça-feira, outubro 02, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 18-09-2007, proferido no processo n.º 133-D/2002.C1:
"Em processo de inventário, os interessados a quem haja de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas – artº 1377º, nº 1, C. P. C.
Ao credor das tornas são facultadas duas possibilidades: a composição do seu quinhão com a(s) verba(s) licitada(s) em excesso por qualquer interessado – artº 1377º, nºs 2, 3 e 4, CPC - ,ou a reclamação do pagamento das tornas, a qual é notificada ao devedor das mesmas, para as depositar – artº 1378º, nº 1, CPC.
No caso de reclamação do pagamento das tornas e não sendo efectuado o respectivo depósito, pode o credor optar por uma de duas soluções: pedir que das verbas destinadas ao devedor lhe sejam adjudicadas, pelo valor constante do mapa informativo, as que escolher e sejam necessárias para o preenchimento da sua quota; ou pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas – artº 1378º, nºs 2 e 3, CPC.
Pode, porém, o credor de tornas nada requer no processo, situação em que, de acordo com o artº 1378º, nºs 3 e 4, CPC, não perde o seu crédito e pode instaurar a execução, logo que transite em julgado a sentença homologatória, vencendo as tornas juros desde a data da sentença de partilhas, podendo os credores registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor".

Nota - A decisão parece-me correcta e o sumário explica-a perfeitamente, sem necessidade de mais considerações.
Sobre a possibilidade de recurso aos meios executivos previstos no artigo 1378.º do CPC e os efeitos daí decorrentes, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1997, proferido no processo n.º 97A091 (também in BMJ n.º469, pág. 388) e, sobre a natureza de título executivo da sentença homologatória, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-1997, proferido no processo n.º 97B741 (tendo a vista o pagamento de quantia certa), do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-1999, proferido no processo n.º 9921319 (idem), de 27-11-2003, proferido no processo n.º 0335852 (tendo vista a entrega de coisa certa, mais concretamente uma coisa adjudicada), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-11-1992, proferido no processo n.º 0068172 (idem).
Sobre os reflexos das alterações da acção executiva introduzidas pelo DL 38/2003 sobre esta "execução especial", cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-09-2006, proferido no processo n.º 66-G/2000.C1.
Cfr. ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-06-1996, proferido no processo n.º 0011191.



2) Acórdão de 18-09-2007, proferido no processo n.º 7-AD/2002.C1:
"I - Nos termos do artº 152º do CPEREF, uma vez declarada a falência extinguem-se, de imediato, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigíveis apenas como créditos comuns.
II – O privilégio creditório (artº 733º C. Civ.) actua independentemente de registo, enquanto que a hipoteca – legal, judicial e voluntária -, para produzir efeitos, deve ser registada, como resulta do artº 687º do C. Civ.
III – Por isso, quando o legislador, no mencionado artº 152º, se referiu à extinção dos privilégios creditórios só a estes se quis referir, não pode ter querido referir-se também às hipotecas legais.
IV – Face ao que, nos termos do artº 152º do CPEREF, a declaração de falência determina apenas a extinção de privilégios creditórios, mas não a extinção das hipotecas legais de que gozam as instituições de segurança social. De igual modo, o artº 200º, nº 3, do mesmo diploma, determina que, na graduação de créditos (em falência) não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial (e a resultante de penhora), mas não já a resultante da hipoteca legal (e voluntária).
V – O artº 65º, nº 1, do CPEREF, diz respeito a novos créditos contraídos pela empresa, depois de proferido o despacho de prosseguimento da acção e antes de findo o período de observação, mas para que esses créditos gozem de privilégio mobiliário geral e sejam graduados antes de qualquer outro crédito é necessário que o juiz, mediante proposta do gestor judicial e com parecer favorável da comissão de credores, os declare contraídos no interesse simultâneo da empresa e dos credores.
VI – As leis 17/86, de 14/06, e 96/2001, de 20/08, atribuem aos créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, o privilégio mobiliário geral e o privilégio imobiliário geral (artº 733º C. Civ.).
VII – O regime jurídico dos privilégios imobiliários (especiais – artº 735º, nºs 1, 2 e 3 C. Civ.) está definido nos artºs 743º e segs. do C. Civ., verificando-se que os diplomas que estabeleceram privilégios imobiliários gerais, posteriores ao C. Civ., não regulam o respectivo regime jurídico, face ao que a doutrina e a mais recente jurisprudência vieram a entender que aos ditos privilégios imobiliários gerais se deve aplicar o regime estabelecido no C. Civ. para os privilégios mobiliários – artº 749º C. Civ.
VIII – Da conjugação do disposto nos artºs 666º, 749º e 686º, nº 1, do C. Civ. temos de concluir que os créditos garantidos por hipotecas e penhores anteriormente registados têm prioridade no pagamento em relação aos créditos dos trabalhadores garantidos por privilégio imobiliário geral.
IX – Assim, pode-se afirmar que, em relação aos produtos das vendas resultantes de bens de empresa sobre a qual existam créditos garantidos por hipoteca anteriormente registada ou por penhores, estes créditos devem prevalecer sobre os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato individual de trabalho quando apenas garantidos por privilégio imobiliário geral".

Nota - As múltiplas questões aqui levantadas podem reconduzir-se a duas: (i) a da inclusão das hipotecas legais no rol de garantias a extinguir nos termos do artigo 152.º do CPEREF; e (ii) a do regime dos privilégios imobiliários gerais.
Quanto à primeira, a posição constante do acórdão não é pacífica na jurisprudência.
Parece, todavia, ser maioritária, nos últimos anos, nas Relações, e desde sempre no STJ. Em sentido coincidente (refiro-me apenas às decisões que intepretam o artigo 152.º do CPEREF, pois a questão coloca-se em termos algo diversos no CIRE), podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A1984, de 21-09-2006, proferido no processo n.º 06B2904, de 21-02-2006, proferido no processo n.º 05B2387, de 21-02-2006, proferido no processo n.º 05A3740, de 16-06-2005, proferido no processo n.º 05B1650, de 15-03-2005, proferido no processo n.º 04A4136, de 13-07-2004, proferido no processo n.º 04B1956, de 29-01-2004, proferido no processo n.º 03B2779, de 27-05-2003, proferido no processo n.º 03B198, e de 11-09-2007, proferido no processo n.º 07A1862.
Contra, em clara minoria, o acórdão do mesmo tribunal de 27-05-2003, proferido no processo n.º 03A1418.
No sentido maioritário, cfr. ainda os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30-10-2006, proferido no processo n.º 0556102, de 12-06-2006, proferido no processo n.º 0652985, de 21-03-2006, proferido no processo n.º 0621092 (com um voto de vencido), e de 20-03-2003, proferido no processo n.º 0330973, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2006, proferido no processo n.º 6305/2006-6, do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-04-2007, proferido no processo n.º 207/03.9TBFVN-E.C1, de 13-06-2006, proferido no processo n.º 1327/06de 16-05-2006, proferido no processo n.º 1202/06 (analisando detalhadamente ambas as correntes da jurisprudência), de 28-06-2005, proferido no processo n.º 1334/05, de 17-05-2005, proferido no processo n.º 1219/05, de 20-01-2004, proferido no processo n.º 541/03 (com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2005, proferido no processo n.º 1927/05-1, e de 31-07-2002, proferido no processo n.º 694/02-2. Contra, do Tribunal da Relação do Porto, os acórdãos de 28-06-2005, proferido no processo n.º 0422519, de 01-03-2005, proferido no processo n.º 0420115, de 16-12-2004, proferido no processo n.º 0436593, de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0453929, de 15-12-2003, proferido no processo n.º 0354804, e de 07-01-2002, proferido no processo n.º 0151621, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-07-2000, proferido no processo n.º 1928º/2000, e de 30-05-2000, proferido no processo n.º 537.
Quanto à segunda, sobre o tratamento que o Tribunal Constitucional tem reservado à relação de preferência da hipoteca sobre o privilégio imobiliário geral e vice-versa, cfr. este post anterior, na parte em que se anota o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2007 e n.º 287/2007. Cfr. ainda, em particular, este post (anotação ao terceiro acórdão), e ainda este, e este.
Como já referi no texto que se encontra na primeira ligação, tanto se encontram hipóteses, na jurisprudência, em que a hipoteca preferiu ao privilégio imobiliário geral como hipóteses opostas.
Resumidamente, entendeu o STJ, na vigência do CPEREF, que:
- o privilégio imobiliário geral em benefício da administração fiscal previsto no Código do IRS poderia sobrepor-se à penhora, mas não à hipoteca - cfr. acórdão de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A760, bem como a anotação que a ele deixei aqui, e ainda a nota que sobre a mesma matéria deixei aqui, em anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 231/2007, e ainda o acórdão do STJ de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07P580;
- os créditos dos trabalhadores garantidos por privilégio imobiliário geral, graduavam-se acima dos devidos à segurança social e garantidos por hipoteca legal - cfr. acórdão de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A1984;
- o privilégio imobiliário geral que garante os créditos dos trabalhadores não se sobrepunha à hipoteca - cfr. acórdãos de 21-09-2006, proferido no processo n.º 06B2871, de 08-11-2005, proferido no processo n.º 05A2355, de 25-10-2005, proferido no processo n.º 05A2606 (com um voto de vencido), de05-02-2002, proferido no processo n.º 01A3613, e de 12-06-2003, proferido no processo n.º 03B1550. Contra (antes da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto), cfr. acórdão de 18-11-1999, proferido no processo n.º 99B848.
Cfr. ainda os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1309, e de 11-09-2007, proferido no processo n.º 07A2194.


3) Acórdão de 18-07-2007, proferido no processo n.º 446/06.0TBMMV.C1:
"Para efeitos da excepção do caso julgado, a identidade da causa de pedir deve ser aferida segundo o critério misto ( facto/norma ).
Havendo concurso aparente de normas, a causa de pedir só será a mesma se o núcleo essencial dos factos que integram a previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo, nele permitindo identificar as normas aplicáveis".

Nota - Sobre o alcance do caso julgado, cfr. as ligações que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2007, proferido no processo n.º 07B374, especialmente a nota que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-2007, proferido no processo n.º 07A1164.
Na doutrina, as principais leituras sobre esta matéria são a
anotação do Professor Lebre de Freitas ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-05-2006, proferido no processo n.º 06A1157, que pode encontrar-se na ROA, 2006, vol. III, com o título "Caso Julgado e causa de pedir. O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229 do Código Civil" e a tese de doutoramento da Professora Mariana França Gouveia, A causa de pedir na acção declarativa, "colecção teses", Coimbra: Almedina, 2004 (mais concretamente sobre o conceito de causa de pedir para efeitos de verificação da excepção do caso julgado, cfr. a dita obra a pp. 489 e ss., especialmente pág. 493, último parágrafo).


4) Acórdão de 18-09-2007, proferido no processo n.º 10/06.4TBCVL-A.C1:
"Numa acção de responsabilidade civil extracon­tratual cujo processo corre termos entre dois particulares, a intervenção acessória de ente público provocada pelo réu com base em eventual direito de regresso não interfere na competência material do tribunal judicial".

Nota - No mesmo sentido, que me parece correcto, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2007, proferido no processo n.º 10642/06-2.
Considerando que a incompetência em razão da matéria não permite a intervenção de terceiro a título principal, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-05-2000, in CJ, t. III, pág. 84.
Existem já precedentes judiciais no mesmo sentido, embora seja mais fácil encontrá-los entre as decisões anteriores à reforma de 1995/96. Apesar de se referirem ao então designado "chamamento à autoria", o juízo que lhes é inerente deve considerar-se transponível para a actual intervenção acessória provocada. Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-06-1988, in BMJ 378, pág. 650 ("Dispondo o nº 1 do artigo 325º do Código de Processo Civil que o réu pode chamar à autoria o terceiro contra quem tenha acção de regresso e sendo jurisprudência assente que esta deve reportar-se a uma relação conexa com a relação controvertida, não exige a lei que tanto a relação principal como a conexa devam ser dirimidas em tribunal da mesma espécie. Em acção de demolição de obras licenciadas pela câmara municipal a correr termos no tribunal comum deve ser admitido o chamamento à autoria da câmara municipal com base em invocado direito de regresso do réu contra a câmara por falta de diligência desta no processo de licenciamento das obras, ainda que a acção de regresso contra a autarquia, para definir e averiguar da sua eventual responsabilidade, deva ser proposta no Tribunal Administrativo competente".).
Mas também em decisões mais recentes, aplicando já as normas do CPC actualmente em vigor, é possível encontrar acórdãos de cuja fundamentação de pode retirar a possibilidade de intervenção provocada de terceiro que tenha com o réu uma relação administrativa. Veja-se, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-06-2006, proferido no processo n.º 05S4032, em que, tendo sido requerida a intervenção acessória provocada da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, se considerou inadmissível tal intervenção, não por a sua relação com a ré ter natureza jurídico-administrativa (embora o sumário possa enganar, a este respeito), mas sim porque o réu não conseguiu convencer o tribunal da viabilidade da futura acção de regresso.
Para uma hipótese inversa, em que se admitiu, na acção administrativa, a intervenção acessória de um terceiro, ainda que a relação (com esse terceiro) exceda o âmbito das relações administrativas, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2000, proferido no processo n.º 045860, também in BMJ 498, pág. 259.

Etiquetas: , , , , , , , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial