segunda-feira, outubro 01, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 25-09-2007, proferido no processo n.º 07A2752:
"À luz da redacção original do art. 30º, nº 2 do CPEREF, são nulos todos os negócios, quaisquer que eles sejam, inter vivos
, celebrados posteriores ao despacho do prosseguimento da acção que envolvam alienação ou oneração das partes sociais da devedora.
Tendo a sociedade devedora tido conhecimento da cessão de créditos (da credora inicial para uma outra terceira) e não a tendo impugnado por qualquer forma, carece de fundamento a arguida excepção de ilegitimidade para a cessionária-credora arguir a nulidade do negócio através dos quais o seu património foi cedido a terceiros na tentativa de ocultar o seu património perante a credora. Na verdade, a cessionária passa a ser interessada directa na anulação do negócio que iria afectar a garantia da obrigação de que se tornou titular"
.

Nota - A factualidade concreta subjacente ao processo onde emerge o acórdão anotado é demasiado complexa para se acomodar nesta nota. No entanto, a vertente processual apresenta-se relativamente simples. Discutia-se, entre outros assuntos, a eficácia de uma cessão de créditos, por alegada falta de notificação do devedor.
No entanto, segundo a decisão anotada, tendo a acção em causa sido intentada contra a devedora, constando a cessão de créditos do articulado inicial, sem que a devedora tenha apresentado contestação, podendo fazê-lo, então deve esta considerar-se notificada da cessão, ainda que o não tenha sido por outra via, sendo ela eficaz.
Não é pacífico, na jurisprudência, que a citação possa substituir a notificação da cessão de créditos.
Considerando que "a notificação ao devedor (prevista no art. 583º do C.C:) de que o seu credor cedeu o crédito a outrem pode ser feita através da citação para a acção proposta pelo credor-cessionário contra o devedor", cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-06-2004, proferido no processo n.º 04B815. No mesmo sentido, cfr. o acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-1976, in BMJ n.º 255, pág. 202, e de 14-03-2002, proferido no processo n.º 02A3281 (desenvolvendo bastante o tema, havendo que procurar na fundamentação, pois o acórdão não tem sumário no registo da internet).
Contra, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 12-06-2003, proferido no processo n.º 03B1762, e do Tribunal da Relação do Porto de 18-06-2007, proferido no processo n.º 0753072.
Quanto ao conteúdo mínimo necessário da notificação da cessão, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 29-06-2004, proferido no processo n.º 0422523.


2)
Acórdão de 10-07-2007, proferido no processo n.º 07B374:
"Tendo a ré vendedora conhecido da desvalorização da viatura automóvel, derivada do seu uso pelo comprador, depois do trânsito em julgado da sentença que declarou a resolução do contrato de compra e venda, a circunstância de não ter feito valer nessa acção, em defesa ou reconvenção, o seu direito à restituição do valor equivalente ao gozo do veículo, não envolve o funcionamento do princípio da preclusão.
Não ofende o caso julgado na acção anterior, relativo à resolução do contrato de compra e venda e à restituição da esfera patrimonial do comprador, a sentença proferida na subsequente acção condenatória do último a restituir à vendedora a quantia correspondente à usufruição da viatura com fundamento no enriquecimento sem causa
"
.

Nota - Quanto aos efeitos do caso julgado, não há dúvida de que a decisão é correcta, atento o enquadramento factual referido.
Não só a pretensão em causa nas ambas acções é diferente, como a segunda é compatível com a primeira (em abstracto: não pretendo aqui afirmar, quanto ao mérito, que a segunda é de acolher), não havendo, por outro lado, repetição da causa de pedir (factos constitutivos do direito à resolução, na primeira acção; factos que preenchem os pressupostos do enriquecimento sem causa, na segunda).
Para mais desenvolvimentos sobre o caso julgado material, cfr.
aqui a anotação que deixei ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-2007, proferido no processo n.º 07A1164 (nota dedicada, em particular, ao conceito de causa de pedir para este efeito), e aqui a nota que fiz ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2007, proferido no processo n.º 413/07-1 (sobre o caso julgado formado sobre a sentença homologatória de transacção), e ainda este texto do blog, analisando duas hipóteses práticas.
Sobre os limites subjectivos do caso julgado, cfr.
aqui a nota que deixei ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-05-2007, proferido no processo n.º 267/04.5TBOFR-A.C1.
Estes e outros textos sobre o caso julgado podem encontrar-se
fazendo aqui a busca no blog pela respectiva etiqueta.
Mas o mais interessante na decisão anotada é, sem dúvida, a sua vertente de direito material, pois ele levanta uma curiosa questão de direito das obrigações: saber se, resolvido um contrato, a parte que vê restituída uma coisa pode pedir da outra o valor correspondente à sua desvalorização.
Na decisão anotada entendeu-se que sim, embora com um extensamente fundamentado voto de vencido, onde se levantam objecções muito interessantes à tese do acórdão.
A não perder.


3)
Acórdão de 20-09-2007, proferido no processo n.º 07B2224:
"De entre as várias figuras – incapacidade para depôr, impedimento para depôr, recusa de prestação de depoimento e escusa de prestação do depoimento – a do advogado, relativamente ao sigilo profissional não objecto de dispensa, integra-se nesta última.
Neste caso, deve o causídico que estiver abrangido pelo segredo profissional, escusar-se a depor relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo;
O juiz, feito o interrogatório preliminar, deve também vedar o depoimento violador de tal sigilo.
E, na circunstância, a parte contra quem a testemunha foi arrolada pode impugnar a sua admissão, no respeitante à matária sigilosa.
Se, apesar do dever imposto à testemunha, da imposição de actuação do juiz ou da concessão da faculdade à contraparte, aquela vier a depor, o depoimento, na parte afectada, é nulo.
Esta nulidade é secundária, devendo a parte prejudicada observar – se não houve já esgotamento nos termos do artigo 637.º, n.º1 do Código de Processo Civil - o regime temporal previsto no artigo 201.º do mesmo código.
Se o conteúdo do depoimento é inócuo relativamente à sorte da causa, nunca poderia ser provido agravo em que se pretende a mencionada declaração de nulidade.
O Supremo Tribunal de Justiça não pode suprir a nulidade derivada de a Relação não ter conhecido de um dos pedidos"
.

Nota - Quanto ao regime da nulidade decorrente do depoimento do advogado obrigado ao sigilo, cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 18-05-2006, proferido no processo n.º 2588/05, da 2.ª Secção.
De qualquer forma, como se antevê pelo sumário, o depoimento recaiu sobre factos não relevantes para a decisão da causa, pelo que a nulidade não seria de atender.

O último parágrafo do sumário ("O Supremo Tribunal de Justiça não pode suprir a nulidade derivada de a Relação não ter conhecido de um dos pedidos") contém matéria pacífica. Sobre ela, pode ler-se a nota que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2007, proferido no processo n.º 07B2123.


4)
Acórdão de 20-09-2007, proferido no processo n.º 07B1836:
"Não tendo sido suscitada em primeira instância a questão da natureza de baldio de um prédio, não pode a mesma ser apreciada pela Relação, porque o recurso de apelação não se destina a julgar questões novas;
Os efeitos da usucapião retrotraem-se à data do início da posse;
Não é possível recorrer ao incidente da liquidação previsto no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil e aos artigos 3778º e segs. do mesmo Código para fixar o quantitativo da indemnização a pagar por danos não patrimoniais quando não foram alegados concretos que permitam essa quantificação"
.

Nota - No caso concreto, a solução era evidente, pois os recorrentes pretenderam sustentar a tese da natureza de terreno baldio do prédio em causa através da alegação de novos factos em sede de recurso, o que resultaria na alteração - inadmissível - do objecto do processo.
Ainda sobre a possibilidade de suscitar questões novas em sede de recurso de revista, cfr., em particular, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 12-07-2007, proferido no processo n.º 07A2476, de 15-12-2005, proferido no processo n.º 05B4071, e de 08-03-2006, proferido no processo n.º 05S3919.

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