segunda-feira, outubro 29, 2007

Jurisprudência constitucional

Deixo aqui uma nota breve sobre alguns acórdãos recentes do Tribunal Constitucional. Chamo a atenção, em particular, aos meus leitores advogados, para o acórdão indicado em último lugar.

1) No acórdão
n.º 381/2007, de 3 de Julho, o Tribunal Constitucional reafirmou aquela que, depois de algumas hesitações, parece firmar-se como a posição definitiva daquele órgão quanto às aplicação de multas por prática de contravenção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio (utilização de transporte público sem bilhete). Já anteriormente (cfr. aqui) tive oportunidade de analisar em detalhe a posição do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria. A posição a reter, do Tribunal, desde o acórdão (do plenário) n.º 344/2007 (por sete votos contra cinco), parece ser, pois, no sentido da não inconstitucionalidade da previsão das referidas multas, apesar de serem previstas em montante fixo, não adaptável à culpa concreta do infractor e às demais circunstâncias da prática da infracção.

2) Continua a correr jurisprudência sobre a confusa saga da alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da LOFTJ. Pelos acórdãos do Tribunal Constitucional números
43/2007, 690/2006, 692/2006, 43/2007 e 85/2007, sobre os quais escrevi aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, e ainda pelos acórdãos 88/2007, 130/2007 e 131/2007, foi julgada inconstitucional a norma constante do artigo 29.º do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que veio conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, em suma por se tratar de matéria compreendida na reserva relativa da Assembleia da República, sobre a qual o Governo legislou sem para tal estar autorizado por aquele órgão.
O Governo, entrentanto, alterou novamente a norma, através do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, repondo a redacção anterior à alteração indevida, o que fez com que se levantasse novamente o problema da necessidade de autorização da Assembleia da República, agora para permitir esta última alteração.
Colocado face a este novo problema, o Tribunal Constitucional não o apreciou nos acórdãos números
482/2007 e 485/2007, por considerar não estar em causa, naqueles processos, a redacção emergente do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, mas apenas a que resultou do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, reiterando a posição do Tribunal no sentido da inconstitucionalidade da norma de alteração contida neste último diploma.
No entanto, no acórdão n.º
483/2007, apreciou-se a questão, tendo-se concluído no sentido da não inconstitucionalidade da alteração que resulta do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, na medida em que se limitou a repristinar a redacção anterior (logo, não tendo carácter inovatório), na linha dos pareceres da Comissão Constitucional n.º 2/79 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º volume, pp.192-193), e n.º 17/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 10.º volume, p. 256), e dos acórdãos do Tribunal Constitucional números 1/84 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º volume, p. 173 e ss. - “(…) para hipóteses deste teor de pura reprodução de um normativo organicamente inconstitucional tem sido entendido que não há fundamento bastante para que nelas se detecte uma inconstitucionalidade orgânica.”), n.º 423/87 (in DR, I Série, de 26 de Novembro de 1987 - “(…) o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da competência parlamentar não determina, por si só e automaticamente, a verificação de inconstitucionalidade orgânica. Com efeito, desde que tais normas não criem um ordenamento diverso do já existente, limitando-se a retomar e reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanado do órgão de soberania competente, é de entender, em tais circunstâncias, não existir invasão daquela esfera de competência reservada.”) e n.º 137/2003 (também in DR, II Série, de 24 de Maio de 2003 - "(…) tal como tem sido entendido por este Tribunal, o eventual juízo de inconstitucionalidade tem por consequência a repristinação das normas anteriores, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição – o qual, embora referido aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não deixa de ser aplicável aos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, como no caso presente (cf., entre outros, Acórdão n.º 103/87, cit., e Acórdão n.º 490/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., pp. 197 e segs.). Ora, o que se verifica é que a norma em causa não é inovatória, antes se limita a reproduzir o que a norma anterior – ou seja, a norma a repristinar – já dispunha na matéria.”).

3) Já
aqui tinha chamado a atenção para os julgamentos de inconstitucionalidade de algumas normas do Código das Custas Judiciais, quando interpretadas no sentido em que, no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo serão suportadas a meias, incumbe ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte. Este juízo surge agora reiterado nos acórdãos números 128/2007 (com dois votos de vencido), 519/2007 e 521/2007, com os mesmos argumentos já usados nas decisões anteriores, dos quais dei conta na ligação supra referida.

4) Ainda quanto a custas, continua o nosso Tribunal Constitucional (e bem, a meu ver), a julgar inconstitucionais algumas normas do Código das Custas Judiciais quando interpretadas no sentido de, em certos casos, não ser aplicado um tecto máximo para o valor devido a título de custas. Este problema, analisado nos acórdãos
n.º 643/2006, de 28 de Novembro, n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, n.º 128/2007, de 27 de Fevereiro, e n.º 301/2007, de 15 de Maio (só no acórdão n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, é que a decisão foi unânime, pois em todos os outros houve votos de vencido), e já desenvolvido no blog, aqui, aqui e aqui, foi retomado nos acórdãos números 470/2007 e 471/2007.
No primeiro, em processo de expropriação, foi julgada inconstitucional, "por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novem­bro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00".
No segundo, foi julgada inconstitucional, "por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20.º, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº 2.º, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, nº 1, 15.º, nº 1, o), 18.º, nº 2, e tabela anexa do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de € 123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante".
Ambas as decisões são de aplaudir, a meu ver.

5) Finalmente, uma breve nota para os leitores advogados: pelo acórdão n.º 518/2007, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional "a norma constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro), interpretada no sen­tido de que o período de garantia de 15 anos de inscrição, para reconhecimento do direito à reforma dos beneficiários que tenham completado 65 anos, se não se considera preenchido pelo cumprimento do período de garantia em anterior sistema pelo qual se reformaram".

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