Jurisprudência constitucional
Deixo aqui uma nota breve sobre alguns acórdãos recentes do Tribunal Constitucional. Chamo a atenção, em particular, aos meus leitores advogados, para o acórdão indicado em último lugar.
1) No acórdão n.º 381/2007, de 3 de Julho, o Tribunal Constitucional reafirmou aquela que, depois de algumas hesitações, parece firmar-se como a posição definitiva daquele órgão quanto às aplicação de multas por prática de contravenção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio (utilização de transporte público sem bilhete). Já anteriormente (cfr. aqui) tive oportunidade de analisar em detalhe a posição do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria. A posição a reter, do Tribunal, desde o acórdão (do plenário) n.º 344/2007 (por sete votos contra cinco), parece ser, pois, no sentido da não inconstitucionalidade da previsão das referidas multas, apesar de serem previstas em montante fixo, não adaptável à culpa concreta do infractor e às demais circunstâncias da prática da infracção.
2) Continua a correr jurisprudência sobre a confusa saga da alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da LOFTJ. Pelos acórdãos do Tribunal Constitucional números 43/2007, 690/2006, 692/2006, 43/2007 e 85/2007, sobre os quais escrevi aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, e ainda pelos acórdãos 88/2007, 130/2007 e 131/2007, foi julgada inconstitucional a norma constante do artigo 29.º do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que veio conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, em suma por se tratar de matéria compreendida na reserva relativa da Assembleia da República, sobre a qual o Governo legislou sem para tal estar autorizado por aquele órgão.
O Governo, entrentanto, alterou novamente a norma, através do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, repondo a redacção anterior à alteração indevida, o que fez com que se levantasse novamente o problema da necessidade de autorização da Assembleia da República, agora para permitir esta última alteração.
Colocado face a este novo problema, o Tribunal Constitucional não o apreciou nos acórdãos números 482/2007 e 485/2007, por considerar não estar em causa, naqueles processos, a redacção emergente do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, mas apenas a que resultou do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, reiterando a posição do Tribunal no sentido da inconstitucionalidade da norma de alteração contida neste último diploma.
No entanto, no acórdão n.º 483/2007, apreciou-se a questão, tendo-se concluído no sentido da não inconstitucionalidade da alteração que resulta do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, na medida em que se limitou a repristinar a redacção anterior (logo, não tendo carácter inovatório), na linha dos pareceres da Comissão Constitucional n.º 2/79 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º volume, pp.192-193), e n.º 17/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 10.º volume, p. 256), e dos acórdãos do Tribunal Constitucional números 1/84 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º volume, p. 173 e ss. - “(…) para hipóteses deste teor de pura reprodução de um normativo organicamente inconstitucional tem sido entendido que não há fundamento bastante para que nelas se detecte uma inconstitucionalidade orgânica.”), n.º 423/87 (in DR, I Série, de 26 de Novembro de 1987 - “(…) o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da competência parlamentar não determina, por si só e automaticamente, a verificação de inconstitucionalidade orgânica. Com efeito, desde que tais normas não criem um ordenamento diverso do já existente, limitando-se a retomar e reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanado do órgão de soberania competente, é de entender, em tais circunstâncias, não existir invasão daquela esfera de competência reservada.”) e n.º 137/2003 (também in DR, II Série, de 24 de Maio de 2003 - "(…) tal como tem sido entendido por este Tribunal, o eventual juízo de inconstitucionalidade tem por consequência a repristinação das normas anteriores, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição – o qual, embora referido aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não deixa de ser aplicável aos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, como no caso presente (cf., entre outros, Acórdão n.º 103/87, cit., e Acórdão n.º 490/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., pp. 197 e segs.). Ora, o que se verifica é que a norma em causa não é inovatória, antes se limita a reproduzir o que a norma anterior – ou seja, a norma a repristinar – já dispunha na matéria.”).
3) Já aqui tinha chamado a atenção para os julgamentos de inconstitucionalidade de algumas normas do Código das Custas Judiciais, quando interpretadas no sentido em que, no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo serão suportadas a meias, incumbe ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte. Este juízo surge agora reiterado nos acórdãos números 128/2007 (com dois votos de vencido), 519/2007 e 521/2007, com os mesmos argumentos já usados nas decisões anteriores, dos quais dei conta na ligação supra referida.
4) Ainda quanto a custas, continua o nosso Tribunal Constitucional (e bem, a meu ver), a julgar inconstitucionais algumas normas do Código das Custas Judiciais quando interpretadas no sentido de, em certos casos, não ser aplicado um tecto máximo para o valor devido a título de custas. Este problema, analisado nos acórdãos n.º 643/2006, de 28 de Novembro, n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, n.º 128/2007, de 27 de Fevereiro, e n.º 301/2007, de 15 de Maio (só no acórdão n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, é que a decisão foi unânime, pois em todos os outros houve votos de vencido), e já desenvolvido no blog, aqui, aqui e aqui, foi retomado nos acórdãos números 470/2007 e 471/2007.
No primeiro, em processo de expropriação, foi julgada inconstitucional, "por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00".
No segundo, foi julgada inconstitucional, "por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20.º, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº 2.º, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, nº 1, 15.º, nº 1, o), 18.º, nº 2, e tabela anexa do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de € 123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante".
Ambas as decisões são de aplaudir, a meu ver.
5) Finalmente, uma breve nota para os leitores advogados: pelo acórdão n.º 518/2007, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional "a norma constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro), interpretada no sentido de que o período de garantia de 15 anos de inscrição, para reconhecimento do direito à reforma dos beneficiários que tenham completado 65 anos, se não se considera preenchido pelo cumprimento do período de garantia em anterior sistema pelo qual se reformaram".
1) No acórdão n.º 381/2007, de 3 de Julho, o Tribunal Constitucional reafirmou aquela que, depois de algumas hesitações, parece firmar-se como a posição definitiva daquele órgão quanto às aplicação de multas por prática de contravenção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio (utilização de transporte público sem bilhete). Já anteriormente (cfr. aqui) tive oportunidade de analisar em detalhe a posição do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria. A posição a reter, do Tribunal, desde o acórdão (do plenário) n.º 344/2007 (por sete votos contra cinco), parece ser, pois, no sentido da não inconstitucionalidade da previsão das referidas multas, apesar de serem previstas em montante fixo, não adaptável à culpa concreta do infractor e às demais circunstâncias da prática da infracção.
2) Continua a correr jurisprudência sobre a confusa saga da alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da LOFTJ. Pelos acórdãos do Tribunal Constitucional números 43/2007, 690/2006, 692/2006, 43/2007 e 85/2007, sobre os quais escrevi aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, e ainda pelos acórdãos 88/2007, 130/2007 e 131/2007, foi julgada inconstitucional a norma constante do artigo 29.º do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que veio conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, em suma por se tratar de matéria compreendida na reserva relativa da Assembleia da República, sobre a qual o Governo legislou sem para tal estar autorizado por aquele órgão.
O Governo, entrentanto, alterou novamente a norma, através do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, repondo a redacção anterior à alteração indevida, o que fez com que se levantasse novamente o problema da necessidade de autorização da Assembleia da República, agora para permitir esta última alteração.
Colocado face a este novo problema, o Tribunal Constitucional não o apreciou nos acórdãos números 482/2007 e 485/2007, por considerar não estar em causa, naqueles processos, a redacção emergente do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, mas apenas a que resultou do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, reiterando a posição do Tribunal no sentido da inconstitucionalidade da norma de alteração contida neste último diploma.
No entanto, no acórdão n.º 483/2007, apreciou-se a questão, tendo-se concluído no sentido da não inconstitucionalidade da alteração que resulta do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, na medida em que se limitou a repristinar a redacção anterior (logo, não tendo carácter inovatório), na linha dos pareceres da Comissão Constitucional n.º 2/79 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º volume, pp.192-193), e n.º 17/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 10.º volume, p. 256), e dos acórdãos do Tribunal Constitucional números 1/84 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º volume, p. 173 e ss. - “(…) para hipóteses deste teor de pura reprodução de um normativo organicamente inconstitucional tem sido entendido que não há fundamento bastante para que nelas se detecte uma inconstitucionalidade orgânica.”), n.º 423/87 (in DR, I Série, de 26 de Novembro de 1987 - “(…) o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da competência parlamentar não determina, por si só e automaticamente, a verificação de inconstitucionalidade orgânica. Com efeito, desde que tais normas não criem um ordenamento diverso do já existente, limitando-se a retomar e reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanado do órgão de soberania competente, é de entender, em tais circunstâncias, não existir invasão daquela esfera de competência reservada.”) e n.º 137/2003 (também in DR, II Série, de 24 de Maio de 2003 - "(…) tal como tem sido entendido por este Tribunal, o eventual juízo de inconstitucionalidade tem por consequência a repristinação das normas anteriores, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição – o qual, embora referido aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não deixa de ser aplicável aos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, como no caso presente (cf., entre outros, Acórdão n.º 103/87, cit., e Acórdão n.º 490/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., pp. 197 e segs.). Ora, o que se verifica é que a norma em causa não é inovatória, antes se limita a reproduzir o que a norma anterior – ou seja, a norma a repristinar – já dispunha na matéria.”).
3) Já aqui tinha chamado a atenção para os julgamentos de inconstitucionalidade de algumas normas do Código das Custas Judiciais, quando interpretadas no sentido em que, no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo serão suportadas a meias, incumbe ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte. Este juízo surge agora reiterado nos acórdãos números 128/2007 (com dois votos de vencido), 519/2007 e 521/2007, com os mesmos argumentos já usados nas decisões anteriores, dos quais dei conta na ligação supra referida.
4) Ainda quanto a custas, continua o nosso Tribunal Constitucional (e bem, a meu ver), a julgar inconstitucionais algumas normas do Código das Custas Judiciais quando interpretadas no sentido de, em certos casos, não ser aplicado um tecto máximo para o valor devido a título de custas. Este problema, analisado nos acórdãos n.º 643/2006, de 28 de Novembro, n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, n.º 128/2007, de 27 de Fevereiro, e n.º 301/2007, de 15 de Maio (só no acórdão n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, é que a decisão foi unânime, pois em todos os outros houve votos de vencido), e já desenvolvido no blog, aqui, aqui e aqui, foi retomado nos acórdãos números 470/2007 e 471/2007.
No primeiro, em processo de expropriação, foi julgada inconstitucional, "por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00".
No segundo, foi julgada inconstitucional, "por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20.º, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº 2.º, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, nº 1, 15.º, nº 1, o), 18.º, nº 2, e tabela anexa do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de € 123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante".
Ambas as decisões são de aplaudir, a meu ver.
5) Finalmente, uma breve nota para os leitores advogados: pelo acórdão n.º 518/2007, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional "a norma constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro), interpretada no sentido de que o período de garantia de 15 anos de inscrição, para reconhecimento do direito à reforma dos beneficiários que tenham completado 65 anos, se não se considera preenchido pelo cumprimento do período de garantia em anterior sistema pelo qual se reformaram".
Etiquetas: advogado, competência em razão da matéria, contravenção, custas judiciais, jurisprudência constitucional
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