domingo, junho 10, 2007

Jurisprudência Constitucional

Deixo aqui uma breve nota das últimas novidades da jurisprudência constitucional, em três pontos que considero relevantes.


1) Continua uma "guerra" muito interessante entre alguns tribunais do trabalho e o Tribunal Constitucional, quanto ao julgamento de inconstitucionalidade da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais.
Pelo menos duas vezes pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal e uma pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra foi recusada a aplicação da norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade. Assim dispõe o referido preceito: "sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas: (…) e) Os sinistrados em acidente de trabalho e os portadores de doença profissional nas causas emergentes do acidente ou da doença, quando representados ou patrocinados pelo Ministério Público".
No entender dos tribunais de primeira instância que recusaram a aplicação da norma, esta viola o princípio da igualdade, ao diferenciar os sinistrados representados pelo Ministério Público e os que se fazem representar por advogado, sem razão bastante.
O Tribunal Constitucional alterou, em cada um daqueles três casos, a decisão da primeira instância, concluindo pela não inconstitucionalidade da norma - cfr. os acórdãos números
109/2007, de 15 de Fevereiro (recurso de decisão do Tribunal do Trabalho de Coimbra), 232/2007, de 28 de Março (recurso de decisão do Tribunal do Trabalho de Setúbal), e o mais recente 336/2007, de 30 de Maio (recurso de decisão do Tribunal do Trabalho de Setúbal).
A argumentação do Tribunal Constitucional tem sido mais ou menos constante, no sentido segundo o qual "o patrocínio do Ministério Público tem características que o distinguem do patrocínio por advogado ou da não constituição de advogado, uma vez que o Ministério Público exerce um papel legalmente vinculado, por um lado, à defesa das pessoas a que o Estado deve, por imperativo constitucional, especial protecção e, por outro, aos critérios de legalidade e objectividade que são suporte de toda a sua actividade, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público. Onde, a propósito do regime de custas nos tribunais, deverão relevar situações diferenciadas, objectiva ou subjectivamente, hão-de ser estabelecidas, por opção do legislador, no exercício da sua liberdade de conformação (e com respeito pelo princípio da igualdade), as excepções ao princípio geral de que os sujeitos processuais estão sujeitos ao pagamento de custas. Correspondendo ou não à melhor solução – aspecto que não cabe ao Tribunal Constitucional avaliar –, a distinção de tratamento do trabalhador, consoante se apresente ou não representado pelo Ministério Público, é, assim, susceptível de encontrar um fundamento razoável, justamente, nos parâmetros que devem guiar a actuação deste último".
Também se entendeu que "a conformação desta isenção é também explicável pelo objectivo de obstar a que as pessoas cuja representação ou patrocínio o Ministério Público assume oficiosamente, i.e., sem necessidade de prévia solicitação dos interessados (cfr. artigo 119.º do Código de Processo do Trabalho), venham a ser oneradas em função do resultado de tal actuação, eventualmente ligado à menor proficiência ou a contingências do desempenho da entidade que assume o patrocínio, para que os interessados podem não ter contribuído e, em todo o caso, não dominam. O legislador entendeu prevenir o risco de o sinistrado suportar um encargo de custas em cuja génese está uma actuação de um órgão do Estado cuja quota-parte de responsabilidade na iniciativa ou na condução da actividade processual de que resulta a condenação é dificilmente determinável. Diversamente, se o sinistrado constitui mandatário e age em juízo representado por este, o decaimento na actividade processual subsequentemente desenvolvida é sempre referível a essa escolha, para efeitos da tributação em custas de acordo com os princípios que regem tal condenação (artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Também este é um elemento que torna a diferenciação de tratamento razoável e racionalmente fundada num factor que não é arbitrário, o que basta, recordando que, neste momento, apenas interessa confrontar a solução normativa questionada com o princípio geral da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, para que não possa acompanhar-se o despacho recorrido, que funda a recusa de aplicação da norma em causa em violação do referido princípio".
Considera-se, por fim, não ser afectado o direito do trabalhador a assistência e justa reparação, quando vítima de acidente de trabalho, nem o princípio da proibição do retrocesso social, nem, por fim, o princípio da liberdade de escolha de patrocínio por advogado (cfr. os pontos 6, 7 e 8 da fundamentação do
336/2007, de 30 de Maio).
Por mim, tenho poucas dúvidas em posicionar-me do lado das decisões dos tribunais do trabalho supra referidas, considerando que a norma é violadora da Constituição. Alinho, pois, no sentido do voto de vencido da conselheira Maria Fernanda Palma nos acórdãos números
109/2007, de 15 de Fevereiro, e 232/2007, de 28 de Março, que passo a transcrever: "Votei vencida o presente Acórdão por entender, tal como o tribunal recorrido, que há uma essencial igualdade, para efeitos de condenação em custas, entre a situação do requerente, em incidente de revisão de incapacidade parcial permanente, vítima de acidente de trabalho, representado pelo Ministério Público – o qual está isento – e o requerente que litigue sozinho ou seja representado por mandatário. Em ambas as situações está em causa uma questão da mesma natureza e a possibilidade de satisfação do direito à assistência das vítimas de acidente de trabalho. Actuando, nestes casos, o Ministério Público fundamentalmente no interesse do sinistrado (pois o interesse público prosseguido é a própria tutela e assistência às vítimas de acidentes laborais) não há razão suficientemente significativa para justificar uma diferenciação de tratamento tão acentuada. Há, deste modo, uma diferenciação desproporcionada entre as duas situações".
No fundo, é esta a posição que entendo ser mais razoável. Por muito que se procure ilustrar as diferenças entre ambas as situações, nenhuma dessas diferenças ou o conjunto delas me parecem ser suficientes para justificar um tratamento desigual em matéria de custas, atenta a semelhança substantiva essencial entre ambas as hipóteses.


2) No
acórdão n.º 332/2007, de 29 de Maio, decidiu-se "não julgar materialmente inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 690.º‑B do Código de Processo Civil, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, nem organicamente inconstitucional este decreto‑lei, na parte em que procedeu ao aditamento daquele preceito".
O artigo 690.º-B do CPC, na redacção em causa, dispõe o seguinte (estando apenas em apreciação, no acórdão em análise, a norma do n.º 2): "1. Se o documento comprovativo do pagamento da taxa de jus­tiça inicial ou subsequente ou da concessão do benefício do apoio judi­ciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC. 2. Se, no termo do prazo referido no número anterior, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta".
O Tribunal Constitucional considerou que
"como se recor­dou no recente Acórdão n.º 277/2007, desta 2.ª Secção, da análise da jurisprudência do Tribu­nal Constitucional sobre a garantia da via judiciária, sob o prisma da exigência constitucional do processo equitativo, apura‑se que o juízo de proporcionalidade a emitir neste domínio tem de tomar em conta três vectores essenciais: (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a gravidade das con­sequências ligadas ao incumprimento do ónus.
No presente caso, não sendo questionada a constitucionalidade da exigência do pagamento de taxa de justiça no decurso do processo como condição de admissão da prática válida de actos processuais, nem a capacidade económica da recorrente para satisfazer esse pagamento, não é manifestamente excessivo ligar o desentranhamento de peça processual apresentada pela parte (no caso, a apresentação de alegação de recurso de apelação) ao reite­rado incumprimento desse ónus"
.


3) Sem unanimidade mas mantendo a linha que fez vencimento anteriormente, no
acórdão n.º 301/2007, de 15 de Maio foram julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 31.º, 33 e 33°-A do Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, quando interpretados em termos de – no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual “as custas são suportadas a meias” – incumbir ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, com fundamento em violação dos artigos 165º, alínea i), 103º, n.º 3, 13º, 20º, n.º 4, e 266º, n.º 2, da Constituição da República.
Esta é a posição que o Tribunal já havia assumido nos acórdãos
n.º 643/2006, de 28 de Novembro, n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, e n.º 128/2007, de 27 de Fevereiro. Só no acórdão n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, é que a decisão foi unânime. Em todos os outros houve votos de vencido. Este problema já foi desenvolvido no blog, aqui e aqui.

Etiquetas: , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial