terça-feira, maio 06, 2008

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

1) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-04-2008, proferido no processo n.º 0716429:
"Para a verificação do “justo impedimento” o que releva é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deve ser valorada em consonância com o critério geral do art. 487º, 2 do C. Civil, sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro, no acompanhamento das causas."

Nota - Em causa nos presentes autos estava a seguinte hipótese: o réu, um hospital público (EPE) pretendeu justificar a apresentação tardia da contestação com a circunstância de ter ocorrido uma mudança na composição do seu conselho de administração, o que a primeira instância acolheu como justo impedimento.
Por sua vez, a Relação (bem, a meu ver), deslocou a questão do justo impedimento para a eventual aplicação da possibilidade de prorrogação do prazo para contestar. Eis parte da fundamentação:
"Em primeiro lugar quando o Réu foi notificado para contestar já o novo Conselho de Administração havia iniciado funções. Em segundo lugar, o facto de só em 30.3.2007 o novo Conselho de Administração ter tido conhecimento do teor da notificação não é por si só fundamento da impossibilidade de praticar atempadamente o acto, na medida em que naquela data (30.3.2007) ainda se encontrava a decorrer o prazo para contestar (o qual só terminava em 16.4.2007 ou em 19.4.2007). Na verdade, o que o Réu veio invocar foi a necessidade de após a notificação – ocorrida em 28.3.2007 – ter de proceder ao levantamento do processo e averiguação dos factos alegados o que demorou algum tempo. Ora, se assim era, então melhor teria andado o Réu recorrendo ao disposto no art.486º nºs.5 e 6 do C.P.Civil.".
Ainda sobre o regime do justo impedimento, já se decidiu que
"o incumprimento, pela secretaria judicial, do prazo máximo de oito dias de que dispõe para facultar ao mandatário das partes cópia da gravação da prova, quando o tenha requerido, constitui justo impedimento da apresentação da alegação de recurso pelo período de tempo em que foi excedido esse prazo, quando tenha também ficado inutilizado, durante esse período, o prazo de recurso" - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06S979.
Para a análise de um caso muito particular de justo impedimento, analisando-se uma possível interpretação extensiva do artigo 146.º do CPC em benefício do remidor, cfr. o
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-01-2003, proferido no processo n.º 854-A/02-2, bem como as notas que a ele deixei aqui.
Sobre o (cada vez mais importante) regime do justo impedimento na prática de actos processuais por via electrónica, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-01-2007, proferido no processo n.º 372-F/2001.C1.
Podem ler-se aqui algumas notas sobre o regime do justo impedimento na jurisprudência constitucional.
Aqui, encontram-se outras decisões sobre o justo impedimento nos tribunais superiores.
Finalmente, sobre a natureza alternativa das vias do justo impedimento e da prorrogação do prazo, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-11-2006, processo n.º 2099/06-2.



2) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-04-2008, proferido no processo n.º 0821988:
"A cláusula de reserva de propriedade é exclusiva do contrato de compra e venda, não sendo possível equiparar a posição do alienante, proprietário de um bem que aliena, a quem á atribuída a possibilidade de convencionar a suspensão dos efeitos translativos do contrato de alienação, com a do mutuante, que não é proprietário desse bem, limitando-se a financiar a sua aquisição."

Nota - Este problema foi muitas vezes tratado aqui no blog.
O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75, referido no sumário, trata da resolução do contrato por incumprimento das obrigações a que se refere a reserva da propriedade.
Problemas relacionados com a interpretação destas normas têm vindo a ser sucessivamente colocados aos tribunais superiores, já que, em vez da normal relação de dois pólos (vendendor-comprador), a reserva de propriedade surge cada vez mais em relações triangulares (adquirente-vendedor-financiador), sendo cada vez mais frequente a constituição de reserva de propriedade como instrumento de protecção do financiador. Ou seja, a reserva de propriedade passa a salvaguardar não o pagamento do preço ao vendedor (que terá sido assegurado pelo financiador), mas sim o pagamento das prestações ao financiador.A jurisprudência tem vindo a interpretar o preceito do artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75 no sentido de se referir apenas ao incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, o que impediria que o financiador dela beneficiasse.
No entanto, em outras decisões tem admitido a possibilidade de: (i) a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro; e (ii) interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, no sentido de abranger "o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade" (texto citado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 31-05-2007, proferido no processo n.º 3901/2007-2).
Quanto ao primeiro ponto (possibilidade de a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro), cfr. o acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2003, in CJ, 2003, tomo II, pág. 74, e, recentemente, os acórdãos do Supremo Tribunal
de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 e de 02-10-2007, proferido no processo n.º 07A2680.
Quanto ao segundo ponto (possibilidade de interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75), cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 . Contra: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-1997, in CJ, 1997, tomo V, pág. 120, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B538 (argumentando que o vendedor não pode já exercer o direito à resolução porque recebeu já a totalidade do preço, logo não poderá exercer o direito de apreensão, conexo com aquele primeiro - a decisão conta com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2004, proferido no processo n.º 0422028.
No Tribunal da Relação de Lisboa, temos a seguinte "contagem de espingardas":
- no sentido de que a reserva de propriedade pode constituir-se em favor de crédito de terceiro não vendedor, cfr. os acórdãos
de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1614/2007-6, de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1187/2007-7, de 01-02-2007, proferido no processo n.º 733/2007-6, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3629/2006-6, de 27-06-2006, proferido no processo n.º 937/2006-1 (este, se bem o interpreto, apenas quanto à primeira vertente, ou seja, da possibilidade de constituição da reserva a favor de terceiro), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4667/2006-6, de 30-05-2006, proferido no processo n.º 3228/2006-7, de 28-03-2006, proferido no processo n.º 447/2006-7 (com um voto de vencido, apoiado no citado acórdão do STJ de 12-05-2005), de 20-10-2005, proferido no processo n.º 8454/2005-6, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 3843/2005-6, de 18-03-2004, proferido no processo n.º 2097/2004-6 (concordando com, pelo menos, o primeiro ponto supra citado, já que o segundo não se levanta no processo, e com um vonto de vencido, que não abrange, em rigor, essa matéria), de 27-06-2002, proferido no processo n.º 0053286, de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3076/2007-6, e de 26-07-2007, proferido no processo n.º 6792/2007-1.
- contra: acórdãos
de 08-02-2007, proferido no processo n.º 957/2007-2, de 12-10-2006, proferido no processo n.º 3814/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4927/2006-8, de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4888/2006-2, e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 9857/2004-7, e de 13-12-2007, proferido no processo n.º 9887/2007-8.
Outros assuntos relativos à reserva de propriedade já analisados neste blog foram relação entre as regras de competência constantes do DL 54/75 e as novas regras da Lei 14/2006 (cfr. aqui o último levantamento sobre este assunto) e a renúncia à reserva de propriedade e penhora pelo titular da reserva.


3) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-04-2008, proferido no processo n.º 0851165:
"É da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais o procedimento cautelar de embargo de obra nova interposto por um particular contra a Refer e um Município, por se sentir lesado com obra mandada executar por qualquer deles."

Nota - Sobre a competência da jurisdição administrativa para o embargo de obra nova, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-12-2006, proferido no processo n.º 10933/2006-7.
Operando na mesma fronteira de competência, podem ler-se ainda os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 15-11-1981, in BMJ 311, pág. 195, de 10-12-1987, com anotação de Afonso Queiró in RLJ, ano 121, pág. 237, e de 31-05-2001, proferido no Conflito Negativo de Jurisdição nº 368, do STJ de 04-03-97, in CJ, tomo I, pág. 125 (estes citados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2002, proferido no processo n.º 01A3241), do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2004, proferido no processo n.º 04B875, de 19-03-1996, proferido no processo n.º 088137, de 12-10-1999, proferido no processo n.º 99A417, do Tribunal da Relação do Porto de 03-04-2006, proferido no processo n.º 0650818, de 27-06-2005, proferido no processo n.º 0553032, de 27-05-2004, proferido no processo n.º 0432890, de 10-11-2003, proferido no processo n.º 0354457, de 04-06-2002, proferido no processo n.º 0220746, de 05-01-1995, proferido no processo n.º 9450741, do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-12-2006, proferido no processo n.º 10933/2006-7, de 21-06-1990, proferido no processo n.º 0015806, de 21-10-1993, proferido no processo n.º 0073662, e do Tribunal da Relação de Évora de 16-12-2003, proferido no processo n.º 2207/03-2.

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