quarta-feira, novembro 15, 2006

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães - Justo Impedimento - Interpretação extensiva do artigo 146.º do CPC?

Coloca-se a seguinte questão: o titular do direito de remição que o pretenda fazer valer no processo executivo poderá, após ser proferido o despacho de adjudicação dos bens, beneficiar do regime do justo impedimento, não sendo parte, por via de interpretação extensiva do artigo 146.º do CPC?

A questão não é nova (já foi tratada por Alberto dos Reis, que admitia a aplicação do preceito ao remidor). No
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-01-2003, proferido no processo n.º 854-A/02-2, poder encontrar-se uma análise doutrinal e jurisprudencial bastante completa quanto a tal problema(*), mais profunda do que aquelas que se encontram nas outras decisões online sobre a matéria, muitas delas apenas em sumário. A Relação de Guimarães concluiu, ali, pela admissibilidade de aplicação da norma ao titular do direito de remição. Eis a parte mais interessante da fundamentação (com realçado meu):

"(...) o terceiro (peritos, testemunhas, intérpretes, remidor. etc.) pode vir a praticar actos no processo, e pode vir a ser atingido pelas decisões nele proferidas. E tanto assim é, que pode, v. g., interpor recurso quando seja directa e efectivamente prejudicado com pela decisão (art.º 680º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil), e quando seja prejudicado no recurso de oposição de terceiro (art.º 778º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil).
Ora também nestes casos, os terceiros se podem encontrar em situações de imprevisibilidade ou de impossibilidade, ou perante situações que lhe não são imputáveis, e, por causa delas, podem ver o seu direito extinto pelo decurso de um prazo peremptório. As mesmas razões que justificam a existência da válvula de escape prevista no art.º 146º do Cód. Proc. Civil para as partes, também se verificam em relação a terceiros.

O fim que o legislador teve em vista para as partes, também pode estar presente no caso de terceiros
. Logo aquilo que o art.º 146º do Cód. Proc. Civil estabelece sob a forma de preceito para as partes, terá de ser visto como um princípio geral também para outros casos do processo, como é o caso de terceiros que se encontrem nas mesmíssimas condições. Por outro lado, o art.º 146º do Cód. Proc. Civil está inserido no Capítulo I (“Dos actos processuais”), na Secção I (“Actos em Geral”), na Subsecção I (“Disposições Comuns”). Por outro lado, o nosso Cód. Proc. Civil fala-nos dos actos partes na Subsecção II do mesmo Capítulo I e Secção I (art.ºs 150º a 153º), dos actos dos magistrados na Subsecção III do mesmo Capítulo I e Secção I (art.ºs 154º a 160º) e actos da secretaria na Subsecção IV do mesmo Capítulo I e Secção I (art.ºs 161º a 166º). Mas esta arrumação não completa. Além dos actos das partes, dos magistrados e da secretaria, há ainda os actos de terceiros Vd. J. A. Reis, Comentário ao Proc. Civil, Vol. 2, Coimbra Editora, Ld.ª, Coimbra 1945, pág. 7..

O art.º 146º do Cód. Proc. Civil está assim inserido na Subsecção das disposições comuns relativas aos actos processuais e não na Subsecção relativas aos actos das partes. E nos actos processuais comuns inserem-se também os actos a praticar pelos terceiros
. A menção no art.º 146º do Cód. Penal às partes só pode assim ser vista no contexto da importância que assumem as partes no processo, como se deixou acima exposto. Aquilo que o Cód. Proc. Civil regulou para as partes tem perfeito cabimento, quer à luz do elemento lógico, quer à luz do elemento sistemático da interpretação. Além disso, e nos termos do art.º 9º, n.º 3 do Cód. Civil, é de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Tudo aponta para a conclusão que a letra da lei (art.º 146º do Cód. Proc. Civil) é mais restrita que o seu espírito
: o legislador
minus dixit quam voluit. E esta interpretação não deixa de ter na lei um mínimo de correspondência verbal.

Logo e por todo o exposto, entende-se que o terceiro também pode invocar o justo impedimento no processo em que intervenha. E, por esta razão, o pode fazer também o titular do direito de remição no processo executivo, em que não é parte."


(*) Quanto à doutrina, cfr. o texto da decisão. Quanto à jurisprudência, vejam-se (também retirados do mesmo texto), no sentido da admissibilidade, os acórdãos do STJ de 30-11-1994, proferido no processo n.º 086265 (chama-se a atenção para o facto de o texto do acórdão supra citado conter um lapso na indicação do número deste processo), da Relação de Lisboa de 28-03-1996, proferido no processo n.º 0099392 e da Relação do Porto de 23-11-2000, proferido no processo n.º 0031496 (quanto a este sumário, não será pacífica a afirmação de que o prazo para exercer o direito de remição não é peremptório). Em sentido oposto, vejam-se os acórdão da Relação de Lisboa de 21-04-1994, proferido no processo n.º 0087182, e da Relação do Porto de 03-04-2000, proferido no processo n.º 9951527.
Para além destes arestos citados na fundamentação, o acórdão da Relação do Porto de 01-06-93, proferido no processo n.º 9320272, parece admitir, em tese geral, a alegação do justo impedimento pelo remidor (pese embora o seu sumário me suscite algumas dúvidas), apesar de não o ter admitido no caso concreto, por entender não se verificarem os seus pressupostos.

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