quinta-feira, outubro 04, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-2007, proferido no processo n.º 07A2680:
"Os artigos 15º, 16º, e 18º, do Decreto-Lei nº 54/75, de 12.2 – procedimento cautelar de apreensão de veículos automóveis – têm o seu campo de aplicação em caso de incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda por parte do comprador, havendo cláusula de reserva de propriedade.
Tal regime jurídico impede que o financiador da aquisição dele beneficie, invocando ter-lhe sido cedida pelo alienante do veículo automóvel a cláusula de reserva de propriedade.
Em caso de incumprimento do contrato de mútuo, não pode quem financiou a aquisição requerer aquele procedimento cautelar, nem prevalecer-se da cláusula de reserva de propriedade – art. 409º do Código Civil.
A interpretação actualista tem de partir do texto da lei, só sendo legítimo estender o seu campo de aplicação, se de tal interpretação resultar um desfecho compatível com o sistema jurídico enquanto unidade, e não for afrontado o regime jurídico dos institutos com que contende, sob pena de, a coberto de uma interpretação postulada pela essoutra realidade social que a convoca, se tornar arbitrária a interpretação da lei, ferindo, assim, a certeza e a segurança jurídicas, valores caros ao Direito"
.

Nota - Trata-se, aqui, de um problema que tem repetidamente ocupado os nossos tribunais, dividindo muito a jurisprudência, e a respeito do qual ainda há poucos dias dei conta no blog.
Actualizo, pois, a última nota a este respeito.
O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75, referido no sumário, trata da resolução do contrato por incumprimento das obrigações a que se refere a reserva da propriedade.Problemas relacionados com a interpretação destas normas têm vindo a ser sucessivamente colocados aos tribunais superiores, já que, em vez da normal relação de dois pólos (vendendor-comprador), a reserva de propriedade surge cada vez mais em relações triangulares (adquirente-vendedor-financiador), sendo cada vez mais frequente a constituição de reserva de propriedade como instrumento de protecção do financiador. Ou seja, a reserva de propriedade passa a salvaguardar não o pagamento do preço ao vendedor (que terá sido assegurado pelo financiador), mas sim o pagamento das prestações ao financiador.A jurisprudência tem vindo a interpretar o preceito do artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75 no sentido de se referir apenas ao incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, o que impediria que o financiador dela beneficiasse.
No entanto, em outras decisões tem admitido a possibilidade de: (i) a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro; e (ii) interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, no sentido de abranger "o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade" (texto citado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 31-05-2007, proferido no processo n.º 3901/2007-2).
Quanto ao primeiro ponto (possibilidade de a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro), cfr. o acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2003, in CJ, 2003, tomo II, pág. 74, e, recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901.
Quanto ao segundo ponto (possibilidade de interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75), cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 . Contra: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-1997, in CJ, 1997, tomo V, pág. 120, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B538 (argumentando que o vendedor não pode já exercer o direito à resolução porque recebeu já a totalidade do preço, logo não poderá exercer o direito de apreensão, conexo com aquele primeiro - a decisão conta com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2004, proferido no processo n.º 0422028.
No Tribunal da Relação de Lisboa, temos a seguinte "contagem de espingardas":
- no sentido de que a reserva de propriedade pode constituir-se em favor de crédito de terceiro não vendedor, cfr. os acórdãos
de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1614/2007-6, de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1187/2007-7, de 01-02-2007, proferido no processo n.º 733/2007-6, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3629/2006-6, de 27-06-2006, proferido no processo n.º 937/2006-1 (este, se bem o interpreto, apenas quanto à primeira vertente, ou seja, da possibilidade de constituição da reserva a favor de terceiro), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4667/2006-6, de 30-05-2006, proferido no processo n.º 3228/2006-7, de 28-03-2006, proferido no processo n.º 447/2006-7 (com um voto de vencido, apoiado no citado acórdão do STJ de 12-05-2005), de 20-10-2005, proferido no processo n.º 8454/2005-6, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 3843/2005-6, de 18-03-2004, proferido no processo n.º 2097/2004-6 (concordando com, pelo menos, o primeiro ponto supra citado, já que o segundo não se levanta no processo, e com um vonto de vencido, que não abrange, em rigor, essa matéria), de 27-06-2002, proferido no processo n.º 0053286, de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3076/2007-6, e de 26-07-2007, proferido no processo n.º 6792/2007-1.
- contra: acórdãos
de 08-02-2007, proferido no processo n.º 957/2007-2, de 12-10-2006, proferido no processo n.º 3814/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4927/2006-8, de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4888/2006-2, e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 9857/2004-7.
Outros assuntos relativos à reserva de propriedade já analisados neste blog foram
relação entre as regras de competência constantes do DL 54/75 e as novas regras da Lei 14/2006 (cfr. aqui o último levantamento sobre este assunto) e a renúncia à reserva de propriedade e penhora pelo titular da reserva.


2)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-2007, proferido no processo n.º 07A1878:
"O trânsito em julgado da decisão (sentença o acórdão) que fixa a indemnização por expropriação não determina o início automático da mora da entidade expropriante e a correspondente obrigação de juros sobre o montante (definitivo) fixado".

Nota - Entendeu-se, nesta decisão, que só faz sentido falar de mora depois de definitivamente fixado o montante indemnizatório, nos termos do artigo 71.º do Código das Expropriações.
No mesmo sentido,
mas aplicando as normas equivalentes do Código anterior, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2002, proferido no processo n.º 02B2999, e de 03-02-1999, in BMJ n.º 484, pág. 307. Também no mesmo sentido, mas já aplicando o Código actual, cfr. o acórdão do mesmo tribunal de 27-01-2005, proferido no processo n.º 04B4461.
Ainda no mesmo sentido, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 07-10-2004, proferido no processo n.º 0434471.
Questão diferente dos juros é a da consideração da depreciação da moeda. Sobre esta, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 09-05-2006, proferido no processo n.º 287/06.


3)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2007, proferido no processo n.º 07B2028:
"Não cabe no âmbito dos recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram quanto à prova pericial produzida nos autos, por sujeita à regra da livre apreciação da prova;
Por se tratar de um meio de prova que, em regra, exige conhecimentos especiais, técnicos, científicos ou de outra natureza, que se não espera que o julgador tenha, é que a lei faz várias exigências destinadas a permitir o seu controlo racional, quer pelo juiz, quer pelas partes;
A lei impõe ao tribunal o dever de fundamentar a decisão da matéria de facto, seja qual for o meio de prova utilizado;
O princípio da livre apreciação da prova não contende com o dever de fundamentação das decisões judiciais, aliás judicialmente imposto (artigo 205º da Constituição)".


Nota - Sobre a matéria em causa (pacífica na jurisprudência STJ) cfr., em especial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567 (cfr. conclusão IV e fundamentação correspondente). Por regra, o Supremo não pode valorar a prova sujeita à livre apreciação do julgador - testemunhal ou pericial, por exemplo -, mas apenas julgar se a sua consideração para comprovação de certo facto viola ou não as regras de direito probatório material que fixam a admissibilidade e valor (legal) dos meios de prova (cfr. também, a este respeito, a jurisprudência citada em nota ao acórdão seguinte).
Vejam-se, ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do mesmo tribunal
de 05-12-2006, proferido no processo n.º 06A3883, de 11-05-2006, proferido no processo n.º 06B1501, de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B2210, de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1981,
Cfr. também, para outras consequências da distinção entre meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador e meios de prova legais, o
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2007, proferido no processo n.º 3454/03.0TBLRA.C1 e a nota que, sobre ele, deixei aqui.
Esta distinção entre meio de prova sujeito a livre apreciação do juiz e meio de prova legal, leva, também, a distinguir a natureza do julgamento da matéria de facto através de uns e outros daqueles meios. O exame crítico das provas a que se refere o n.º 3 do artigo 659.º do CPC não se confunde com o exame crítico das provas a que se refere o n.º 2 do artigo 653.º do CPC, referindo-se esta última norma aos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador. Sobre a primeira, veja-se
este post, no ponto "2)". Sobre a segunda, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B3070, de 11-10-2005, proferido no processo n.º 05B3035, de 16-02-2006, proferido no processo n.º 06B311, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 05B870, e de 15-04-2004, proferido no processo n.º 04B1023. Especificamente sobre a diferença entre o "exame crítico das provas" numa e noutra, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A2900, e de 10-05-2005, proferido no processo n.º 05A963 (neste, embora o STJ centre a sua argumentação no artigo 655.º, as considerações que tece referem-se mais propriamente o artigo 653.º, n.º 2), e de 16-12-2004, proferido no processo n.º 04B3896, de 16-03-2004, proferido no processo n.º 03A4381.
Como refere Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, pág. 175, "a distinção entre meio de prova legal e meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (meio de prova livre) leva a uma repartição de funções entre o juiz da matéria de facto e o juiz que profere a sentença".


4)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2007, proferido no processo n.º 07B2492:
"A significância de resposta(s) negativa(s) a nº(s) da base instrutória não é a demostração do(s) factos(s) contrários(s) aos(s) objecto(s) do(s) preditos(s) nº(s), tudo se passando como se não tivesse sido alegada a materialidade fáctica naquele(s) vazada.
(...)"


Nota - É um ponto inteiramente pacífico. Cfr. as fundamentações dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 21-03-2007, proferido no processo n.º 0637321, ("da falta de prova de um facto não se pode concluir pela prova do facto contrário"), e do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-10-2006, proferido no processo n.º 2833/04.0TBFIG.C1 ("uma resposta negativa, ou seja, de não provado a um quesito, não significa a prova do facto contrário, mas tão somente que não se logrou fazer prova do facto inserto em tal quesito"), e ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-1995, proferido no processo n.º 0058126, de 17-06-1993, proferido no processo n.º 0052656, de 25-03-1993, proferido no processo n.º 0052516, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-02-2001, proferido no processo n.º 3241-2000, e de 16-01-2001, proferido no processo n.º 2415-2000.

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