quinta-feira, setembro 27, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 4 de 4)

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 6141/2007-7:
"Seja qual for o regime de bens, no caso de um cônjuge se ver impedido de aceder aos seus bens próprios ou aos bens de que é comproprietário com o outro cônjuge, é-lhe lícito recorrer à providência de arrolamento a que alude o artigo 427º/1 do C.P.C. /revisão de 1995-1996 como preliminar ou incidente da acção de divórcio.
Dada a natureza instrumental dos procedimentos cautelares relativamente à acção principal, que é neste caso a acção de divórcio proposta ou a propor, os Tribunais de Família são competentes em razão da matéria atento o disposto nos artigos 383º/1 do C.P.C. e artigo 81º, alíneas b) e c) da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro)".

Nota - A dúvida prendia-se, aqui, com a competência do Tribunal de Família para conhecer o pedido de arrolamento, considerando que o cônjuge não pedia o arrolamento dos bens comuns mas dos seus bens próprios, que se encontravam na morada do casal, vigorando entre ambos o regime da separação de bens.
Não é claro, na fundamentação do acórdão, se os bens em causa, próprios do requerente, estariam sob administração da requerida (caso em que a hipótese caberia directamente na previsão do n.º 1 do artigo 427.º).
Ainda assim, parece-me que se justificaria a providência, enquanto incidente do processo de divórcio, para acautelar o risco de ocultação ou apropriação, pela requerida, dos bens próprios do requerente, por se encontrarem no local onde reside, ainda que não haja futuramente um processo de inventário, por vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens. A necessidade de futura partilha parece não ser essencial para admitir o arrolamento, até mesmo porque o n.º 1 do artigo 427.º do CPC prevê expressamente a hipótese de arrolamento de bens próprios do requerente, os quais não serão objecto de qualquer partilha.
Na jurisprudência que conheço sobre a competência do Tribunal de Família para o arrolamento dependente da acção de divórcio, não encontro nenhuma caso concreto em que vigorasse entre os cônjuges o regime da separação de bens (ainda assim, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2000, proferido no processo n.º 9951488, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-03-1997, proferido no processo n.º 0017611, referindo-se este último apenas a
"arrolamento dos bens susceptíveis de partilha").


2) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 4095/2007-8:
"Não é válida cláusula contratual em que o fiador se obrigou relativamente aos períodos de renovação do contrato sem limitar o número destes, devendo, por isso, a obrigação do fiador considerar-se extinta decorridos cinco anos sobre o início da primeira prorrogação (artigo 655º/2 do Código Civil).
É válida a desistência do pedido relativamente a um dos fiadores que com outros se obrigou em regime de solidariedade a pagar as rendas, pois no caso de litisconsórcio voluntário é livre a desistência do pedido (artigos 293.º e 298.º do Código de Processo Civil).
O exercício do direito de desistência do pedido (ou da confissão ou de transacção) não constitui abuso do direito".

Nota - Sobre a desistência do pedido em caso de litisconsórcio voluntário, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-03-2001, proferido no processo n.º 0130239.
Note-se, porém, que parte da doutrina defende uma interpretação restritiva do artigo 298.º do CPC, por forma a abranger nele apenas os casos de litisconsórcio unitário (nesse sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa: Lex, 1997, página 153). Este entendimento já encontrou acolhimento na jurisprudência, em, pelo menos, dois acórdãos: do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-11-2006, proferido no processo n.º 2801/2006-7, e do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-1999, proferido no processo n.º 99A295 (também in CJ, 1999, tomo II, pág. 63 e ainda BMJ 486-276).
Para maiores desenvolvimento sobre o conceito de litisconsórcio unitário, cfr. este post do blog, que dediquei ao assunto.



3) Decisão individual do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferida no processo n.º 6401/2007-8:
"A circunstância de em acção de reivindicação o autor considerar possuidor aquele que porventura não será mais do que um detentor não obsta a que a acção prossiga pois, podendo a referida acção ser proposta quer contra o possuidor, quer contra o detentor, é afinal uma questão de qualificação a que se pode suscitar (artigo 661.º do Código de Processo Civil) não devendo o Tribunal obstar por tal razão ao prosseguimento da lide".

Nota - A decisão é, quanto a mim, pacífica e evidente. A petição não pode considerar-se inepta por errar uma qualificação jurídica, quanto à qual o tribunal é inteiramente livre, não se encontrando dependente da actividade das partes.
Creio que a menção, na fundamentação e no sumário, ao artigo 661.º do CPC é um lapso, tendo-se pretendido, provavelmente, referir o artigo 664.º do CPC.



4) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-07-2007, proferido no processo n.º 6792/2007-1:
"A reserva de propriedade não é um exclusivo dos contratos de compra e venda.
A menção do art.º 18.º, n.º 1, do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, ao “contrato de alienação” pode ser entendida como referindo-se também ao contrato de mútuo conexo com o de compra e venda e que esteve na origem da reserva de propriedade".

Nota - Actualizando e consolidando o levantamento jurisprudencial anteriormente realizado a este respeito, temos o quadro seguinte.
O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75, referido no sumário, trata da resolução do contrato por incumprimento das obrigações a que se refere a reserva da propriedade.
Problemas relacionados com a interpretação destas normas têm vindo a ser sucessivamente colocados aos tribunais superiores, já que, em vez da normal relação de dois pólos (vendendor-comprador), a reserva de propriedade surge cada vez mais em relações triangulares (adquirente-vendedor-financiador), sendo cada vez mais frequente a constituição de reserva de propriedade como instrumento de protecção do financiador. Ou seja, a reserva de propriedade passa a salvaguardar não o pagamento do preço ao vendedor (que terá sido assegurado pelo financiador), mas sim o pagamento das prestações ao financiador.
A jurisprudência tem vindo a interpretar o preceito do artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75 no sentido de se referir apenas ao incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, o que impediria que o financiador dela beneficiasse.
No entanto, em outras decisões tem admitido a possibilidade de: (i) a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro; e (ii) interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, no sentido de abranger "o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade" (texto citado do acórdão em análise).
Quanto ao primeiro ponto (possibilidade de a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro), cfr. o acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2003, in CJ, 2003, tomo II, pág. 74, e, recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901.
Quanto ao segundo ponto (possibilidade de interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75), cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 . Contra: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-1997, in CJ, 1997, tomo V, pág. 120, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B538 (argumentando que o vendedor não pode já exercer o direito à resolução porque recebeu já a totalidade do preço, logo não poderá exercer o direito de apreensão, conexo com aquele primeiro - a decisão conta com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2004, proferido no processo n.º 0422028.
No Tribunal da Relação de Lisboa, temos a seguinte "contagem de espingardas":
- no sentido de que a reserva de propriedade pode constituir-se em favor de crédito de terceiro não vendedor, cfr. os acórdãos de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1614/2007-6, de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1187/2007-7, de 01-02-2007, proferido no processo n.º 733/2007-6, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3629/2006-6, de 27-06-2006, proferido no processo n.º 937/2006-1 (este, se bem o interpreto, apenas quanto à primeira vertente, ou seja, da possibilidade de constituição da reserva a favor de terceiro), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4667/2006-6, de 30-05-2006, proferido no processo n.º 3228/2006-7, de 28-03-2006, proferido no processo n.º 447/2006-7 (com um voto de vencido, apoiado no citado acórdão do STJ de 12-05-2005), de 20-10-2005, proferido no processo n.º 8454/2005-6, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 3843/2005-6, de 18-03-2004, proferido no processo n.º 2097/2004-6 (concordando com, pelo menos, o primeiro ponto supra citado, já que o segundo não se levanta no processo, e com um vonto de vencido, que não abrange, em rigor, essa matéria), de 27-06-2002, proferido no processo n.º 0053286, de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3076/2007-6, e o agora anotado, de 26-07-2007, proferido no processo n.º 6792/2007-1.
- contra: acórdãos de 08-02-2007, proferido no processo n.º 957/2007-2, de 12-10-2006, proferido no processo n.º 3814/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4927/2006-8, de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4888/2006-2, e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 9857/2004-7.
Outros assuntos relativos à reserva de propriedade já analisados neste blog foram relação entre as regras de competência constantes do DL 54/75 e as novas regras da Lei 14/2006 (cfr. aqui o último levantamento sobre este assunto) e a renúncia à reserva de propriedade e penhora pelo titular da reserva.

Etiquetas: , , , , , , ,

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

NÃO SERIA POR ACASO SUPERIOR TIBUNAL DE JUSTIÇA, EM VEZ DE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. QUE EU SAIBA, SUPREMO SÓ O STF. É POR ESSAS E POR OUTRAS QUE NINGUÉM PASSA NO EXAME DA ORDEM!

10/27/2007 10:01 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Caro leitor,

Antes de mais, gostaria muito:

1.º - que se identificasse;
e
2.º - que não escrevesse tudo em maiúsculas, porque parece que está a gritar.

Em segundo lugar, se tivesse perdido mais do que 10 segundos a olhar para o blog, teria percebido que ele se escreve a partir de Portugal e não do Brasil. Em Portugal, não existe "Superior Tribunal de Justiça", mas sim um "Supremo Tribunal de Justiça".

Saber isso também é importante para passar no exame da Ordem por cá.

Agradeço-lhe o paternalismo, mas, como viu, neste ponto não era necessário.

Cumprimentos,

Nuno Lemos

10/28/2007 1:14 da manhã  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial