terça-feira, dezembro 18, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 3 de 3)

1) Decisão individual do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2007, proferida no processo n.º 10653/2007-7:
"A circunstância de perdurar há algum tempo situação causadora de lesão grave e dificilmente reparável de um direito obsta ao indeferimento liminar da providência em que se pretende que se ordene a evacuação de animais e materiais pertencentes aos requeridos que integram uma exploração pecuniária não licenciada que ocupa parte do prédio do requerente. É que, fora da protecção cautelar, estão as lesões consumadas, mas não as lesões continuadas ou repetidas, pois importante é que a situação de perigo seja actual.
As lesões ocorridas subsistentes fortalecem a convicção da gravidade da situação e reforçam a necessidade de tutela cautelar para evitar a repetição ou persistência dessas situações lesivas
."


Nota - Sendo a decisão subscrita por Abrantes Geraldes, não espanta que contenha muita informação sobre esta matéria (o relator é autor de obras de referência - prática e teórica - sobre procedimentos cautelares: refiro-me aos dois volumes que dedica ao tema na colecção "Temas da Reforma do Processo Civil"). Limito-me, pois, a transcrever uma parte da fundamentação, que subscrevo inteiramente, remetendo para a jurisprudência que o relator cita em rodapé, na página da decisão.
"Ao invés do que consta da decisão agravada, não pode extrair-se do facto de o diferendo recuar a 2004 ou 2005 argumento que permita justificar o indeferimento liminar. A maior duração da situação apenas agrava a situação danosa, ao invés do que concluiu o tribunal a quo.
Nem o facto de a requerente se ter abstido de interpor qualquer acção com carácter definitivo pode ser invocada. É que o CPC prevê no seu art. 2º o exercício do direito de acção, como direito subjectivo oposto ao dever do Estado de dirimir litígios de direito privado, bem diverso de um dever de agir judicialmente com consequências na apreciação liminar das pretensões deduzidas.
A requerente, como alega, procurou encontrar nas autoridades administrativas a solução para o caso. Atitude que, se for verdadeira, é irrepreensível, pois que, sem embargo dos efeitos que a situação provoca na sua esfera jurídica, existirão outros bem mais graves que devem ser tutelados por entes públicos, ainda que com posteriores reflexos na esfera dos direitos privados.
A crer naquilo que a requerente alega, a ocorrência de perigos para a saúde pública, a violação de preceitos regulamentares em termos de licenciamento de explorações pecuárias ou o incumprimento de normas legais relacionadas com a posse de animais apresentam virtualidades que bem poderiam ter servido para que a fonte de perigo fosse administrativamente eliminada sem os encargos que decorrem do recurso aos tribunais cíveis.
Não tendo surtido efeito as diligências que a requerente terá empreendido, não poderá de modo algum ser penalizada.
O não exercício anterior do direito de acção judicial e, mais do que isso, a opção pelo accionamento de mecanismos de direito administrativo com posterior inércia dos entes públicos jamais pode redundar em prejuízo dos titulares de direitos afectados e que se encontrem em situação de lesão grave, iminente ou reiterada.
Como decorre do direito de acção consagrado no art. 2º do CPC, a qualquer situação juridicamente protegida corresponde uma acção, sem exclusão sequer da acção cautelar, desde que, neste caso, se verifiquem os requisitos específicos. Por outro lado, as funções de que sejam incumbidas autoridades policiais ou administrativas não contendem com a legitimidade dos particulares de requererem providências de carácter inibitório, acompanhadas ou não de medidas que imponham determinados comportamentos.
Não sendo seguro que os interessados a quem a lei reconhece determinado direito possam actuar directamente sobre tais autoridades no sentido de as levar a cumprir as suas funções, resta a possibilidade de lhes ser facultada a intervenção dos tribunais para a defesa dos seus direitos ou dos interesses reconhecidos."

Acrescento apenas que, quanto a lesões consumadas, pode ler-se, com algum interesse, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 21-10-2004, proferido no processo n.º 0435292.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-11-2007, proferido no processo n.º 9974/2007-8:
"O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre sob controlo jurisdicional.
Por força do princípio dispositivo, se o exequente tiver cumprido adequadamente com o ónus de indicar bens a penhorar, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º do Código de Processo Civil.
O juiz deve ordenar a penhora dos bens indicados pelo exequente quando a satisfação do direito daquele o imponha face à inércia da actuação do agente de execução
."


Nota - Trata-se de assunto já tratado neste blog, recentemente, em anotação ao acórdão da mesma Relação de
de 22-11-2007, proferido no processo n.º 9716/2007-6. Remeto, pois, para a nota que ali deixei à decisão.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-12-2007, proferido no processo n.º 8187/2007-6:
"Na impugnação da matéria de facto, a omissão da referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C do CPC, acarreta a rejeição do respectivo recurso.
(...)
A responsabilidade por litigância de má fé, prevista no art. 456.º, n.º s 1 e 2, do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, exige uma conduta de natureza dolosa
."


Nota - Sobre a omissão do disposto no artigo 690.º-A, n.º 2, que remete para o artigo 522.º-C, n.º 2 do CPC, a jurisprudência não é unânime.
Quanto ao incumprimento dos ónus previstos no artigo 690.º-A do CPC, há duas correntes jurisprudenciais opostas. A primeira defende que o recurso deve ser imediatamente rejeitado sem prévio convite ao seu aperfeiçoamento (cfr. neste sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, pág. 176, nota 355, Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 586, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 20-05-2004, proferido no processo n.º 04B122, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3450, de 25-05-2006, proferido no processo n.º 06B1080, de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B1998, e do Tribunal da Relação do Porto de 12-07-2007, proferido no processo n.º 0730129:).
A segunda alinha pela necessidade de convite prévio ao aperfeiçoamento do recurso (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 14-03-2006, in CJ 2006, I, pág. 124,
de 20-03-2003, proferido no processo n.º 02B2168, de 29-11-2005, proferido no processo n.º 05S2552, de 06-07-2006, proferido no processo n.º 06A1838, de 13-07-2006, proferido no processo n.º 06S698 (este, todavia, pondo em evidência que haverá rejeição quando não se mostre um esforço de identificação dos pontos factuais censurados e dos elementos probatórios que viabilizam), e de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541), reservando a rejeição para as hipóteses de absoluta falta de alegação quanto a essa matéria.
Tem-se entendido que a primeira daqueles teses não fere normas constitucionais (cfr. o
acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, em processo penal mas com conclusões transponíveis para o processo civil - cfr., neste sentido, Lopes do Rego, loc. cit.).
Sobre um outro problema conexo (saber se as conclusões da apelação devem conter a indicação dos concretos meios de provas em que se baseia a sua discordância relativamente à decisão de primeira instância impugnação da matéria de facto), remeto para a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2074, que considero ser exemplar, quanto a esta matéria.
Ainda sobre o ónus previsto no artigo 690.º-A do CPC, cfr. os acórdãos do STJ
de 10-05-2007, proferido no processo n.º 06B1868, do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 1877/03.3TBCBR.C1, e de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455.
Finalmente, sobre a conduta dolosa enquanto pressuposto da litigância de má fé no regime anterior à reforma de 1995/96 (que hoje terá pouco interesse, creio), cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 19-04-1990, proferido no processo n.º 077994, e de 25-07-1987, proferido no processo n.º 074236.


4)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-11-2007, proferido no processo n.º 8319/2007-7:
"Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa (artigo 4.º .n.º1 ,alínea g) da lei n.º 13/2002,de 19 de Fevereiro).
São assim aqueles tribunais os ocmpetentes para conhecer o litígio em que os adquirentes de imóvel , por meio de venda judicial, reclamam do Estado indmenização fundada nos prejuízos que lhes advieram por anulação da venda devido à falta de citação dos executados
."


Nota - Não é líquida, na jurisprudência, esta posição, mesmo olhando apenas as decisões tomadas à luz do novo ETAF.
Cfr., no mesmo sentido da decisão anotada, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 26-11-2007, proferido no processo n.º 0755601.
Mas já no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 14-06-2005, proferido no processo n.º 33569/2005-7, se entendeu o seguinte: "Os tribunais administrativos não são competentes para o julgamento de acções de responsabilidade civil intentadas contra o Estado por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, nomeadamente nos tribunais judiciais, bem como das correspondentes acções de regresso; Mas não estão aqui incluídos os actos atribuídos aos magistrados do MP, por estes não exercerem uma função jurisdicional, a qual apenas é exercida pelos juizes; Todavia, quando a acção de responsabilidade é proposta com fundamento em actos atribuídos ao juiz e ao MP, praticados em processo-crime que, conjunta e combinadamente, terão atingido direitos fundamentais do A. e lhe terão provocado danos, o tribunal competente para o efeito é o tribunal judicial".

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