Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 2)
1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3366:
"Nos termos do art. 690º-A do Cód. de Proc. Civil, o apelante que impugne a decisão da matéria de facto em processos onde foi efectuado o registo áudeo, tem o encargo de nas alegações especificar os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes dos autos ou do registo da prova, que considere determinantes da alteração pretendida.
A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada da indicação do local onde na agravação constam aqueles, com referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
Porém a especificação referida nos números anteriores não tem de constar expressamente das conclusões das alegações, mas pode constar da parte restante das mesmas alegações, desde que haja nas conclusões uma remissão clara e perceptível para aquelas especificações, de modo a que o tribunal de recurso possa com segurança aperceber-se das delimitações do objecto do recurso."
Nota - Já tinha sido deixado algumas notas, neste blog, ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455 (acórdão / notas), em sentido semelhante. Parece-me ser esta a solução mais razoável. Se a identificação dos pontos da gravação se encontra nas alegações, não há razão para sobrecarregar as conclusões (que devem ser breves) com essa repetição, bastando que delas conste apenas a matéria de facto que se pretende ver alterada.
Esta parece ser, actualmente, a jurisprudência dominante no STJ, encontrando-se facilmente outros acórdãos no mesmo sentido (cfr., por exemplo, os de 08-03-2006, proferido no processo n.º 05S3823, e de de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06S3405), embora seja possível encontrar jurisprudência do mesmo tribunal em sentido oposto (cfr., por exemplo, o acórdão de 05-02-2004, proferido no processo n.º 03B4145). Na Relação de Lisboa, porém, encontram-se algumas decisões a exigir que as conclusões contenham também os concretos meios de prova que levam a decisão diversa (cfr. os acórdãos de 02-06-2005, proferido no processo n.º 1598/2005-4, de 02-11-2005, proferido no processo n.º 1812/2005-4, e de 18-01-2006, proferido no processo n.º 10696/2005-4).
Quanto ao que deverá entender-se como identificação concreta do ponto da gravação onde se encontra o depoimento, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2642.
A questão do regime da arguição da nulidade decorrente da deficiência de gravação das cassetes foi recentemente tratada aqui.
Quanto ao dever de enunciar quais os concretos pontos de facto que o recorrente entende deverem merecer resposta diferente da que foi dada na decisão recorrida, vejam-se os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2007, proferido no processo n.º 07P330, de 06-06-2007, proferido no processo n.º 07S742, e de 29-03-2007, proferido no processo n.º 2338/06-3.
Considerando que a falta de indicação das voltas onde se encontram os depoimentos deve dar lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541. No entanto, já se entendeu também que "se a falta ou deficiência das conclusões escaparem à análise quer do relator, quer dos juízes-adjuntos e a tramitação do recurso avançar para a fase do julgamento, já não poderá ocorrer o convite a que alude o nº4 do artigo 690 do CPC, por se encontrar ultrapassado o respectivo momento processual e para não se arrastar no tempo o conhecimento dos demais recursos que devam ter lugar no mesmo julgamento" e que tal convite "não tem lugar no âmbito do artigo 690-A do CPC" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2407.
2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3541:
"A providência processual prevista no nº 3 do art. 729º do Cód. de Proc. Civil, consistente em mandar ampliar a matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, pressupõe, em regra, a existência de factos alegados pelas partes que as instâncias desprezaram e se vieram a revelar necessários àquela decisão jurídica.
Não pode aquela providência ser usada com vista a ampliar a matéria de facto, de modo a incluir factos não alegados pelas partes nos articulados – e que não sejam do conhecimento oficioso -, mas que poderiam vir a ser alegados, por convite ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos do art. 508º, nº 1 al. b) do citado código."
Nota - Sobre o uso, pelo STJ, da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 729.º do CPC, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A1528, de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A759, de 13-09-2007, proferido no processo n.º 07B1827, e de 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2739.
Tal uso só se justifica quando a matéria apurada se revelar insuficiente para a apreciação jurídica a que o STJ procederá, como tribunal de revista - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06S789, de 12-01-2006, proferido no processo n.º 05S2655, de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1263, de 09-05-2006, proferido no processo n.º 06A1001, de 02-03-2006, proferido no processo n.º 06B514, de 24-02-2005, proferido no processo n.º 04B4164, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3513 (este especialmente detalhado), de 06-05-2004, proferido no processo n.º 04B1409, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 07A091.
O STJ pode ainda ordenar a baixa do processo, nos termos da mesma norma, para que se sanem contradições nas respostas à matéria de facto - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2005, proferido no processo n.º 05B531, de 11-01-2005, proferido no processo n.º 04A3357, de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03P2032, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06A4375.
3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3437: "Invocando o Autor empreiteiro, como fundamento da sua pretensão indemnizatória o incumprimento do contrato de empreitada, consubstanciado no facto da Ré (não empreiteira mas dona do imóvel onde decorriam as obras não lhe permitir o acesso à obra que trazia de empreitada), por isso resolvendo o contrato, e considerando o Tribunal a acção procedente, não por esse facto, mas por considerar que houve tácita desistência do contrato de empreitada por parte do dono da obra, a decisão é nula por ter considerado causa de pedir não invocada, pelo que, nessa parte, o Acórdão confirmatório da apelação enferma de nulidade.
Em função da declaração de nulidade com o referido fundamento compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do mérito da pretensão – sistema de substituição – art. 731º, nº1, do Código de Processo Civil."
Nota - As excepções que não sejam de conhecimento oficioso (como a anulabilidade ou a excepção de não cumprimento, por exemplo) têm forçosamente que ser invocadas pelas partes, ao contrário daquelas que são de conhecimento oficioso (como a nulidade, por exemplo). O tribunal, ao conhecer daquelas sem que sejam invocadas, viola o disposto no artigo 660.º do CPC. No mesmo sentido (numa hipótese de excepção de não cumprimento), cfr. os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2006, proferido no processo n.º 06A3796, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-09-2007, proferido no processo n.º 6601/2007-6. Também a desistência do contrato de empreitada, enquanto matéria de excepção que a lei não permite ao tribunal conhecer oficiosamente, terá que ser necessariamente alegada pelo réu.
Questão diferente é, porém, a de saber se o tribunal deve tomar em considerar a excepção no caso de o réu apenas alegar os factos a ela correspondentes, sem contudo a individualizar devidamente. Em sentido afirmativo, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-1971, in BMJ n.º 211, pág. 297, e do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2001, proferido no processo n.º 0150255.
Para outros desenvolvimentos sobre o conhecimento oficioso da matéria de excepção, cfr. a anotação que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2006, proferido no processo n.º 06B4220.
4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3570:
"A interpretação do testamento deve ser subjectiva.
A determinação da real vontade do testador é tarefa das instâncias. Ao STJ apenas cabe sindicar se na busca da real vontade do testador foram respeitados os critérios interpretativos consagrados na lei."
Nota - A conclusão do acórdão ajusta-se à função do STJ enquanto tribunal de revista.
A conclusão de que ao Supremo não cabe interpretar a vontade do testador, por se tratar de matéria de facto reservada às instâncias vem já do muito antigo assento de 19-10-1954, proferido no processo n.º 055385 (também in BMJ n.º 45, pág. 152, e ainda no Diário do Governo, I série, de 05-11-1954). No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07B086 (com um voto de vencido), e de 13-01-2004, proferido no processo n.º 03A3822.
No entanto, já se decidiu também que "a interpretação da vontade real do testador, se feita unicamente com recurso ao texto do testamento, é uma questão de direito de que o STJ pode conhecer", como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B2624, na linha dos acórdãos do mesmo tribunal de 23-10-2003 e de 23-01-2001 (estes não publicados na íntegra, ao que sei, embora disponíveis nos Sumários do STJ).
Como separar, então, as águas? O critério deverá ser o seguinte: se realizada unicamente através de documentos, pode admitir-se a interpretação da vontade do testador pelo Supremo (cfr. o dito acórdão de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B2624, e, implicitamente, o de 30-01-2003, proferido no processo n.º 02B4448), mas se a determinação dessa vontade houver que fazer-se "perante a avaliação dos meios complementares de prova destinados a fixar e a surpreender a vontade real do testador", então terá que reservar-se às instâncias a possibilidade de o fazer, pois a decisão assentará em meios de prova sujeitos a livre apreciação do julgador - cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2003 (não publicado na íntegra, ao que sei, embora disponível nos Sumários do STJ). De uma forma lapidar, escreveu-se no acórdão do mesmo tribunal de 02-03-2006, proferido no processo n.º 3282/05, da 2.ª secção: "de um lado tem-se a determinação da vontade real do testador, apurada através de prova complementar, efectuada pelas instâncias (matéria de facto); do outro, a verificação se na determinação feita foram atingidas as disposições substantivas aplicáveis (matéria de direito), designadamente, a constante do art. 2187.º, n.º 2, 2.ª parte".
Cfr. ainda, no sentido apontado, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2005, proferido no processo n.º 05B314, de 26-10-2004, proferido no processo n.º 2117/04, da 1.ª Secção, de 30-04-1997, proferido no processo n.º 96A524, de 14-01-1997, proferido no processo n.º 96A316, de 31-05-1990, proferido no processo n.º 077199 (também in BMJ n.º 397, pág. 490).
"Nos termos do art. 690º-A do Cód. de Proc. Civil, o apelante que impugne a decisão da matéria de facto em processos onde foi efectuado o registo áudeo, tem o encargo de nas alegações especificar os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes dos autos ou do registo da prova, que considere determinantes da alteração pretendida.
A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada da indicação do local onde na agravação constam aqueles, com referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
Porém a especificação referida nos números anteriores não tem de constar expressamente das conclusões das alegações, mas pode constar da parte restante das mesmas alegações, desde que haja nas conclusões uma remissão clara e perceptível para aquelas especificações, de modo a que o tribunal de recurso possa com segurança aperceber-se das delimitações do objecto do recurso."
Nota - Já tinha sido deixado algumas notas, neste blog, ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455 (acórdão / notas), em sentido semelhante. Parece-me ser esta a solução mais razoável. Se a identificação dos pontos da gravação se encontra nas alegações, não há razão para sobrecarregar as conclusões (que devem ser breves) com essa repetição, bastando que delas conste apenas a matéria de facto que se pretende ver alterada.
Esta parece ser, actualmente, a jurisprudência dominante no STJ, encontrando-se facilmente outros acórdãos no mesmo sentido (cfr., por exemplo, os de 08-03-2006, proferido no processo n.º 05S3823, e de de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06S3405), embora seja possível encontrar jurisprudência do mesmo tribunal em sentido oposto (cfr., por exemplo, o acórdão de 05-02-2004, proferido no processo n.º 03B4145). Na Relação de Lisboa, porém, encontram-se algumas decisões a exigir que as conclusões contenham também os concretos meios de prova que levam a decisão diversa (cfr. os acórdãos de 02-06-2005, proferido no processo n.º 1598/2005-4, de 02-11-2005, proferido no processo n.º 1812/2005-4, e de 18-01-2006, proferido no processo n.º 10696/2005-4).
Quanto ao que deverá entender-se como identificação concreta do ponto da gravação onde se encontra o depoimento, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2642.
A questão do regime da arguição da nulidade decorrente da deficiência de gravação das cassetes foi recentemente tratada aqui.
Quanto ao dever de enunciar quais os concretos pontos de facto que o recorrente entende deverem merecer resposta diferente da que foi dada na decisão recorrida, vejam-se os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2007, proferido no processo n.º 07P330, de 06-06-2007, proferido no processo n.º 07S742, e de 29-03-2007, proferido no processo n.º 2338/06-3.
Considerando que a falta de indicação das voltas onde se encontram os depoimentos deve dar lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541. No entanto, já se entendeu também que "se a falta ou deficiência das conclusões escaparem à análise quer do relator, quer dos juízes-adjuntos e a tramitação do recurso avançar para a fase do julgamento, já não poderá ocorrer o convite a que alude o nº4 do artigo 690 do CPC, por se encontrar ultrapassado o respectivo momento processual e para não se arrastar no tempo o conhecimento dos demais recursos que devam ter lugar no mesmo julgamento" e que tal convite "não tem lugar no âmbito do artigo 690-A do CPC" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2407.
2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3541:
"A providência processual prevista no nº 3 do art. 729º do Cód. de Proc. Civil, consistente em mandar ampliar a matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, pressupõe, em regra, a existência de factos alegados pelas partes que as instâncias desprezaram e se vieram a revelar necessários àquela decisão jurídica.
Não pode aquela providência ser usada com vista a ampliar a matéria de facto, de modo a incluir factos não alegados pelas partes nos articulados – e que não sejam do conhecimento oficioso -, mas que poderiam vir a ser alegados, por convite ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos do art. 508º, nº 1 al. b) do citado código."
Nota - Sobre o uso, pelo STJ, da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 729.º do CPC, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A1528, de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A759, de 13-09-2007, proferido no processo n.º 07B1827, e de 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2739.
Tal uso só se justifica quando a matéria apurada se revelar insuficiente para a apreciação jurídica a que o STJ procederá, como tribunal de revista - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06S789, de 12-01-2006, proferido no processo n.º 05S2655, de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1263, de 09-05-2006, proferido no processo n.º 06A1001, de 02-03-2006, proferido no processo n.º 06B514, de 24-02-2005, proferido no processo n.º 04B4164, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3513 (este especialmente detalhado), de 06-05-2004, proferido no processo n.º 04B1409, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 07A091.
O STJ pode ainda ordenar a baixa do processo, nos termos da mesma norma, para que se sanem contradições nas respostas à matéria de facto - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2005, proferido no processo n.º 05B531, de 11-01-2005, proferido no processo n.º 04A3357, de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03P2032, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06A4375.
3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3437: "Invocando o Autor empreiteiro, como fundamento da sua pretensão indemnizatória o incumprimento do contrato de empreitada, consubstanciado no facto da Ré (não empreiteira mas dona do imóvel onde decorriam as obras não lhe permitir o acesso à obra que trazia de empreitada), por isso resolvendo o contrato, e considerando o Tribunal a acção procedente, não por esse facto, mas por considerar que houve tácita desistência do contrato de empreitada por parte do dono da obra, a decisão é nula por ter considerado causa de pedir não invocada, pelo que, nessa parte, o Acórdão confirmatório da apelação enferma de nulidade.
Em função da declaração de nulidade com o referido fundamento compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do mérito da pretensão – sistema de substituição – art. 731º, nº1, do Código de Processo Civil."
Nota - As excepções que não sejam de conhecimento oficioso (como a anulabilidade ou a excepção de não cumprimento, por exemplo) têm forçosamente que ser invocadas pelas partes, ao contrário daquelas que são de conhecimento oficioso (como a nulidade, por exemplo). O tribunal, ao conhecer daquelas sem que sejam invocadas, viola o disposto no artigo 660.º do CPC. No mesmo sentido (numa hipótese de excepção de não cumprimento), cfr. os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2006, proferido no processo n.º 06A3796, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-09-2007, proferido no processo n.º 6601/2007-6. Também a desistência do contrato de empreitada, enquanto matéria de excepção que a lei não permite ao tribunal conhecer oficiosamente, terá que ser necessariamente alegada pelo réu.
Questão diferente é, porém, a de saber se o tribunal deve tomar em considerar a excepção no caso de o réu apenas alegar os factos a ela correspondentes, sem contudo a individualizar devidamente. Em sentido afirmativo, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-1971, in BMJ n.º 211, pág. 297, e do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2001, proferido no processo n.º 0150255.
Para outros desenvolvimentos sobre o conhecimento oficioso da matéria de excepção, cfr. a anotação que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2006, proferido no processo n.º 06B4220.
4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3570:
"A interpretação do testamento deve ser subjectiva.
A determinação da real vontade do testador é tarefa das instâncias. Ao STJ apenas cabe sindicar se na busca da real vontade do testador foram respeitados os critérios interpretativos consagrados na lei."
Nota - A conclusão do acórdão ajusta-se à função do STJ enquanto tribunal de revista.
A conclusão de que ao Supremo não cabe interpretar a vontade do testador, por se tratar de matéria de facto reservada às instâncias vem já do muito antigo assento de 19-10-1954, proferido no processo n.º 055385 (também in BMJ n.º 45, pág. 152, e ainda no Diário do Governo, I série, de 05-11-1954). No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07B086 (com um voto de vencido), e de 13-01-2004, proferido no processo n.º 03A3822.
No entanto, já se decidiu também que "a interpretação da vontade real do testador, se feita unicamente com recurso ao texto do testamento, é uma questão de direito de que o STJ pode conhecer", como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B2624, na linha dos acórdãos do mesmo tribunal de 23-10-2003 e de 23-01-2001 (estes não publicados na íntegra, ao que sei, embora disponíveis nos Sumários do STJ).
Como separar, então, as águas? O critério deverá ser o seguinte: se realizada unicamente através de documentos, pode admitir-se a interpretação da vontade do testador pelo Supremo (cfr. o dito acórdão de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B2624, e, implicitamente, o de 30-01-2003, proferido no processo n.º 02B4448), mas se a determinação dessa vontade houver que fazer-se "perante a avaliação dos meios complementares de prova destinados a fixar e a surpreender a vontade real do testador", então terá que reservar-se às instâncias a possibilidade de o fazer, pois a decisão assentará em meios de prova sujeitos a livre apreciação do julgador - cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2003 (não publicado na íntegra, ao que sei, embora disponível nos Sumários do STJ). De uma forma lapidar, escreveu-se no acórdão do mesmo tribunal de 02-03-2006, proferido no processo n.º 3282/05, da 2.ª secção: "de um lado tem-se a determinação da vontade real do testador, apurada através de prova complementar, efectuada pelas instâncias (matéria de facto); do outro, a verificação se na determinação feita foram atingidas as disposições substantivas aplicáveis (matéria de direito), designadamente, a constante do art. 2187.º, n.º 2, 2.ª parte".
Cfr. ainda, no sentido apontado, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2005, proferido no processo n.º 05B314, de 26-10-2004, proferido no processo n.º 2117/04, da 1.ª Secção, de 30-04-1997, proferido no processo n.º 96A524, de 14-01-1997, proferido no processo n.º 96A316, de 31-05-1990, proferido no processo n.º 077199 (também in BMJ n.º 397, pág. 490).
Veja-se ainda o acórdão do mesmo Tribunal de 01-10-1996, proferido no processo n.º 088348: "Averiguar qual foi a efectiva vontade do testador, com o objectivo de determinar o sentido com que o testamento há-de valer, é questão de facto; mas saber se o sentido correspondente à vontade real do testador satisfaz a exigência de um mínimo de correspondência com o contexto do testamento é questão de direito", na linha dos acórdãos do mesmo tribunal de 02-06-1998, proferido no processo n.º 98A445, do já citado de 30-04-1997, proferido no processo n.º 96A524, e de 19-09-2002, proferido no processo n.º 02B2380.
Tem sido este o entendimento largamente maioritário no Supremo, distinguindo, pois, os meios de prova em que assenta a interpretação da vontade do testador, sendo coerente com a ideia de que o mais alto tribunal não pode valorar a prova sujeita à livre apreciação do julgador - testemunhal ou pericial, por exemplo -, mas apenas julgar se a sua consideração para comprovação de certo facto viola ou não as regras de direito probatório material que fixam a admissibilidade e valor (legal) dos meios de prova (cfr. também, a este respeito, a jurisprudência citada em nota ao acórdão seguinte).
Tem sido este o entendimento largamente maioritário no Supremo, distinguindo, pois, os meios de prova em que assenta a interpretação da vontade do testador, sendo coerente com a ideia de que o mais alto tribunal não pode valorar a prova sujeita à livre apreciação do julgador - testemunhal ou pericial, por exemplo -, mas apenas julgar se a sua consideração para comprovação de certo facto viola ou não as regras de direito probatório material que fixam a admissibilidade e valor (legal) dos meios de prova (cfr. também, a este respeito, a jurisprudência citada em nota ao acórdão seguinte).
Vejam-se, ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do mesmo tribunal de 05-12-2006, proferido no processo n.º 06A3883, de 11-05-2006, proferido no processo n.º 06B1501, de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B2210, de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1981.
Cfr. também, para outras consequências da distinção entre meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador e meios de prova legais, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2007, proferido no processo n.º 3454/03.0TBLRA.C1 e a nota que, sobre ele, deixei aqui.
Esta distinção entre meio de prova sujeito a livre apreciação do juiz e meio de prova legal, leva, também, a distinguir a natureza do julgamento da matéria de facto através de uns e outros daqueles meios. O exame crítico das provas a que se refere o n.º 3 do artigo 659.º do CPC não se confunde com o exame crítico das provas a que se refere o n.º 2 do artigo 653.º do CPC, referindo-se esta última norma aos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador. Sobre a primeira, veja-se este post, no ponto "2)". Sobre a segunda, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B3070, de 11-10-2005, proferido no processo n.º 05B3035, de 16-02-2006, proferido no processo n.º 06B311, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 05B870, e de 15-04-2004, proferido no processo n.º 04B1023. Especificamente sobre a diferença entre o "exame crítico das provas" numa e noutra, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A2900, e de 10-05-2005, proferido no processo n.º 05A963 (neste, embora o STJ centre a sua argumentação no artigo 655.º, as considerações que tece referem-se mais propriamente o artigo 653.º, n.º 2), e de 16-12-2004, proferido no processo n.º 04B3896, de 16-03-2004, proferido no processo n.º 03A4381.
Como refere Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, pág. 175, "a distinção entre meio de prova legal e meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (meio de prova livre) leva a uma repartição de funções entre o juiz da matéria de facto e o juiz que profere a sentença". Com base na jurisprudência analisada, pode-se-ria acrescentar, pois, que a discussão sobre o meio de prova legal pode levar-se até ao Supremo e a que se centra no meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador se fica pelas instâncias.
Etiquetas: ampliação da matéria de facto, apelação, excepção peremptória, impugnação da matéria de facto, jurisprudência STJ, matéria de facto, nulidade da decisão
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