quinta-feira, outubro 18, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto (parte 2 de 2)

1) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2007, proferido no processo n.º 0734208:
"Da conjugação dos conceitos de empresa e de consumidor com o de condomínio decorre que o regime da injunção não abrange o contrato de empreitada entre uma empresa e um condomínio, entendido este como a figura definidora de uma coisa sobre a qual coexistem vários direitos privativos de natureza dominial, a qual não desenvolve uma actividade económica ou profissional autónoma".

Nota - Não conheço outro acórdão que se pronuncie directamente sobre esta matéria, mas parece-me ajustada a decisão.
Considerando, fora do contexto da injunção, o condomínio como um consumidor na relação com um empreiteiro, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 06-10-2003, proferido no processo n.º 0354248, do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-03-2007, proferido no processo n.º 10092/06-6, de 12-12-2006, proferido no processo n.º 6315/2006-7, e de 02-02-2006, proferido no processo n.º 2407/2005-6, e ainda, menos explicitamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2004, proferido no processo n.º 04B1686, por sua vez seguido e citado pelos acórdãos da Relação do Porto de 24-05-2007, proferido no processo n.º 0732332, e de 29-06-2006, proferido no processo n.º 0633332.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2007, proferido no processo n.º 0733936:
"Sendo o título executivo uma letra que não vale como letra, por lhe faltar a data de emissão, inexiste título para demandar os avalistas, já que no documento não está demonstrada, mesmo na aparência, a obrigação como fiadores e, por outro lado, no requerimento executivo não se alegou, sequer, que na base do “aval” está o negócio extra-cambiário da fiança (não sendo na contestação da oposição à execução o local adequado a tal efeito)".

Nota - Parece inteiramente de subscrever a posição deste acórdão.
Existem dois planos de relações jurídicas em causa nas letras de câmbio, como se sabe: o plano da relação jurídica subjacente e o plano da relação jurídica cambiária. As mesmas pessoas podem ser - e é normal que sejam - avalistas na relação cambiária e fiadoras na relação subjacente. Da independência daqueles dois planos, porém, decorre que cada um deles se encontra sujeitos a regras próprias, não se transmitindo os vícios (nem os direitos) de uma relação à outra relação, sem prejuízo da possibilidade de invocação de ambas nas relações imediatas.
No caso concreto, era evidente que o título não valia, formalmente, como letra. Assim sendo, não poderia sustentar a execução da obrigação cambiária dos avalistas/executados. Note-se que estes foram demandados precisamente "na qualidade de avalistas da primeira executada", ou seja, são os próprios exequentes que escolhem, no requerimento executivo, invocar as relações cambiárias.
Ainda se poderia, claro está, colocar a hipótese de, não valendo o título como letra, se considerar que esta configuraria documento particular em que os executados reconheceriam ser devedores da obrigação em causa, mas seria sempre necessário invocar a relação subjacente (fiança), o que não aconteceu no caso concreto, a não ser na contestação da oposição à execução, cujo fim não é, claro está, suprir as insuficiências do requerimento executivo.
Encontra-se muita jurisprudência em que questões semelhantes se levantam nas hipóteses em que é dado à execução um título de crédito prescrito. Este poderá, ainda, constituir título executivo, desde que seja invocada, no requerimento inicial, a relação subjacente, e esta não consubstancie negócio jurídico formal - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2002, in CJ, tomo I, pág. 64,
de 09-03-2004, proferido no processo n.º 03B4109 (com declarações de voto discordantes no que toca à possibilidade de o título prescrito poder valer como título executivo), do Tribunal da Relação do Porto de 16-05-2005, proferido no processo n.º 0551108, de 14-02-2005, proferido no processo n.º 0457128, e de 07-10-2003, proferido no processo n.º 0323726, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2005, proferido no processo n.º 2070/2005-6.
Quanto à suficiência da alegação da causa de pedir, não me parece ser de subscrever a doutrina do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0433578, no sentido segundo o qual a relação subjacente se presume, na apresentação à execução do título de crédito prescrito, doutrina essa que, de forma mais mitigada, também parece surgir no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03B3056, onde se defende que basta uma indicação muito genérica da relação jurídica subjacente para considerar devidamente alegada a causa de pedir: "tendo-se feito na letra menção expressa e literal a "transacção comercial/reforma de outras letras", dúvidas não restam de que, quer representem o valor de transacções comerciais propriamente ditas, quer respeitem a reformas de letras anteriores com as mesmas conexionadas, respeitam a dívidas de quem se obrigou a pagá-las e a obrigações de natureza comercial entre os sujeitos subscritores previamente estabelecidas. Haverá, nesta sede, que fazer funcionar (a favor do credor-exequente) o princípio da presunção de existência da relação fundamental, competindo, por isso, ao devedor-executado o encargo de demonstrar que, apesar dessa menção/alusão nos questionados documentos das respectivas fontes obrigacionais, tal relação fundamental era afinal, e na realidade, inexistente".
Foi precisamente num contexto muito semelhante que, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07P1999, se entendeu que a mera invocação de uma "transacção comercial", não concretizada, é insuficiente para que se considere alegada a relação subjacente (trata-se de uma falta que podemos considerar de algum modo paralela à alegação meramente conclusiva da causa de pedir, na petição inicial).
Para uma formulação precisa e descrição da evolução doutrinária e jurisprudencial sobre o conceito de causa de pedir na acção executiva, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 19-12-2006, proferido no processo n.º 06B3791, e, complementarmente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, proferido no processo n.º 6554/2005-7 (este adaptando o critério também às execuções de títulos cambiários sem invocação da relação subjacente), e do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-10-2005, proferido no processo n.º 2270/05.
Para aplicações práticas do conceito, hoje tendencialmente ultrapassado, de que a causa de pedir, na execução, é o título, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 22-05-2001, proferido no processo n.º 0021602, de 13-03-2001, proferido no processo n.º 0021365, e de 18-01-2000, proferido no processo n.º 9950873.
Não se trata de uma mera questão conceptual, havendo consequências práticas da opção tomada. Veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 14-06-2002, proferido no processo n.º 0230707: "Tem uma corrente doutrinária e jurisprudencial vindo a entender que, quando um título de crédito é apresentado como título executivo, mas enquanto mero quirógrafo, ou seja, como documento particular, consubstanciador da relação subjacente, causal ou fundamental, tem o exequente de invocar a causa da obrigação, ou seja, os factos que consubstanciam a existência de uma obrigação do executado para consigo, no requerimento inicial da execução (quando não conste do título), para, designadamente, poder ser impugnada pelo executado, não o podendo fazer posteriormente, sem o acordo do executado, por tal implicar alteração da causa de pedir (neste sentido, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., 54; Ac. do STJ, de 30.1.2001, CJ/STJ, 2001, I, 85 e da RP, de 13.1.2000, BMJ, 493º-417, entre outros)".


3)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-10-2007, proferido no processo n.º 0754311:
"A citação do titular inscrito no registo predial de bens cuja penhora foi ordenada só deve fazer-se se esse titular não for o executado e deve efectuar-se na pessoa daquele que à data for efectivamente o actual titular inscrito, pois apenas a esse pode ser exigido que preste as informações necessárias à averiguação da titularidade do bem penhorado".

Nota - Quanto a saber se o próprio executado deve ser chamado nos termos do artigo 119.º do Código do Registo Predial, a resposta negativa decorre directamente da letra do n.º 1 daquela norma: "havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência de bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou o direito lhe pertence" - cfr. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 30-11-2006, proferido no processo n.º 06B4244.
Trata-se, aqui, de uma verdadeira citação, a que devem aplicar-se as regras da invalidade do acto previstas no CPC (cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 19-01-2006, proferido no processo n.º 10069/2005-6), como já defendi em nota ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-02-2007, proferido no processo n.º 409/2007-1, que pode encontrar-se aqui.
A questão que se levantava concretamente no acórdão era apenas esta: quando se refere ao titular inscrito, o artigo 119.º, n.º 1 do Código Registo Predial reporta-se ao momento da penhora ou ao momento em que se ordena a citação ali prevista. Na decisão anotada considerou-se, a meu ver bem, que releva ali o momento em que se determina a citação, pois, como ali se refere, citando a decisão recorrida, "chamar agora quem já não é dono do veículo (...) ainda que fosse o titular inscrito no acto da penhora, em nada adiantava para efeitos da prossecução ou não da execução, pois declararia simplesmente não ser seu dono, pelo que a melhor interpretação a efectuar deste normativo seja a de que a citação deve ser efectuada ao actual titular inscrito no registo, pois apenas a ele lhe pode ser exigido que preste as informações necessárias à averiguação da titularidade do bem penhorado".


4)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-10-2007, proferido no processo n.º 0753577:
"Sendo instrumental relativamente à acção declarativa, a restituição provisória de posse está igualmente sujeita ao prazo de caducidade previsto no art. 1282.º do CC. O mesmo prazo se aplica ao procedimento cautelar comum possessório.
(...)."
.

Nota - No mesmo sentido, quanto à aplicação do prazo de caducidade previsto no artigo 1282.º do CC à restituição provisória da posse, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 19-12-2005, proferido no processo n.º 0556451, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-11-1999, proferido no processo n.º 1110/99. É uma solução que faz todo o sentido. Estranho seria que, determinando a lei substantiva a caducidade do direito, pudesse o mesmo continuar a obter a tutela provisória no procedimento cautelar, sendo esta instrumental em relação àquele.

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