quarta-feira, março 14, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 409/2007-1:
"A citação dos herdeiros do titular da inscrição a que se reporta o artº 119º nº2 do C. do Registo Predial, desde que aqueles sejam conhecidos e localizados, deve ser feita via pessoal e não via edital, sendo que esta via apenas pode ser usada para os casos de ausência também em tal segmento normativo previstos.
A necessidade de obediência e vinculação ao caso julgado e sua consequência: extinção do poder jurisdicional do juiz (artº 666º do CPC) varia consoante a decisão seja a sentença de mérito final – caso em que tal necessidade é tendencialmente absoluta - ou seja um mero despacho interlocutório que não faça o acertamento definitivo dos interesses em causa, devendo, neste caso, tais figuras serem perspectivadas em termos mais mitigados ou maleáveis, a definir em função das circunstâncias de cada caso, de sorte a operar um justo equilíbrio entre os princípios da certeza, segurança e coerência e os não menos relevantes fitos da obtenção da justiça com maior celeridade e economia de meios possíveis".

Nota - Salvo melhor opinião, no caso em apreço era desnecessário que o acórdão tratasse o problema pelo prisma - muito trabalhoso - da "flexibilidade" do caso julgado formal.
Na verdade, se se conclui - e bem, a meu ver - que não deveria ter sido determinada a citação edital no caso concreto, estaríamos perante falta de citação, nos termos do artigo 195.º, al. c) do CPC, que constitui nulidade de conhecimentos oficioso (cfr. artigos 194.º e 202.º do CPC). Em face desta, poderia o juiz ter anulado a citação, o que determinaria a anulação dos actos posteriores (no caso, incompatíveis com essa citação). Estas regras devem ter-se por aplicáveis à citação por força do artigo 119.º do Código do Registo Predial, já que se trata de uma verdadeira citação, sujeita ao respectivo regime processual, incluindo o das nulidades (cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-01-2006, proferido no processo n.º 10069/2005-6). Mas ainda que não se considerasse aplicável o regime da falta de citação, qualquer vício da mesma seria, neste caso, de conhecimento oficioso, por se tratar de citação edital (cfr. artigos 202.º e 198.º, n.º 2, 2ª parte do CPC).
Esta seria, para mim, a fundamentação correcta da decisão. Pela via do regime das nulidades processuais (a falta de citação, em bom rigor, não determina nulidade, mas inexistência do acto, embora siga o regime de "nulidade principal"), a solução seria a mesma a que chegou o acórdão e, para além de - insisto - ser a mais correcta, não se enfrentaria a dificuldade
de "flexibilizar" o caso julgado formal, que não parece ter apoio legal.


2) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 8705/2007-1:
"Quer na elaboração dos despacho saneador “hoc sensu”, quer na selecção da matéria de facto, quer na admissão dos meios probatórios, o julgador deve desempenhar uma função saneadora e de síntese (sempre salvaguardados – mas com racionalidade e contenção - os direitos dos litigantes na exposição e defesa das suas posições), no sentido de tornar o processo escorreito e expurgado de coisas, factos ou situações meramente excrescentes, circunstanciais ou acessórias, tudo em benefício dos princípios da economia e da agilização processuais, com vista á consecução de uma decisão célere.
Assim, numa acção em que o facto nuclear a apurar, consiste na celebração, ou não, de um contrato de empreitada entre duas sociedades atinente à realização de obras em certa loja comercial e solicitada que foi prova pericial, não é admissível a formulação dos seguintes quesitos aos peritos: 1- A escrita da sociedade…, Lda. está organizada e merece fé e crédito? 2- Desde a sua constituição, quais foram as obras executadas pela sociedade e quais os respectivos valores?
Sendo a peritagem um meio de prova, não alterando ou condicionando a essência dos efeitos jurídicos dos factos oportunamente alegados e seleccionados, ela apenas pode incidir sobre estes factos e não constituindo as afirmações ou conclusões dos peritos factos supervenientes, constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado. Consequentemente não pode a prova pericial ser usada para se introduzir factualismo novo, quer através das perguntas colocadas aos peritos, quer mediante a formulação de articulado superveniente com base em tais conclusões.
A prova de um contrato de empreitada, alegadamente celebrado entre duas sociedades comerciais, apenas pode ser efectivada, atento o disposto nos artºs 655º nº2 do CPC e 63º nº1 do CSC que estatui que «As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias…», mediante a apresentação da respectiva acta".

Nota - Concordo inteiramente com as conclusões dos três primeiros parágrafos. Discordo, porém, salvo melhor opinião, da que consta do último parágrafo, tal como ali se apresenta escrita.
É certo que os tribunais têm entendido que não pode dar-se como provada a deliberação social em assembleia sem a respectiva acta, não obstante aceitarem tratar-se de uma formalidade
ad probationem, como se afirma, por exemplo nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-03-1999, proferido no processo n.º 99A072, e de 27-06-2002, proferido no processo n.º 02B1998 (note-se que tal afirmação deve ser entendida, claro está, sem prejuízo da possibilidade de provar a deliberação social que haja sido tomada fora de assembleia geral regularmente convocada, por outro meio admitido, como seja a deliberação unânime por escrito).
No entanto, daqui resulta apenas que o facto "deliberação social" só pode ser provado através da acta da assembleia. Mas o facto "celebração de contrato de empreitada" não se confunde com o facto "deliberação social" que tenha esse contrato por objecto. Pode o referido contrato ser celebrado pelos gerentes, sem deliberação social anterior. Poderá, depois, o tribunal partir deste facto para analisar se a celebração pelos gerentes é, no caso concreto, válida, mas não pode generalizar a conclusão de que a prova da celebração de um contrato só pode fazer-se através da deliberação social, até mesmo porque a celebração do contrato, como acto que projecta os seus efeitos para o exterior da sociedade, deve caber à gerência, que a representa perante terceiros, e não à assembleia, que forma a sua vontade.



3) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 4966/2006-1:
"É ao recorrente que incumbe o ónus de indicar quais os concretos meios probatórios com vista à requerida “dispensa” do pagamento da multa liquidada nos termos do nº 6 do artº 145º do CPC por extemporânea apresentação do requerimento de interposição de recurso, não competindo ao Tribunal decidi-lo oficiosamente.
A comprovação da situação económica do recorrente com vista à dispensa do pagamento da multa processual devida pela apresentação extemporânea de requerimento de recurso insere-se nos chamados incidentes atípicos da instância, a que devem ser aplicadas as regras ínsitas nos artºs 303º e segs. do CPC, resultando, assim, existir uma restrição à apresentação de provas supervenientes em articulados autónomos daqueles que são expressamente referidos no citado preceito legal".


4) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 10819/2006-1:
"O erro na decisão da matéria de facto tem de ser especificamente impugnado, nos termos prescritos no artº 690º-A do CPC, não integrando qualquer das nulidades previstas no artº 668º do CPC."

Nota - Como se refere na fundamentação da decisão, esta conclusão diz respeito ao puro erro de julgamento da matéria de facto, sem prejuízo, claro está, das nulidades constantes do artigo 668.º que possam relacionar-se com a matéria de facto (não especificação dos fundamentos de facto, por exemplo).

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2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Não se compreende esta insistência do exequente, depois de saber da “reivindicação” da herdeira.
Entenderia ele que o art. 119.º do CRP consagra uma modalidade de expropriação contra a própria realidade do registo e desconsiderando a realidade substantiva?

Ainda que a situação de ausência se verifique, o terceiro titular inscrito regularmente citado por éditos (ou os ditos herdeiros) não está inibido de, quando tome conhecimento da penhora, embargar de terceiro ou, mesmo, obter nos meios comuns o reconhecimento da sua propriedade.
Aquilo que se obtém mediante o cumprimento de ónus probatórios rigorosos numa acção declarativa - o reconhecimento da propriedade de alguém (no caso o executado) - não pode ser obtido por esta via, dando ao silêncio em efeito translativo da propriedade ou preclusivo da sua reivindicação.
A partir do momento em que há uma “reivindicante”, esta insistência (recurso) só pode fundar-se na crença (ingénua?) de que a alegada proprietária não irá protestar pela reivindicação e recorrer aos meios comuns - frustrando, mais tarde ou mais cedo, a execução deste bem.

3/14/2007 7:01 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Não terá havido uma razão muito consistente para insistir no recurso, é verdade.

Pode, no entanto, a motivação ser extrajurídica, como tantas vezes é (vontade do cliente, do advogado, ou de ambos, no sentido de "tentar tudo")...

3/15/2007 10:53 da manhã  

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