terça-feira, junho 12, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 19-04-2007, proferido no processo n.º 593/07-1:
"O bem penhorado que recai no direito do executado como locatário, no âmbito de contrato de locação financeira, de determinado prédio urbano destinado a habitação, consubstancia uma penhora efectivada numa expectativa jurídica por parte do executado cujo objecto é a aquisição de um imóvel e o regime legal a observar neste caso é o que está especialmente descrito no art.º 860.º -A, do C.P.Civil, inserido sistematicamente na categoria de “penhora de direitos”.
À penhora de direitos assim solidificada não se aplicam os efeitos substantivos e processuais da penhora sobre o imóvel abstractamente naquela contido - muito embora o exequente (consumada a aquisição) deva inscrever no registo a penhora que, doravante, passa a incidir sobre o bem transmitido, os seus efeitos não se retrotraem à data da realização da penhora da expectativa ou do direito de aquisição, uma vez que a penhora do direito ou a expectativa de aquisição não é registável;
A realização da penhora assim concretizada não está dependente nem sujeita às regras do registo inerentes a imóveis e torna-se eficaz com a notificação à pessoa de quem o executado pode vir a adquirir o direito acordado no pacto celebrado"
.

Nota - Num tempo em que o domínio sobre as coisas cede terreno, na esfera jurídica de muitas pessoas, face ao simples direito ao uso delas, será cada vez mais frequente encontrar a penhora a incidir sobre direitos diferentes da propriedade. No que toca à locação financeira, não parece levantar dúvidas que o direito a adquirir a coisa locada, ainda que condicional, se mostra penhorável.
No entanto, estas hipóteses obrigam a uma articulação nem sempre fácil entre o regime da penhora e o do contrato de locação financeira.
No caso apreciado no acórdão anotado, o contrato de locação financeira tinha por objecto um imóvel. Na decisão considerou-se - acertadamente, a meu ver - que:
(i) enquanto não se consumar a aquisição, a penhora não é registável;
(ii) consumada a aquisição, poder-se-á registar a penhora, que passará a incidir sobre a coisa adquirida; e
(iii) os efeitos desse registo não retroagem à data da penhora do direito.
Quanto à aplicabilidade às hipóteses de locação financeira do regime do artigo 860.º-A do CPC, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de
de 28-01-2002, proferido no processo n.º 0151536 e de 27-04-2006, proferido no processo n.º 0632167.


2)
Acórdão de 15-03-2007, proferido no processo n.º 413/07-1:
"1. Caracterizando-se a transacção judicial como um “contrato processual”, por isso não é a homologação judicial da transacção que decide a controvérsia substancial trazida a juízo pelas partes, mas tão-só fiscalizar a regularidade e a validade de tal pacto,
2. Sendo o litígio resolvido por vontade exclusivamente das partes e não ex vi da sentença homologatória proferida pelo Juiz, deste contexto fica excluída qualquer aproximação ao conceito de sentença referenciado no n.º 1 do artigo 671.º, do C.P.Civil e dele nos teremos de arredar no enquadramento da definição de caso julgado. Esta matéria assim abordada não materializa a excepção do caso julgado, patenteando, isso sim, uma excepção inominada de transacção homologada por sentença transitada em julgado.
3. Estando consignados na lei (art.º 813.º do C.P.Civil) os fundamentos da oposição a deduzir à execução de sentença e deles não constando, nem deles se podendo inferir, que a embargante/executada poderia opor à exequente os vícios da vontade que terão falseado a autenticidade do acordo assim celebrado - poderia invocar quaisquer causas que, nos termos da lei civil, importam a nulidade ou anulabilidade, mas já não a ineficácia stricto sensu, da confissão ou da transacção (v.g., dolo erro, simulação, incapacidade, etc.) - a acção declarativa é o lugar próprio para a apreciação, discussão e julgamento dos alegados erros que terão presidido à viciação da vontade expressa na dita transacção, disso não ficando impedida pela circunstância de lhe ter sido denegada a possibilidade de poder fazer valer esta denunciada prerrogativa nos embargos de executado que deduziu à execução da sentença"
.

Nota - A posição subscrita neste acórdão e que se pode encontrar em outros (v.g. os do Supremo Tribunal de Justiça
de 18-05-2006, proferido no processo n.º 05S4237 e de 30-10-2001, proferido no processo n.º 01A2924) pode resume-se ao seguinte: não se forma caso julgado sobre a sentença homologatória de transacção.
A construção destas decisões tem assentado nos argumentos que constam da segunda parte do sumário, ou seja, "sendo o litígio resolvido por vontade exclusivamente das partes e não ex vi da sentença homologatória proferida pelo Juiz, deste contexto fica excluída qualquer aproximação ao conceito de sentença referenciado no n.º 1 do artigo 671.º, do C.P.Civil e dele nos teremos de arredar no enquadramento da definição de caso julgado. Esta matéria assim abordada não materializa a excepção do caso julgado, patenteando, isso sim, uma excepção inominada de transacção homologada por sentença transitada em julgado".
Não me convence esta argumentação. Parece-me demasiado (e desnecessarimente) forçada, na busca de um efeito diferente do caso julgado para a homologação da transacção.
Alinho, assim, por outra ala da jurisprudência
, que encontra excelente representação no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 25-03-2004, proferido no processo n.º 03B4074. Transcrevo uma parte da sua fundamentação, quanto a este problema, que me parece particularmente feliz:
"É que "a sentença homologatória de transacção ... constitui, no nosso direito, uma sentença de condenação como as restantes, sem prejuízo de os actos dispositivos das partes que a determinam estarem, como negócios jurídicos de direito civil, sujeitos a um regime de impugnação que não se confunde com o da sentença homologatória, da qual resulta, designadamente, o efeito da exequibilidade".
E assim, in casu, independentemente da questão de saber se o teor da transacção será compatível com a natureza da execução específica, não se pode duvidar de que, tendo essa transacção sido homologada por sentença transitada em julgado, mesmo na parte em que a ré se obrigou a celebrar a escritura de compra e venda - obrigação de facere - sempre poderá servir de fundamento a uma execução para indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação, nos termos do artigo 933º.
Depois, ter-se-á em consideração que, sendo além do mais a transacção um negócio jurídico típico e nominado - "é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões" (art. 1248º, nº. 1, do C.Civil) - ela se destina a pôr termo a litígio pendente.
Na verdade, "a transacção, do ponto de vista substantivo, é um acordo vinculativo pelo qual as partes previnem ou terminam um litigio, mediante recíprocas concessões ou dando uma à outra alguma coisa em troca do reconhecimento do direito em litígio - art. 1248º do CC".
E o simples facto de "uma transacção ser efectuada em audiência e homologada por sentença, não lhe retira o carácter e natureza contratual: consiste num contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, através das quais se podem até constituir, modificar ou extinguir direitos diversos do direito controvertido".
Por isso, "transitada em julgado uma sentença homologatória de transacção, a força obrigatória da referida decisão sobre a relação material controvertida impõe-se dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos arts. 497º e seguintes - art. 671º, nº. 1, do C.Proc.Civil".
Ademais, embora revista natureza substantiva ou material, a transacção "comporta teleologicamente uma evidente dimensão processual: visa, em última análise, pôr fim a um litígio pendente e, por isso mesmo, é exigida ainda a respectiva homologação por sentença do juiz do processo, que condenará ou absolverá os transaccionantes nos seus precisos termos (art. 300º, nºs. 3 e 4, do Cód. de Processo Civil). Isto é, a sentença homologatória como que se apropriará das cláusulas do contrato de transacção e, em conformidade com o aí concertado pelas partes e tendo ainda por referente a própria controvérsia litigiosa, condená-las-á ou absolvê-las-á correspondentemente. Tal sentença homologatória, que inicialmente arranca da transacção lavrada no processo, em acta ou termo, ou fora do processo, em documento autêntico ou particular, acaba assim por ganhar e adquirir, pelo principio da absorção, valência a se. Ou dito de outro modo, tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera"
.
Este acórdão colhe parte da sua fundamentação em outras decisões, designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 26-04-2001, proferido no processo n.º 803/01, da 7.ª secção, de 08-05-2003, proferido no processo n.º 03B329 (embora, à primeira vista, o sumário possa levantar dúvidas quanto à posição do STJ neste processo, a fundamentação é clara no sentido em que "o instituto do caso julgado abrange não só as sentenças contenciosas, mas ainda as sentenças homologatórias de transacções, sem prejuízo da sua eventual e ulterior revisão"), de 04-11-1993, proferido no processo n.º 084541(a ligação anterior remete apenas para o sumário, podendo o texto integral encontrar-se em PDF do no BMJ n.º 431, págs. 417 e ss.), e do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2000, proferido no processo n.º 0050039 (com texto integral in CJ, tomo II, pág. 186).
Cfr. ainda, no mesmo sentido destas últimas e contra a decisão anotada, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 12-01-1993, proferido no processo n.º 082928, de 24-03-1992, proferido no processo n.º 080720 (cfr. ponto VIII do sumário e respectiva parte da fundamentação), do Tribunal da Relação do Porto de 25-10-1999, proferido no processo n.º 9950953, do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-02-1992, proferido no processo n.º 0034196 (implicitamente, ao analisar a extensão do efeito de caso julgado de uma transacção judicial), de 03-12-1997, proferido no processo n.º 0040574 (este chegando até ao extremo, com o qual não concordo, de considerar não ser necessária sequer a homologação do acordo para que se forme caso julgado), de 07-02-1991, proferido no processo n.º 0015846, e de 24-06-1999, proferido no processo n.º 0029646. Cfr. ainda as indicações da nota de rodapé 4 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2002, proferido no processo n.º 02B899.
No sentido da decisão anotada, cfr., para além dos supra citados, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 02-07-1992, proferido no processo n.º 9150721.
Finalmente, na doutrina, pela solução que defendi, com mais desenvolvimentos, veja-se LEBRE DE FREITAS, A acção executiva, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, págs. 50 e ss. (parte "B." do ponto 3.3.5.), que aliás é expressamente citado na primeira parte realçada a negrito da transcrição da fundamentação do acórdão do STJ de 25-03-2004, proferido no processo n.º 03B4074.

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