quinta-feira, março 29, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 20-03-2007, proferido no processo n.º 951/05.6TJCBR.C1:
"Sendo a petição inicial um todo, o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p.i., está, no entanto, claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes".

Nota - Em sentido aproximado, cfr. os acórdãos do STJ de 24-01-1995, in CJ, I, pág. 39 e de 03-02-1993, in BMJ 424, pág. 748 (citados na decisão).
Nem sempre há decisões tão favoráveis ao autor (por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2003, proferido no processo n.º 02S3742, não se aceitou que o pedido pudesse resultar do segmento de narração da petição inicial, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-01-1994, proferido no processo n.º 0061016, também in BMJ 433, 607, considerou-se que por pedido se entende
"unicamente a pretensão formulada na conclusão da petição inicial independentemente de quaisquer factos constantes da parte narrativa deste articulado").
No entanto, parece inegável que, actualmente, devemos admitir, em geral, e ressalvadas hipóteses excepcionais, o aproveitamento dos actos processuais com erros meramente formais, que não atinjam o seu conteúdo, ainda que com recurso, nos articulados, ao convite ao aperfeiçoamento. Aliás, se este convite se justifica quando existem omissões ou imprecisões de fundo (como uma alegação incompleta da causa de pedir, por exemplo), mais razão haverá para admiti-lo quando a falha é meramente formal.
Questão diferente é a de saber se a omissão do convite ao aperfeiçoamento configura nulidade processual. Sobre tal assunto, disponibilizei já aqui um levantamento de jurisprudência.


2) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 667/05.3TBGRD.C1:
"Os honorários forenses, enquanto espécie indemnizatória específica, estão contemplados na chamada procuradoria, prevista nos artºs 40º e segs. do C.C.J.
Há mais de um século que a nossa lei utiliza o conceito procuradoria com o significado de compensação pelo vencido ao vencedor do litígio em razão do dispêndio com o patrocínio judicial.
Só assim não sucede, ou seja, só se procede a uma ponderação indemnizatória específica de tais despesas em termos da sua atribuição a quem as desembolsou, no quadro excepcional da condenação por litigância de má fé – artº 457º, nº 1, al. a), do CPC".

Nota - Há poucos dias (em 16 de Março), dei aqui notícia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B220, no mesmo sentido da decisão em análise quanto à questão do pagamento dos honorários ao mandatário da contraparte. Trata-se de uma posição pacífica na jurisprudência. Para uma hipótese (excepcional) de responsabilização naqueles termos, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-11-2006, proferido no processo n.º 7390/2006-1.


3) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 2980/05.0YRCBR:
"Uma acção de divórcio extingue-se, em regra, com a morte de um dos cônjuges, uma vez que a morte constitui uma causa de dissolução do casamento.
Tendo o casamento sido extinto por morte, será escusado o prosseguimento da acção para obter a dissolução desse casamento.
Porém, a lei permite, excepcionalmente, aos herdeiros do cônjuge falecido o prosseguimento da acção de divórcio para efeitos patrimoniais.
Com efeito, estabelece o artº 1785º, nº 3, do C. Civ., que “o direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, nomeadamente os decorrentes da declaração prevista no artº 1787º, se o autor falecer na pendência da causa”".

Nota - Convém ter em conta que o artigo 1785.º, n.º 3 do CC já foi interpretado extensivamente, por forma a abranger não só os herdeiros "mas também os sucessíveis, desde que possam vir a ser herdeiros em resultado de o cônjuge sobrevivo ser excluído da herança por ser declarado principal culpado do divórcio (artigo 2133, n. 3, daquele preceito legal)" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-1981, proferido no processo n.º 069456. Em sentido oposto, cfr. o acórdão do mesmo tribunal de 15-04-1986, in BMJ 356, pág. 382. Por sua vez, este último teve uma anotação discordante do Professor Pereira Coelho in RLJ, 121, págs. 88 e ss. (o dito Professor subscreveu a posição que consta do primeiro acórdão).
A questão levantar-se-á, por exemplo, nos casos em que, falecendo uma das partes de um processo de divórcio, o seu irmão pretenda continuar a acção para assim obter a dissolução do casamento com os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 2133.º do CC.
Literalmente, o artigo 1785.º, n.º 3 do CC não lho permite, pois o irmão não é herdeiro, por ser preterido, precisamente, pelo cônjuge sobrevivo. No entanto, se a acção de divórcio for procedente e não houver ascendentes nem descendentes, o irmão será chamado à sucessão, pois o cônjuge será afastado nos termos do n.º 3 do artigo 2133.º do CC. Daí a posição do primeiro acórdão supra referido e do Professor Pereira Coelho, que me parece conduzir a resultados mais razoáveis, no sentido de interpretar extensivamente o preceito por forma a abranger não só os herdeiros, mas também aqueles que o podem vir a ser em consequência da produção de efeitos do divórcio. Segundo Pereira Coelho (na citada anotação) estes efeitos atingem o cônjuge sobrevivo independentemente de ser ou não culpado do divórcio.



4) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 1877/03.3TBCBR.C1:
"No recurso da matéria de facto o recorrente deve indicar, nas respectivas conclusões, os concretos pontos de facto impugnados, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já a especificação dos meios probatórios pode ser feita na motivação, devendo, no entanto, o recorrente conexionar cada facto impugnado com os correspondentes elementos de prova.
A omissão desse ónus de especificação, imposto no art.690º-A, nº1, do CPC, implica a rejeição do recurso.
A litispendência é concebida como pressuposto processual negativo, ligado ao objecto do processo, actuando a se, com inteira autonomia dos restantes, com vista não só à protecção do demandado (ne bis in idem), mas também colimada ao interesse de ordem pública, pelo princípio da “tutela da coerência” e da segurança jurídica (prevenindo julgados contraditórios).
Os elementos relativos à pendência do processo e à prioridade temporal dependem apenas de demonstração fáctica, sendo que os elementos da identidade contendem já com critérios estritamente jurídicos, definidos no art.498º do CPC.
A deserção da instância pode ser alegada e conhecida incidentalmente noutro processo, designadamente, em resposta à excepção de listispendência.
Ainda que o tribunal ad quem possa conhecer de qualquer facto superveniente, à data da decisão da 1ª instância, para aferir dos pressupostos processuais, não assume essa categoria a mera junção de documento com as alegações de recurso para provar a deserção da instância, quando o recorrente já antes da decisão, que lhe fora desfavorável, tinha prévio conhecimento do estado desertivo do processo".

Nota - São muitos os problemas processuais tratados neste acórdão.
Quanto ao primeiro ponto (rejeição do recurso por omissão do ónus de especificação constante do artigo 690.º-A, n.º 1 do CPC), há, neste momento, como se refere na fundamentação da decisão em análise, duas teses opostas. A primeira defende que o recurso deve ser imediatamente rejeitado sem prévio convite ao seu aperfeiçoamento (cfr. neste sentido, Amâncio Ferreira,
Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, pág. 176, nota 355, Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 586(*), acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2004, proferido no processo n.º 04B122, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3450, de 25-05-2006, proferido no processo n.º 06B1080, e de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B1998. A segunda alinha pela necessidade de convite prévio ao aperfeiçoamento do recurso (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 14-03-2006, in CJ 2006, I, pág. 124, de 20-03-2003, proferido no processo n.º 02B2168, de 29-11-2005, proferido no processo n.º 05S2552, de 06-07-2006, proferido no processo n.º 06A1838, de 13-07-2006, proferido no processo n.º 06S698 (este, todavia, pondo em evidência que haverá rejeição quando não se mostre um esforço de identificação dos pontos factuais censurados e dos elementos probatórios que viabilizam), e de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541), reservando a rejeição para as hipóteses de absoluta falta de alegação quanto a essa matéria.
A primeira daqueles teses não parece ferir normas da Constituição (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, em processo penal mas com conclusões transponíveis para o processo civil - cfr., neste sentido, Lopes do Rego,
loc. cit.).
A segunda questão, versando sobre litispendência, acaba por depender de uma outra: a de saber se a deserção opera automaticamente ou se o despacho de deserção tem efeito constitutivo. No sentido referido no acórdão em análise (a deserção opera automaticamente após o decurso do prazo), cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-4-2003, in CJ, II, pág. 119 (
"I – Prazo processual é o período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual.
II – O prazo de deserção da instância é um prazo processual, produzindo-se esse efeito processual, logo que decorrido o prazo de interrupção da instância"
).
Para uma hipótese ligeiramente diferente de litispendência e deserção, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2003, proferido no processo n.º 02A4354.
Finalmente, sobre a última questão (junção de documento em fase de recurso), cfr. o recente acórdão do STJ de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B287, e a anotação ao mesmo neste outro post.

(*) A citação das obras difere da que se encontra no acórdão, uma vez que me refiro às edições mais recentes das mesmas.

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