terça-feira, março 27, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07A305:
"Da regularidade da notificação de uma sentença estrangeira, segundo as formalidades estabelecidas para esse acto no país de origem da decisão, não se pode, sem mais, presumindo o respectivo trânsito em julgado, dar-se como verificada a sua força executiva, sem necessidade de qualquer “documento externo”, tendo como satisfeito o requisito previsto no art. 47º-1 da Convenção de Bruxelas (hoje nos arts. 53º e 54º do Regulamento CE n.º 44/2001, de 22/12/2000);
O concurso do requisito não pode aferir-se à luz das normas que estabelecem os pressupostos de exequibilidade no direito português, impondo-se a formulação do juízo de executoriedade à luz dos critérios do Direito do estado de origem;
O tribunal tem de se assegurar que a sentença é exequível no país de origem, acautelando o risco de lhe serem atribuídos efeitos executórios que não tinha no Estado onde foi proferida".

Nota - No mesmo sentido quanto ao Regulamento CE n.º 44/2001, v. também António da Costa Neves Ribeiro, Processo Civil da União Europeia (vol. I), Coimbra: Coimbra Editora: 2002, pp. 129/130, e também Luís Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, III – Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, pág. 280 (citado no acórdão).
A falta de declaração de executoriedade justifica o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. acórdãos do STJ de 16-06-2005, proferido no processo n.º 05B1547, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-2005, in CJ, 2005, I, pág. 7).



2) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07S4207:
"A força probatória plena do documento que titula um contrato de prestação de serviços, fixada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, n.º 1, e 376º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, por não ter sido impugnada a veracidade da letra e da assinatura, apenas evidencia a conformidade da vontade declarada das partes, e não impede que o autor alegue e prove que o contrato foi executado em termos divergentes, de modo a poder atribuir-se-lhe a qualificação jurídica de contrato de trabalho subordinado;
Também nada obsta, nesse contexto, a que seja admitida a prova testemunhal, visto que esta se reporta, não ao conteúdo do documento com força probatória plena, mas ao modo como se processou, na prática, a execução do contrato, não ocorrendo, nessa hipótese, qualquer violação ao disposto no artigo 394º, n.º 1, do Código Civil;
É de qualificar como contrato de trabalho o contrato celebrado por uma empresa de comercialização de veículos automóveis para o desempenho de funções de vendedor/comissionista, quando se constata que o trabalhador contratado tinha de se apresentar num determinado local de trabalho com sujeição a um horário, integrava as escalas de serviço rotativo com outros vendedores, elaborava relatórios sobre a actividade de prospecção e obedecia a instruções de serviço, utilizava um veículo da entidade empregadora para uso profissional, sendo esta que suportava até determinado limite as despesas com combustível, tinha direito ao gozo de férias e devia comunicar as faltas dadas ao serviço".

Nota - Cfr., quanto à questão da prova testemunhal para sobre o modo de execução do contrato, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 24-10-2006, proferido no processo n.º 06S1831.


3) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07P580:
"Os créditos relativos a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares gozam de privilégios mobiliário e imobiliário gerais.
Estes créditos, quando em concorrência com créditos garantidos por hipoteca incidente sobre o imóvel penhorado, devem, em reclamação de créditos, ser graduados nos termos do art. 749º do Cód Civil, a seguir aos créditos hipotecários.
A alteração introduzida pelo Dec.-Lei nº 38/2003 de 8/3 no art. 751º do Cód. Civil tem natureza interpretativa".

Nota - Cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-2006, proferido no processo n.º 06B2871. V. também, sobre este assunto, o post de 25 de Março, aqui.


4) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07A436:
"No âmbito do processo de falência vigora o princípio de que todos os bens que o falido for adquirindo após a declaração de falência, isto é, os bens futuros, revertem para a massa falida, de forma automática, sem necessidade de qualquer iniciativa do liquidatário judicial, automatismo este que é determinado pelo carácter universal do processo falimentar.
Não obstante a universalidade do processo falimentar, existem bens absoluta ou totalmente impenhoráveis, a que há que acrescentar os bens que, segundo a lei substantiva e várias leis avulsas, são inalienáveis e, portanto, impenhoráveis; bens relativamente e parcialmente impenhoráveis e bens só subsidiariamente penhoráveis.
Em princípio, os rendimentos auferidos pelo falido não devem estar sujeitos às regras gerais da penhora, maxime, a penhorabilidade de apenas 1/3 dessa quantia e a livre disponibilidade dos restantes 2/3.
Há, porém, que conciliar a satisfação dos interesses dos credores com as necessidades básicas do falido e, assim, a parte dos rendimentos (isto é, a parte do 1/3 dos rendimentos) que se revele indispensável à subsistência do falido permanece intocável; a parte que exceda integrará a massa falida, competindo ao juiz, em cada caso concreto, determinar de acordo com o critério de equidade o quantum que ficará sujeito à penhora".

Nota - Este acórdão do STJ resulta de recurso de um outro já referido no blog, confirmando-o. Trata-se do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-09-2006, proferido no processo n.º 1421/06-1, sobre o qual escrevi em nota ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1017/03.9TBGRD-G.C1. Neste último (e também no acórdão da mesma Relação de 24-10-2006, proferido no mesmo processo), defendia-se que os rendimentos do trabalho do falido nunca reverteriam para a massa falida, enquanto que no acórdão da Relação de Guimarães, agora confirmado, se admitiu que apenas a parte necessária ao sustento do falido pode ficar isenta de apreensão.


5) Acórdão de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B287:
"Pode o autor, em recurso ordinário, alegar facto superveniente e juntar documento que faça prova desse mesmo facto, desde que o facto alegado e documentado se não situe fora da causa de pedir tal como o autor a concebeu para sustentar o seu pedido.
O STJ só pode conhecer, em recurso de revista, de violação da lei de processo se dessa violação, autonomamente considerado, fosse admissível recurso, nos termos do nº2 do art.754º.
Se a ré, promitente vendedora, prometeu vender e a autora, promitente compradora, prometeu comprar, exactamente um prédio rústico para construção urbana de 30 fogos e não um simples e puro prédio rústico, verifica-se a definitiva impossibilidade de cumprimento quando em definitivo a CM competente indeferiu o projecto de construção e ordenou o arquivamento do respectivo processo.
Se promitente vendedora e promitente compradora contrataram conhecendo e aceitando a incerteza da aprovação do projecto de construção, correndo o respectivo risco, essa impossibilidade não pode ser imputada a qualquer delas.
Verificada a impossibilidade, o contrato resolve-se com a restituição em singelo do sinal recebido".

Nota - Sobre a junção de documento em fase de recurso, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-1999, proferido no processo n.º 98B908 ("A junção de um documento apenas se torna necessária em virtude do julgamento em 1. instância (artigo 524 n. 1 do CPC) quando essa decisão se haja baseado em meio probatório inesperadamente junto ou deduzido por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação os litigantes justificadamente não tivessem contado"). Cfr. ainda, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-2006, proferido no processo n.º 06A3489, de 31-05-2005, proferido no processo n.º 05B1094, e de 10-02-2005, proferido no processo n.º 04B4506 (considerando a regra aplicável nos mesmos termos aos processos de jurisdição voluntária).
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-1994 (in BMJ 433, pág. 467) tem servido de âncora para muitas decisões posteriores, quanto a esta matéria. O seu sumário é o seguinte:
"I – O nº 2 do artigo 524º do Código de Processo Civil permite que os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, possam ser oferecidos em qualquer estado do processo. II – A expressão «em qualquer estado do processo» significa que os documentos em referência podem ser juntos mesmo depois de encerrada a discussão em 1ª instância. III – Prescrevendo o nº 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil que «as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 525º», deve, todavia, entender-se que é necessário, para que a junção seja lícita, que a parte demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância. IV – A última parte do referido nº I do artigo 706º – que permite às partes juntar documentos às alegações «no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1. a instância» – não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o despacho da acção e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. V – Na verdade, o legislador quis cingir-se aos casos que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida decisão na 1ª instância. VI – Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar a decisão da lª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam. VII – É matéria de facto da competência das instâncias determinar se os factos constantes da especificação e do questionário são ou não suficientes para a boa decisão da causa, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias e, consequentemente, pronunciar-se sobre o acórdão da Relação que julgar da suficiência dos factos para conhecer do mérito. VIII – A matéria de facto dada como provada pela Relação só pode ser censurada pelo Supremo Tribunal de Justiça havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos 722º, nº 2, e 729º, ambos do Código de Processo Civil)".

Etiquetas: , , , , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial