segunda-feira, junho 02, 2008

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01-04-2008, proferido no processo n.º 2419/07-1:
"É justa e equitativa a indemnização de € 90.000,00 fixada a uma vítima de acidente de viação que sofreu extensas e graves lesões que lhe provocaram perigo para a vida, tendo perdido “um filho que transportava no seu ventre, com 32 semanas de gestação” e “durante cerca de três anos viveu com o espectro de não mais poder ter filhos”."

Nota - Trata-se de uma decisão em processo penal, na qual não se levanta qualquer problema de direito processual civil. Deixo-a aqui apenas pelo especial interesse que, creio eu, o tema do quantum indemnizatório sempre tem.
O problema que, a este respeito, se levantava - e que as seguradoras repetidamente levantam nos processos de indemnização - era apenas o de o montante fixado a título de danos não patrimoniais ser superior àquele que, por regra, é fixado para o dano da perda da vida.
Defendem uns que, sendo a vida o bem jurídico que se encontra no topo da hierarquia dos bens jurídicos, não faria sentido compensar a perda ou afectação de outro bem jurídico em montante superior ao que, habitualmente, compensa aquele (e que, como se sabe, apesar de depender um pouco das circunstâncias concretas e da sensibilidade do julgador, rondará os 50.000 euros, às vezes um pouco mais, outras um pouco menos). Esta tese convém, claro está, à seguradora.
Todavia, outros têm entendido - numa tese que me seduz mais - que não basta olhar ao valor relativo dos bens jurídicos, havendo que atentar também no grau e nas características da lesão, bem como na duração e intensidade dos seus efeitos, o que permitirá, ainda que excepcionalmente, ultrapassar aquele valor, que assim não se apresentará como um dogma.
Na decisão recorrida (e confirmada pela Relação, no acórdão agora anotado), foram invocadas algumas decisões que apontavam para aquela segunda posição. Partindo-se da ideia de que "a indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de modo a suavizar-lhe a lembrança das agruras passadas e a fazer desabrochar um novo optimismo que lhe permita encarar melhor a vida" (expressão utilizada no acórdão do STJ de 07-07-1999, proferido no processo n.º 477/99, citado na decisão da primeira instância, e que também aparece, por exemplo, nos acórdãos do mesmo tribunal
de 28-11-2007, proferido no processo n.º 07P3981, de 28-04-1998, proferido no processo n.º 98A177, e de 28-10-1997, proferido no processo n.º 97A410), prossegue-se invocando alguma jurisprudência na qual o valor da indemnização por danos não patrimoniais superou o montante de referência para a perda do direito à vida: acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2007, proferido no processo n.º 07B566 (aqui, com analogia mais difícil, já que se tratava de uma pessoa colectiva, e de 08-03-2005, proferido no processo n.º 05A395 (no qual foi fixada uma indemnização de € 100.000,00 por danos não patrimoniais).
Prossegue o acórdão anotado invocando um outro, do Supremo Tribunal de Justiça,
de 28-02-2008, proferido no processo n.º 08B388, que concedeu uma indemnização de € 125.000,00 por danos não patrimoniais.
Para além destas, pode citar-se ainda, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A1734.
Finalmente, devo lembrar que o Supremo, sem nunca deixar de atribuir a indemnização pela perda da vida, já a questionou (cfr., para um relato mais pormenorizado,
este post anterior, em nota ao acórdão do STJ de 11-01-2007, proferido no processo n.º 06B4433, e ainda, para além deste, o acórdão do mesmo tribunal de 27-11-2007, proferido no processo n.º 07P3310).


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-04-2008, proferido no processo n.º 3192/07-3:
"I - Se já no domínio do regime anterior à reforma do processo de inventário e face à redacção do então art.º 1340º n.º 3 não havia grandes dúvidas de que a falta de relacionamento de bens poderia ser feita em qualquer altura do processo e até ao transito em julgado da sentença, com a redacção introduzida na reforma e que hoje consta do n.º 6 do art.º 1348º do CPC ficaram dissipadas todas as duvidas sobre tal possibilidade.
II - Os efeitos patrimoniais do divórcio ou da separação à data da propositura da acção, se não tiver sido fixada outra data anterior na sentença. Assim no inventário subsequente só haverá a partilhar os bens existentes naquela data e não já os que advieram posteriormente a qualquer dos consortes, como seja o caso duma herança
."


Nota - Há, como é evidente, um ligeiro lapso na formulação da primeira conclusão. Na verdade, não é a "falta de relacionamento" que pode ser feita em qualquer altura, mas sim a "reclamação contra a falta de relacionamento".
Sendo, penso eu, pacífica a primeira conclusão, tal reclamação parece não poder ocorrer já em sede de recurso (cfr., a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 15-04-2004, proferido no processo n.º 04B1169).
A reclamação por não relacionamento de bens cuja decisão se torne complexa poderá implicar a remessa para os meios comuns. Quanto às consequências dessa remessa no caso de relacionamento de dívida activa, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 28-04-2008, proferido no processo n.º 0756383, e os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-09-2007, proferido no processo n.º 48/03.3TBFIG.C1, e de 20-01-2004, proferido no processo n.º 3698/03.
Sobre o efeito da presunção do registo na decisão da titularidade do bem na esfera do inventariado, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora
de 10-05-2007, proferido no processo n.º 95/07-2.
Já fora do tema central do acórdão, mas ainda na sua órbita, há que notar o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 08-02-2007, proferido no processo n.º 9011/06-2, num inventário por morte: "Não ocorre relação de prejudicialidade entre o incidente de falta de relacionação de bens no âmbito do processo de inventário e a acção de declaração da nulidade da doação do quinhão hereditário a favor de um dos interessados nesse inventário um vez que a procedência desta acção (caso se venha a concluir que tal doação e a respectiva escritura são nulas) apenas assume relevância no momento da definição dos quinhões de cada interessado; não em termos dos bens não poderem ser relacionados".
Atente-se também no decidido pela Relação de Guimarães em acórdão
de 17-06-2004, proferido no processo n.º 912/04-2: "(...) tendo o ex-cônjuge marido assumido na relação de bens que subscreveu e apresentou, que certos bens eram comuns (declaração confessória), não pode proceder a sua alegação, produzida em sede de inventário para a partilha dos bens do casal, de que afinal esses bens apenas a ele ou a terceiros pertenciam.Não há, deste modo, razão para remeter os interessados para os meios comuns, competindo, ao invés e no próprio inventário, julgar como comuns tais bens."
Para finalizar, e ainda a propósito da primeira conclusão, já referi neste blog que entendo ser particularmente feliz a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 16-12-2003, proferido no processo n.º 3305/03, sobre a natureza da relação de bens entregue no processo de divórcio e os seus efeitos em futura partilha. Para não alongar esta nota, remeto para este outro post, em nota ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 473/03.0TMCBR-A.C1, que navega "nas mesmas águas".
Quanto à segunda conclusão, cfr. também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 06-02-2007, proferido no processo n.º 10648/2006-7.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-04-2008, proferido no processo n.º 201/08-2:
"Em processo civil o Tribunal não está obrigado a descrever ou a especificar na sentença os factos que considerou não provados na decisão da matéria de facto. Essa regra é privativa do processo penal."

Nota - Entre muitas decisões no mesmo sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 31-01-2007, proferido no processo n.º 06A4569.

Etiquetas: , , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial