quarta-feira, dezembro 05, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 1 de 3)

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-11-2007, proferido no processo n.º 34-C/2001.C1:
"Penhorado o direito de crédito, a acção executiva movida contra o terceiro devedor, a partir do título judicial impróprio (nos termos do artº 860º, nº 3, do CPC), é acessória relativamente à execução principal, tratando-se de um processo executivo incidental, instrumental da execução principal.
Esta execução acessória, embora arranque de título diferente, está funcional e estritamente conexa com a execução principal, cuja finalidade é a de garantir a efectiva satisfação do crédito do exequente, ainda que por via da substituição processual.
Proposta a execução principal em 4/01/2001, penhorado o direito de crédito em 10/05/2005 e tendo sido ordenado o prosseguimento da execução contra o terceiro devedor, por despacho de 7/06/2005, o regime legal aplicável ao processo executivo instrumental é o do CPC anterior à reforma da acção executiva resultante do D.L. nº 38/2003, de 8/03.
Face à natureza do título (judicial impróprio), o terceiro devedor, ainda que passe a assumir a posição de parte, pode nos embargos à execução que lhe seja movida (nos termos do artº 860º, nº 3, CPC) impugnar a existência do crédito."


Nota - Sobre o regime da penhora de créditos, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2645, e de 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2557. Curiosamente, e por coincidência, são dois os acórdãos do STJ sobre o mesmo assunto (penhora de créditos) e com a mesma data. A decisão anotada invoca um deles na fundamentação, na parte em que analisa a amplitude de defesa permitida nos embargos (última conclusão). Embora não identifique qual, trata-se do segundo daqueles dois. Ainda no mesmo sentido da decisão anotada, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-1999, proferido no processo n.º 99B465, e do Tribunal da Relação de Coimbra 06-12-2005, in CJ, tomo V, pág. 23. No entanto, esta matéria não é pacífica e, em sentido oposto, pode encontrar-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-10-2004, proferido no processo n.º 04B2986 ("Penhorado um crédito do executado e notificado o terceiro devedor nos termos e para os efeitos do artigo 856°, n° 1, do CPC, na falta de qualquer declaração do mesmo, não pode este, na execução que lhe seja movida ao abrigo do citado nº 3 do artº 860°, impugnar a existência do crédito. Surtirá, pois, o silêncio do devedor assim notificado efeitos análogos aos da confissão do pedido ou do princípio do cominatório pleno, como tal o impedindo de impugnar a existência do crédito em embargos à execução que lhe seja movida ao abrigo do disposto no nº 3 do supra-citado 860° do CPC.").
Sobre a aplicação da lei no tempo, em hipótese análoga, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2645.
Sobre as características do título executivo, nestes casos, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 26-09-2002, proferido no processo n.º 02B213.
A propósito, aplicando o CPC na redacção anterior à reforma de 2003, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 08-11-2005, proferido no processo n.º 0422316, considerou-se que a cominação constante do artigo 856.º se aplica à penhora do saldo de conta bancária.
Sobre a constitucionalidade do regime constante da norma, ao presumir a existência de um crédito que pode não existir, houve já pronúncia do Tribunal Constitucional, no
acórdão n.º 6/2001 (também in DR, II Série, de 22-02-2001, pág. 3642 e ss.), no sentido da admissibilidade do dito regime, em face da Constituição.
Sobre o silêncio do terceiro devedor, cfr., em pormenor,
José Lebre de Freitas, «O Silêncio do Terceiro Devedor», in ROA, ano 62, vol. II (Abril de 2002), também citado na decisão.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-11-2007, proferido no processo n.º 1124/07.9TJCBR-B.C1:
"É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas – artº 3º, nº 1, do CIRE.
As oito situações elencadas nas alíneas do nº 1 do artº 20º do CIRE constituem os chamados “factos-índice” ou “exemplos padrão” de uma situação de insolvência, isto é, trata-se de ocorrências prototípicas de uma situação de insolvência, ou seja, de situações através das quais, normalmente, se manifesta essa situação.
A sua relevância, porém, depende da circunstância deles corresponderem, em concreto, ao “conceito base” de insolvência constante do artº 3º, nº 1, do CIRE: impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas.
Esta impossibilidade, enquanto pressuposto da situação de insolvência, não tem de se referir a todas as obrigações vencidas, bastando que se refira à generalidade das obrigações vencidas.
A existência de um activo contabilisticamente superior ao passivo, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económica, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.
Perante a alegação de qualquer facto-índice, o devedor pode opor-se à declaração de insolvência, não apenas com base na inexistência do facto-índice, mas também com base na inexistência da própria situação de insolvência (artº 30º, nºs 3 e 4).
O novo paradigma da insolvência, assentando na primazia do interesse dos credores, e assumindo constituir “custo” destes a recuperação da insolvente, coloca nas mãos dos devedores a opção entre a recuperação e a liquidação."


Nota - Parece-me que a decisão não oferece discussão.
Podem ler-se, sobre a comprovação da situação de insolvência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 14-11-2006, proferido no processo n.º 06A3271, do Tribunal da Relação do Porto de 23-10-2007, proferido no processo n.º 0723408 (sobre os termos da oposição), de 04-10-2007, proferido no processo n.º 0733360, de 12-04-2007, proferido no processo n.º 0731360, de 08-02-2007, proferido no processo n.º 0637343, de 03-11-2005, proferido no processo n.º 0534960, do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4895/2006-8, de 08-06-2006, proferido no processo n.º 3644/2006-8, de 23-02-2006, proferido no processo n.º 238/2006-8, do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2007, proferido no processo n.º 397/06.9TBSRE-D.C1, de 06-02-2007, proferido no processo n.º 5846/06.3TBLRA.C1, de 17-10-2006, proferido no processo n.º 760/06.5TBVNO.C1, de 19-09-2006, proferido no processo n.º 153/06.4TRSEI.C1, de 14-12-2005, proferido no processo n.º 2956/05, de 15-11-2005, proferido no processo n.º 3043/05, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-12-2006, proferido no processo n.º 2338/06-2 (sobre a legitimidade para requerer a insolvência).
Sobre a matéria, cfr.
Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução, 2.ª edição (reimp.), Coimbra: Almedina, 2007, obra à qual se deu especial atenção, na decisão anotada.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-11-2007, proferido no processo n.º 539/2002.C2:
"Só é nula a sentença quando for omissa de motivação e não apenas quando esta última é deficiente ou errónea.
A transacção perfila-se como uma das formas possíveis de extinção da instância a par da confissão e desistência procurando uma solução de compromisso voltada para uma solução em que as partes põem fim ao seu diferendo moldando os seus interesses através de um consenso obtido por meio de concessões e cedências mútuas.

Dentro deste condicionalismo é relativamente ampla a margem de manobra de composição de interesses, permitindo a transacção judicial quer o alargamento objectivo quer o alargamento subjectivo do pleito. Tanto assim é que se tem entendido que é lícito às partes em litígio porem fim a todas as acções entre si pendentes mediante transacção global lavrada por termo num dos processos.
Verificados certos requisitos mínimos de validade, a transacção poderá operar como que uma substituição da obrigação primitiva por outra de contornos não coincidentes e até mais alargados;
Desde que a transacção não enferme de nulidade – e é desde logo o que dispõe o artigo 1 249º do Código Civil – não pode o juiz recusar-se a homologá-la com fundamento em que as respectivas cláusulas extravasam o objecto da causa.
Contudo a vontade das partes não basta sempre para superar sem mais na transacção certos óbices de natureza legal; é o que se passa com as normas referentes à urbanização e edificação com sede no DL 555/99 de 16 de Dezembro, que opõe à divisão de coisa comum ainda que por acordo, exigências de cariz público que se impõem na esfera jurídica privada em ordem a garantir o correcto planeamento do território e a boa disciplina na construção civil.
Resultando da transacção que a mesma poderá traduzir-se em acções podendo ter como objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu reparcelamento, a mesma não poderá ser homologada sem prévio controlo administrativo.
A transacção terá que ser homologada ou rejeitada in toto; não é lícito cindir uma transacção em parcelas, para fins de homologação parcial, já que por detrás das respectivas cláusulas está a ponderação de todo um conjunto de interesses e as cedências e contrapartidas que nelas se concretizam e que são verso e reverso umas das outras, consubstanciando a razão de ser do negócio jurídico acordado na sua globalidade."


Nota - Parecem-me de subscrever todos os pontos da decisão.
Do primeiro já aqui tinha dado conta (cfr.
aqui).
Como é evidente, assentando a transacção na vontade das partes, não pode esta produzir, à partida, efeitos que tal vontade não seja apta a gerar - cfr., também, numa hipótese que, não sendo análoga, tem alguns pontos de contacto com a decidida no aresto anotado, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 07-11-2006, proferido no processo n.º 0625149.
Veja-se também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 26-06-97, proferido no processo n.º 97A393.
Respeitada, porém, a possibilidade de disposição dos direitos (cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 15-02-2005, proferido no processo n.º 4013/04), sou favorável à mais ampla liberdade das partes na ampliação do objecto da transacção, face ao da acção, e até da intervenção na transacção de sujeitos que não chegaram a ser partes (no mesmo sentido, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-01-1991, proferido no processo n.º 0022772, também in CJ, tomo I, pág. 153).
Sobre as formalidades da transacção, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 04-04-2001, proferido no processo n.º 0006824.
Quanto à unidade da transacção, no sentido da decisão anotada, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 10-07-1990, proferido no processo n.º 8951344.


4)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-11-2007, proferido no processo n.º 1691/04.9TBMGR.C1:
"Se o tribunal respondeu negativamente a um quesito da base instrutória e não tendo sido impugnada em recurso a matéria de facto, a Relação não pode alterar a resposta com base numa presunção judicial.
(...)"


Nota - Alguns limites à utilização de presunções judiciais podem encontrar-se nos seguintes acórdãos:
- "I – A força probatória das presunções judiciais (da experiência ou de facto) não é mais relevante do que a prova testemunhal. II – Por isso, tendo havido produção de prova testemunhal, não sujeita a registo, o tribunal da Relação não pode alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, com base em simples ditas presunções" - acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-1998, in CJ, tomo II, pág. 253.
- "As Relações podem extrair ilacções de facto de matéria provada na 1ª instância, mas o exercício dessa faculdade está condicionado à verificação de quaisquer das situações previstas no nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil, quando o facto presumido tenha, ele próprio, sido objecto de resposta pelo colectivo (ou pelo tribunal singular)" - acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-06-1997, in BMJ 468, pág. 490.
- "I – Sendo lícito ao julgador socorrer-se de presunções judiciais para apreciar a matéria de facto e com base nelas considerar provados outros factos que servirão posteriormente para fundamentar a solução de direito, o certo é que as presunções de que aquele se pode servir têm de respeitar a matéria de facto provada ou, pelo menos, e salvo casos excepcionais previstos na lei, só dentro de limites muito apertados a pode afastar. II – Assim, não é possível qualificar de contratos de mútuo ou de abertura de crédito, passíveis de pagamento de juros, fazendo apelo às regras de experiência do mundo empresarial, as entregas de dinheiro feitas por certa sociedade a duas outras quando estas, como resulta inequivocamente da matéria de facto fixada, se obrigaram, não a restituir os dinheiros daquela recebidos, mas a prestar serviços e fornecer mercadorias para amortizar aqueles adiantamentos" - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29-11-1990, in CJ, tomo V, pág. 259.
- "I – As chamadas presunções naturais, judiciais ou de facto constituem meios de prova mediata cuja força probatória é apreciada livremente pelas instâncias. II – Através delas o julgador retira ilações lógicas de certos factos conhecidos para chegar ao conhecimento de outros desconhecidos, guiado por regras práticas e da experiência. III – O Tribunal da Relação pode lançar mão de presunções tirando conclusões da matéria de facto, desde que tais conclusões se limitem a desenvolvê-la, não a contrariando. IV – As presunções retiradas dos factos provados constituem, também elas, matéria de facto, pelo que são insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista" - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-1991, in Acórdãos Doutrinários do STA, n.º 359, pág. 1306.
Sobre a possibilidade de controlo, pelo STJ, do uso, pelas Relações, de presunções judiciais, cfr. o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002 (e a anotação que a ele deixei aqui). O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o simples uso ou não uso da presunção judicial, embora possa controlar um uso que se traduza na alteração das respostas dadas à matéria de facto - cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-1984, proferido no processo n.º 071754, de 03-11-1992, proferido no processo n.º 082011, de 09-03-1995, proferido no processo n.º 086250, de 26-09-1995, proferido no processo n.º 087078, de 31-10-1995, proferido no processo n.º 087288 (estes dois últimos com um voto de vencido), de 20-01-1998, proferido no processo n.º 97A460, 09-07-1998, proferido no processo n.º 98B430, de 07-07-1999, proferido no processo n.º 99A588, de 20-06-2000, proferido no processo n.º 00A407, de 19-03-2002, proferido no processo n.º 02B656, de 10-02-2003, proferido no processo n.º 03B1837, de 15-02-2005, proferido no processo n.º 04A4577, de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A3564, de 25-09-2007, proferido no processo n.º 07A090, e de 25-10-2007, proferido no processo n.º 07B3713.
Em particular para a definição de presunção judicial, cfr. a nota ao
acórdão do STJ de 05-12-2006, proferido no processo n.º 06A3883, que deixei aqui.

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4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Quanto à unidade da transacção:
admitindo que a transacção judicial é um negócio jurídico-processual, isto é, que, para além de um acto jurídico-processual, é também um negócio jurídico, no âmbito do qual podem ser feitas concessões que envolvem a “constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido” (1248.º, n.º 2, do CC);
admitindo que apenas o objecto da transacção que coincide com o objecto do processo pode ser homologado, ainda que o restante seja perfeitamente lícito (arts. 300.º, n.º 3, e 661.º, n.º 1, do CPC);
parece-me ser de admitir a homologação da (de uma) transacção (apenas) na medida em que mesma verse sobre o objecto do processo (e sem prejuízo do mais), se, nesta medida, não existirem obstáculos à homologação (valendo, quanto à matéria sobre a qual o tribunal não (?) se pode pronunciar (isto é, homologar), o regime geral dos contratos, designadamente quanto aos vícios da vontade e licitude do objecto).

PRF
P.s. Ainda tenho um e-mail em débito.

12/07/2007 1:05 da manhã  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Caro PRF,

viva!

É bom ter vida na caixa dos comentários.

Quanto à unidade da transacção, nada contra a rejeição de uma transacção e o seu ulterior aproveitamento parcial, mas não apenas por iniciativa do juiz.

Aqui, e pensando na redução do negócio jurídico, penso que não se pode presumir que as partes pretendem a transacção em outros termos que não aqueles precisos em que a apresentaram ao tribunal. E é só este ponto que - se bem o interpreto - o acórdão anotado pretende fazer valer.

Agora, se me disser que:

1.º - As partes apresentam a transacção.

2.º - O juiz entende que não deve homologá-la, por a lei não o permitir quanto a uma parte do seu teor.

3.º - O juiz entende, porém, que parte da transacção é aproveitável, e sugere às partes a sua homologação nos novos termos, reduzidos.

4.º - As partes dão o seu acordo a este novo objecto da transacção, sendo este, ainda assim, suficiente para pôr termo à acção.

Então, não me repugna nada que, para além da dita transacção homologada, as partes façam constar do documento outras declarações de vontade - mas com limites (já escrevo quais).

No entanto, estas exorbitarão dos efeitos processuais da homologação da transacção. Não serão, rigorosamente, parte integrante da transacção homologada.
Por esse outro negócio, que formalmente até talvez possa aparecer no mesmo documento, sem que o juiz a ele se vincule, não me parece que se interesse tanto, directamente, o processo civil, sem prejuízo do que direi de seguida.
O princípio da unidade da transacção garante-se, a meu ver, pelos pontos descritos: vinculação das partes a uma transacção reduzida face a uma outra vontade inicial, sendo a sua nova vontade ainda assim suficiente para pôr termo ao processo. O juiz não cinde a vontade das partes, não a quebra. E foi só esse o sentido em que a questão se apreciou no acórdão e ao qual dei o meu acordo: proposta uma certa parcelização de um imóvel, o tribunal não poderia transformar a vontade das partes (x parcelas) numa outra (y parcelas). Mas poderia, por certo, aceitar uma segunda vontade de transaccionar, que a lei não proibisse.


O que me parece, também (e talvez aqui diverjamos, no que toca ao problema da licitude do objecto), sem prejuízo do que vai dito, é que o juiz não pode ficar totalmente alheio a essa "outra parte" da transacção, desde logo não podendo dela constar efeitos contra legem (porque se estaria a praticar, apesar de tudo ainda dentro de um processo, um acto que a lei não permite) ou que ponham em causa a parte homologada.


Quanto à "dívida", não guardo nenhum "deve-e-haver" de e-mails. Comigo, o saldo é sempre igual (favorável para mim).

Um abraço,

Nuno Lemos

12/07/2007 2:46 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

O tempo só dá para ensaiar este entendimento (leia-se dúvida, e não certeza):
- quando a lei ordena que se certifique a validade do “objecto” e a “qualidade das pessoas” que intervêm na transacção pretende que esta certificação se faça à luz da relação jurídico-processual sub judice, isto é, pretende que o juiz verifique se a transacção versa licitamente sobre o objecto da causa e se as partes intervenientes são as partes no processo (e titulares da relação material controvertida);
- se, na transacção, as partes incluem matéria não discutida na causa, como tantas vezes sucede, dificilmente se poderá considerar que estamos perante uma alteração objectiva da instância (arts. 268.º e 272.º do CPC) e que a condenação prevista no art. 300.º, n.º 3, abrange o “novo” pedido (até porque este pode versar sobre matéria fora do âmbito da competência material do tribunal!);
- todavia, se assim se entender, teremos que considerar que a sentença homologatória fará caso julgado também quanto a este “objecto acrescido”, constituindo título executivo quanto a ele;
- a entender-se que a homologação tem um efeito mais profundo do que a mera verificação da regularidade do acordo de pôr fim ao litígio (acordo este que pode, mesmo, ser apenas considerado uma cláusula mais do contrato), a certificação da sua licitude por sentença homologatória transitada em julgado articula-se mal com o regime previsto no art. 301.º do CPC;
- a homologação parcial não se pode confundir com a cindibilidade da transacção (com o afastamento da regra da sua unidade): se o juiz, nos casos referidos, não homologa parte da transacção, tal não significa que essa parte não seja válida e que não tenha efeitos jurídicos; a homologação parcial não equivale a uma anulação parcial; não terá, pois, muito cabimento invocar-se o instituto da redução dos negócios jurídicos, já que o contrato de transacção mantém-se no ordem jurídica tal como foi celebrado pelas parte (sem qualquer pronúncia jurisdicional com efeito “constitutivo” no sentido da sua invalidade parcial).
- a homologação parcial não contraria a “vontade finalística” das partes contida nas suas declarações negociais: pretenderam celebrar um contrato, o que não é contrariado pela homologação parcial; pretenderam com esse contrato (também) pôr fim à acção, o que não é contrariado;
- deste modo, com a homologação parcial, não está o tribunal a presumir nem mais nem menos “vontade” do que aquela que as partes tiverem (e que podiam ter).

Finalmente, tudo que disse não embarga a regra da unidade da transacção, entendida ela no sentido segundo o qual o tribunal deve homologar toda a (parte da) transacção que verse sobre o objecto do processo ou recusar essa homologação em bloco, não podendo homologar parte e recusar a homologação da restante parte que também versa sobre o objecto da causa. Quanto ao mais (parte não incluída no objecto da causa, admitindo que uma parte há que versa sobre este objecto), não homologa nem recusa a homologação com o fundamento da violação do disposto no art. 300.º do CPC.

Abraço.
PRF

P.s. depois de escrever parte destas linhas, reli a sua resposta e percebi que a nossa diferença de opiniões não é assim tão marcada quanto a minha primeira leitura (na “vertical”) me levou a concluir.

Penso (acho que já nos permitimos dispensar o “com o devido respeito”) que ao afirmar:
«…não me repugna nada que, para além da dita transacção homologada, as partes façam constar do documento outras declarações de vontade (…).
No entanto, estas exorbitarão dos efeitos processuais da homologação da transacção. Não serão, rigorosamente, parte integrante da transacção homologada.
Por esse outro negócio, que formalmente até talvez possa aparecer no mesmo documento, sem que o juiz a ele se vincule, não me parece que se interesse tanto, directamente, o processo civil, sem prejuízo do que direi de seguida»
está a admitir como possível a homologação parcial de que eu falava.
Não concordo que, na parte que extravasa o objecto (inicial) do processo se possa afirmar que se trata de “outro negócio”. O Negócio é o mesmo. Afirmar o contrário é defender, aí sim, a cindibilidade da transacção.
O exemplos são muitos, desde promessas de desistência de queixa crime, até promessas respeitantes a direitos sociais, passando por vendas ou doações nunca discutidas no processo.

12/07/2007 10:39 da manhã  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Talvez não tenha sido muito feliz ao chamar-lhe "o outro negócio". Escrever em comentários é como trabalhar no arame: mais perigoso, mas muito mais divertido.

É, na verdade, o mesmo negócio, sujeito a (alguns) efeitos diferentes.

Mais 6 ou 8 comentários e acertamos agulhas, meu caro PRF.

Um abraço

- que é um "até à vista", como sabe.

12/07/2007 10:53 da manhã  

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