quarta-feira, outubro 24, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 3) - Inclui uniformização de jurisprudência

1) Acórdão uniformizador de jurisprudência de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07B2775:
"O pressuposto processual concernente à competência territorial dos tribunais deve ser fixado à luz da lei processual vigente ao tempo do accionamento, independentemente de outorga anterior de convenção de foro ao abrigo de lei que a permitia em termos diversos.
A partir da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, não podem as partes contraentes, em regra, acordar eficazmente o foro territorial para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo seu não cumprimento ou a declarar a resolução do contrato por falta de cumprimento.
A validade da cláusula de competência inserida em contratos de direito substantivo, com natureza e efeitos processuais, é exclusivamente aferida pela lei substantiva e adjectiva vigente ao tempo da sua outorga.
A alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, segundo a redacção dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, aplica-se retroactivamente, sem vício de inconstitucionalidade, aos efeitos práticos mediatos dos pactos de preferência celebrados antes da sua entrada em vigor.
As normas dos artigos 74º, nº 1 e 110º, nº 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, resultantes da alteração decorrente do artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso (uniformização)
"
.

Nota - O problema subjacente ao acórdão agora anotado já foi repetidamente levantado aqui no blog, podendo encontrar-se alguns apontamentos a esse respeito
aqui (ver o segundo acórdão) e aqui.
Em resumo, face à redacção dos artigos 74.º, n.º 1 e 110.º do CPC dada pela Lei n.º 14/2006, alguns pactos de desaforamento deixaram de ser permitidos por lei. Esta circunstância leva a colocar a questão do momento em que deve ser aferida a validade do pacto: se é aquele em que o mesmo é celebrado ou aquele em que a acção é intentada.
Na sua esmagadora maioria, como se verá adiante, a jurisprudência vinha já considerando que o momento relevante era o da propositura da acção, pelo que os ditos pactos de competência se haviam tornado supervenientemente inválidos (vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa
de 15-03-2007, proferido no processo n.º 2188/2007-6 (com um voto de vencido), de 13-03-2007, proferido no processo n.º 2430/2007-1, e de 16-11-2006, proferido no processo n.º 9244/2006-8).
Tal entendimento, no que respeita à invalidade superveniente dos pactos, não mereceu a censura do Tribunal Constitucional, que analisou o problema nos acórdãos números
691/2006, 41/2007, 53/2007, 60/2007 e 84/2007.
Por sua vez, o próprio Supremo pronunciou-se também sobre a mesma questão, concluindo no sentido já apontado, no acórdão de 24-05-2007, proferido no agravo n.º 1372/07, da 2.ª secção. Uma vez que esta última decisão não se encontra na base de dados da DGSI e, para além do acórdão anotado, será a única do Supremo sobre a matéria, será conveniente transcrever o seu sumário (que pode encontrar-se
aqui), na parte que interessa para o problema em análise: "(...) III - Foi por um motivo de evidente interesse e ordem pública - o de evitar que as comarcas correspondentes àquelas sedes ou estabelecimentos ficassem intoleravelmente esmagadas com uma desmesurada carga processual - que foi publicada a Lei n.º 14/2006, de 26-04, que veio afastar nestes casos a possibilidade de convencionar o respectivo foro e permitir o conhecimento oficioso da eventual excepção de incompetência territorial.
IV - Por isso, não existem razões relevantes nem interesses superiores que impeçam a aplicação da regra geral em matéria de aplicação no tempo das leis de processo; assim e quanto à competência territorial, o disposto na Lei n.º 14/2006 aplica-se mesmo aos contratos celebrados anteriormente ao seu inicio de vigência e com prejuízo da cláusula contratual de fixação do foro."
É este entendimento que, agora, sai reforçado através deste acórdão uniformizador, que na sua longa (mas completa) fundamentação contém inúmeras indicações úteis sobre a matéria, que aqui não reproduzirei para não tornar demasiado extensa esta nota.
Note-se que a jurisprudência sobre esta matéria ultrapassa, claro está, aquela que se encontra na base de dados da DGSI, sendo que, segundo o acórdão anotado, se contam, da Relação do Porto, dois acórdãos, ambos no sentido da decisão anotada (penso que um deles será o
de 15-03-2007, proferido no processo n.º 0731000), e, da Relação de Lisboa, trinta e dois, vinte e um neste último sentido (alguns deles: de 20-09-2007, proferido no processo n.º 6668/2007-6, de 05-07-2007, proferido no processo n.º 6354/2007-6, de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4117/2007-7, de 15-05-2007, proferido no processo n.º 3877/2007-7, de 15-03-2007, proferido no processo n.º 2188/2007-6, de 15-03-2007, proferido no processo n.º 2405/2007-6, de 15-02-2007, proferido no processo n.º 10423/06-2, de 15-03-2007, proferido no processo n.º 2408/2007-6, e de 15-02-2007, proferido no processo n.º 370/2007-6, de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1182/2007-7, de 19-12-2006, proferido no processo n.º 10859/2006-6, de 18-01-2007, proferido no processo n.º 10113/2006-2, de 16-01-2007, proferido no processo n.º 10404/2006-7, de 18-01-2007, proferido no processo n.º 10860/2006-8, de 08-02-2007, proferido no processo n.º 9880/2006-8, de 18-01-2006, proferido no processo n.º 10142/2006-2, de 14-12-2006, proferido no processo n.º 9885/2006-8, e de 16-11-2006, proferido no processo n.º 9244/2006-8) e onze em sentido contrário (conheço os de 06-03-2007, proferido no processo n.º 10655/2006-1, e de 13-03-2007, proferido no processo n.º 2430/2007-1, de 13-02-2007, proferido no processo n.º 10121/2006-1, e de 06-03-2007, proferido no processo n.º 7958/2006-1, de 28-11-2006, proferido no processo n.º 7958/2006-1, de 06-02-2007, proferido no processo n.º 9902/2006-1 (com um voto de vencido)).


2)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07B2677:
"Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 45º, conjugado com o nº 2 do artigo 44º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, não pode ser declarada executória uma sentença condenatória, proferida à revelia e sem qualquer intervenção do réu no processo, por um tribunal alemão, contra um cidadão, também alemão, mas residente em Portugal, se o acto que iniciou a instância, ou equivalente, não lhe tiver sido notificado em tempo útil e de modo a permitir-lhe apresentar a sua defesa;
Trata-se, aliás, de uma condição cujo preenchimento se pode verificar através da certidão prevista no artigo 54º, conjugado com o anexo V, do Regulamento, e que deve ser apresentada quando se requer a declaração de executoriedade (artigo 53º, nº 2, do mesmo Regulamento;
A falta de apresentação dessa certidão não preclude a possibilidade de demonstração do preenchimento dos requisitos necessários à obtenção da declaração de executoriedade; o tribunal de recurso – como, no caso, fez a Relação de Lisboa – pode fixar um prazo para a sua junção, aceitar documentos equivalentes ou, se considerar que tem os elementos suficientes, dispensá-los, nos termos previstos no nº 1 do artigo 55º do Regulamento;
No caso, foi junta a referida certidão; é, todavia, omissa quanto à indicação da data da citação ou notificação do acto que iniciou a instância; também não está demonstrado que o requerido, podendo ter recorrido da decisão, o não fez (nº 2 do artigo 34º); e a recorrente já informou o tribunal de que, para além dos documentos já untos aos autos, não há mais nenhum que possa requerer ao tribunal alemão.
Não dispondo o Supremo Tribunal de Justiça de elementos para se julgar “suficientemente esclarecido”, como se prevê no nº 1 do artigo 55º, nem sendo viável convidar a recorrente, de novo, a juntar documentos que provem o preenchimento do requisito em falta, não pode o mesmo Tribunal declarar a executoriedade pretendida pela requerente."


Nota - Sobre a declaração declaração de executoriedade prevista no
Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, podem ler-se:
- Dário Moura Vicente, Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001, in Scientia Iuridica, n.º 293 (Braga: Maio-Agosto de 2002), pp. 347 e ss.;
- Miguel Teixeira de Sousa, Âmbito de Aplicação do Regulamento n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000 (Regulamento Bruxelas I), in "Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço", Vol. II (Coimbra: Almedina, 2002), págs. 675 e ss.;
- quanto a jurisprudência, entre vários, os acórdãos do STJ
de 03-03-2005, proferido no processo n.º 04A4283 e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 05B1547, bem como o do Tribunal da Relação de Évora de 04-05-2006, proferido no processo n.º 66/06-3.
Note-se que a falta de declaração de executoriedade justifica o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. acórdãos do STJ
de 16-06-2005, proferido no processo n.º 05B1547, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-2005, in CJ, 2005, I, pág. 7).
É de lembrar que o dito
Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial não vinculava, ab initio, a Dinamarca. No entanto, como resulta desta informação, encontra-se em vigor, desde 1 de Julho de 2007, o Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que estende àquele Estado os efeitos do Regulamento.
Quanto à possibilidade de declarar a executoriedade de uma decisão relegando o contraditório para a fase de recurso, cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 522/2000 (referindo-se ainda à Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, ratificada por Decreto do Presidente da República nº 51/91 e aprovada pela Assembleia da República pela Resolução nº 33/91, ambos publicados no Diário da República de 30 de Outubro de 1991, conhecido por "Convenção de Bruxelas", que antecedeu o Regulamento 44/2001), bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2006, proferido no processo n.º 0635515, e ainda esta jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades (em francês).
Por fim, sobre os requisitos formais da declaração de executoriedade, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2007, proferido no processo n.º
07A305, e de 22-09-2005, proferido no processo n.º 05B1782, do Tribunal da Relação do Porto de 17-10-2006, proferido no processo n.º 0621470, do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2007, proferido no processo n.º 3876/2006, e de 12-12-2006, proferido no processo n.º 5397/2006-7, e do Tribunal da Relação de Évora de 14-12-2006, proferido no processo n.º 260/06-3.


3)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A3028:
"O acordo de compra e venda de imóvel celebrado entre autores e réus num processo judicial formalizado em “termo de transacção” e a sentença homologatória, com trânsito em julgado, sobre ele proferida constituem título válido e suficiente para a transmissão da respectiva propriedade."

Nota - Citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 25-03-2004, proferido no processo n.º 03B4074, escreveu-se, na decisão anotada, o seguinte: "(...)tal sentença homologatória, que inicialmente arranca da transacção lavrada no processo, em acta ou termo, ou fora do processo, em documento autêntico ou particular, acaba assim por ganhar e adquirir, pelo principio da absorção, valência a se. Ou dito de outro modo, tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera" (em sentido aproximado, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-11-1993, in BMJ nº 431, pág. 417, especialmente na pág. 422, e do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2000, in CJ, tomo 2, pág. 186).
Parece ser esta a melhor solução, já que uma sentença não é um minus formal face à escritura pública, até mesmo porque a substitui, por exemplo, nos casos de execução específica do contrato promessa e na acção de preferência. Acresce que a sentença homologatória tem a mesma força das demais sentenças e, não limitando a lei, aqui, o conteúdo da transacção, nada impedirá o efeito referido na decisão anotada, desde que as partes manifestem devidamente a sua vontade nesse sentido e a lei não impeça (por incumprimento de requisitos formais ou substanciais) a dita transmissão.

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