domingo, julho 01, 2007

Jurisprudência do Tribunal de Conflitos

1) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 015/06 (sem sumário).
Esta decisão é de alguma relevãncia prática, dizendo respeito à competência para o julgamento das acções que tenham por objecto a indemnização de danos causados em virtude de atravessamento de animais em auto-estrada e consequente acidente de viação (alegando-se, aqui, a falta de cuidado na conservação das vedações).
Se a acção for intentada contra a concessionária da manutenção e exploração das auto-estradas, colocava-se a questão de saber se seriam os tribunais comuns ou os tribunais administrativos a julgá-la.
Sendo certo que todas as decisões que conheço sobre o assunto são dos tribunais comuns, vem agora o Tribunal de Conflitos confirmar a competência desta jurisdição para o julgamento das ditas acções, considerando que "se a responsabilidade é (for) extracontratual e se a B… é um sujeito privado, nada há todavia na lei que lhe torne aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado.
Clama também o recorrente pela al. f), parte final (do mesmo número e artigo) - questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos ... em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.
Mas não é o caso: se a responsabilidade é (for) contratual e se a B… é um concessionário a actuar no âmbito da concessão, nada há nos autos, todavia, que diga que as partes - a B… e o autor - celebraram o contrato que permitiu a este, contra o pagamento de determinada quantia, circular em segurança (sem animais, com tipo e aparência de javalis, a atravessarem a faixa de rodagem), sujeitando-o a um regime substantivo de direito público. Muito menos expressamente.
E tem natureza manifestamente privada alguém contratar com outro alguém pagar um determinado preço (a portagem) tendo como contraprestação um acréscimo de segurança (que o Estado não pode dar ao comum das estradas públicas que põe ao dispor dos cidadãos).
Num caso ou noutro, seja de qualificar como extracontratual ou como contratual a responsabilidade que está a ser esgrimida pelo autor, importa chamar a atenção para aquilo que, nas bases da concessão, acentua a natureza privada da concessionária perante terceiro: a Base XLIX (agora no Dec.lei 294/97) - serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão.
O Estado concedente afasta de si, e da sua natureza pública, as relações da B… com terceiros, reconduzindo a concessionária à sua natureza de pessoa colectiva de direito privado
".



2) Acórdão de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07/07 (sem sumário).
Neste acórdão, considerou-se competente o tribunal da jurisdição admnistrativa para o julgamento do recurso de uma decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, pela Segurança Social, tencionando o requerente do apoio intentar, ao abrigo deste, uma acção da competência dos tribunais administrativos.
Assim, mantém-se dominante a posição segundo a qual é o tribunal da jurisdição competente para receber a acção a que diz respeito o pedido de apoio judiciário que é competente para julgar o recurso do indeferimento do pedido de apoio - posição esta a que o Tribunal de Conflitos tinha já chegado nos acórdãos de 06-07-2006, proferido no processo n.º 07/06, de 20-06-2006, proferido no processo n.º 013/06, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 010/06, de 20-12-2006, proferido no processo n.º 04/06 (este já analisado aqui), e de 20-12-2006, proferido no processo n.º 020/06, bem como no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2005, proferido no processo n.º 05B1248.
Transcrevo a parte mais importante da fundamentação da decisão:
"O artigo 28.°, n.°1 da Lei n.° 34/2004, de 29.7.2004 refere que é competente para conhecer da impugnação o tribunal de comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que a acção se encontra pendente.
Este preceito deve, no entanto, ser interpretado tendo em conta, logo à partida, uma regra básica da realidade processual de que o acessório segue o principal.
Depois, há que ter em consideração que o incidente do apoio judiciário sempre foi um incidente do processo a que dizia respeito e que o legislador, quando determinou a competência das autoridades administrativas para a sua decisão numa primeira fase, agiu apenas com intuitos de aliviar os tribunais, nunca tendo pretensão de autonomização relativamente à causa principal. Mesmo, quando, no artigo 24.° n.°1 da mencionada lei, refere que o procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, quis apenas afastar uma realidade que vinha sendo comum de o pedido de apoio judiciário bloquear o andamento daquela causa principal. Basta lerem-se os demais números daquele artigo para assim se concluir.
Ademais, a vantagem em o incidente de recurso de denegação do apoio judiciário correr no tribunal onde se pretende intentar a acção é manifesta. Muitas vezes, elementos da própria acção são indiciadores de que os dados fornecidos relativamente a tal incidente não são verdadeiros. Sendo também na acção principal que surgem a maior parte dos dados que conduzem ou podem conduzir ao cancelamento ou caducidade do benefício (artigo 10º. e 11º. da citada lei).
Então, se em casos como o nosso, se atribuísse a jurisdição aos tribunais judiciais, ou o juiz do processo principal tinha que fornecer os dados ao juiz dos tribunais judiciais para ele decidir da extinção do benefício (ou do recurso dessa extinção) ou o juiz da causa principal passava a ter jurisdição para se intrometer na decisão que o colega da outra jurisdição tomara.
Qualquer das hipóteses é de repudiar"
.



3) Acórdão de 17-05-2007, proferido no processo n.º 05/07:
"A competência (ou jurisdição) de um tribunal determina-se pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos.
À luz da alínea i) do n.º 1 do art.º 4 do ETAF actual a competência dos tribunais administrativos para apreciarem acções em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas só é possível se lhes for aplicável "o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público".
Os trabalhos executados pelo empreiteiro a coberto de um contrato de empreitada de obras públicas obedecem às regras técnicas aplicáveis a qualquer contrato dessa natureza, público ou privado, não se assumindo como actos de gestão pública, não se integrando, por isso, nas relações jurídicas a que alude o art.º 1, n.º 1, do ETAF.
Os tribunais administrativos são materialmente incompetentes para conhecer dos pedidos de indemnização formulados contra pessoas colectivas de direito privado, se relativamente a elas não existe norma legal que as submeta ao regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual aplicável aos entes públicos.
Nessas circunstâncias os competentes são os tribunais judiciais, art.ºs 211, n.º 1, da CRP, 18 da LOTJ e 66 do CPC
"
.

Nota - A consideração, constante do sumário, de que a qualificação de um acto como de gestão privada releva só por si para a determinação da (in)competência dos tribunais administrativos diverge da jurisprudência mais recente - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A1004 (referido já aqui), de 12-02-2007, proferido no processo n.º 07B238 (referido já aqui), do Tribunal de Conflitos de 26-10-2006, proferido no processo n.º 018/06 (referido já aqui), e do Tribunal da Relação do Porto de 12-10-2006, proferido no processo n.º 0634770.
De qualquer forma, não foi este o critério que acabou por ser decisivo, como se verifica lendo esto seguinte segmento da fundamentação:
"Já se viu, de acordo com o disposto na referida alínea i) do n.º 1 do art.º 4 do ETAF, que os tribunais administrativos são competentes para conhecer das situações de responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados desde que lhes seja aplicável o regime substantivo de responsabilidade civil de direito público. Já se viu, igualmente, não ter sido invocada norma que expressamente tornasse aplicável às rés o regime específico da responsabilidade do Estado. Ora, como observam Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida nas "Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo", Almedina, 38 e 39, "No que se refere à responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados, estabelece o artigo 4.º, n.º 1, alínea i) do ETAF, que a jurisdição administrativa só é competente para apreciar quando a esses sujeitos for aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. No que se refere às pessoas colectivas de direito privado, continua, pois, a ser relevante, para determinar se um litígio é da competência dos tribunais administrativos ou dos tribunais comuns, saber se o facto constitutivo da responsabilidade se encontra ou não submetido à aplicação de um regime especifico de direito público. Refira-se que a remissão, que já na proposta de lei era feita, neste domínio, para o regime da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, assentava no pressuposto de que o Decreto-Lei n.º 48051 iria ser substituído por um novo diploma, que expressamente determinaria os termos e condições de que haveria de depender a sua aplicabilidade a entidades privadas. (...) Na ausência de disposições de direito substantivo que prevejam a aplicação do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público a entidades privadas, parece que a previsão do artigo 4.º, n.º 1, alínea i), do ETAF permanecerá sem alcance prático: os tribunais administrativos não serão competentes para apreciar a responsabilidade de entidades privadas por não haver norma que submeta essas entidades ao regime da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas (...)". Ponto de vista sublinhado por Carlos Cadilha, CJA n.º 40, 20 e 21, ao referir que "De fora do âmbito da responsabilidade administrativa fica toda a actividade material de pessoas privadas que, embora funcionalmente ligadas a um fim de interesse económico geral, não envolva a aplicação de um regime específico de direito público e não seja, por isso, susceptível de ser qualificada como de gestão pública".
No mesmo sentido se concluiu no acórdão deste STA de 25.1.05, proferido no recurso 681/04, como se vê do seguinte passo: "Por sua vez, o novo ETAF, ao definir o âmbito da jurisdição administrativa, só admite que nesta se aprecie a «responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados» se, relativamente a estes, houver dispositivo que pontualmente lhes estenda «o regime específico da responsabilidade do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público» (cfr. o art. 4°, n.º 1, al. i). E isto significa que, na ausência de um dispositivo desse género, e ressalvada a ocorrência de quaisquer outras razões extravagantes - que no presente caso nem sequer se figuram - a jurisdição administrativa continua hoje, por regra, a não conhecer da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito privado, ainda que elas sejam de capitais exclusivamente públicos e estejam incumbidas do desempenho de actividades de interesse público".
Assim sendo, é de concluir que os tribunais administrativos são materialmente incompetentes para conhecer do pedido de indemnização formulado contra as rés, uma vez que estas são pessoas colectivas de direito privado e relativamente a elas não existe norma legal que as submeta ao regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual aplicável aos entes públicos"
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