quarta-feira, julho 11, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 3 de 3)

1) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07P1999:
"I - O título executivo, exprime uma prova de primeira aparência, o que, contudo, não significa que o direito aparentemente nele incorporado exista.
II- O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção, não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não.
III - Sendo o a letra de câmbio tal, como o cheque e a livrança, um título abstracto, não constando dele, por isso, a causa da obrigação que esteve na base da sua emissão, apenas pode servir de título executivo, como documento particular assinado pelo devedor, se o exequente, no requerimento executivo, invocar, expressamente, a relação subjacente que esteve na base da respectiva emissão e alegar qual a relação jurídico-negocial que esteve na base da emissão do título (relação fundamental).
IV - A mera alusão apenas no documento junto com o requerimento executivo – uma letra de câmbio – a “transacção comercial” – é insuficiente para se considerar que o exequente alegou na petição executiva o negócio extracartular, por tal menção não consentir conclusão sobre se a transacção comercial constituía ou não negócio jurídico formal
"
.

Nota - A conclusão III não espelha fielmente o teor da fundamentação do acórdão. Ao lê-la, fica-se com a impressão de que ali se afirmou que um cheque, uma letra e uma livrança só podem, em qualquer caso, ser títulos executivos quando seja invocada a relação subjacente. Ora, é bem sabido que assim não é (sendo títulos abstractos, a obrigação cartular, vale por si). O acórdão refere-se aos títulos de crédito prescritos, pois é em relação a estes que a jurisprudência maioritária tem entendido que poderão, ainda, constituir títulos executivos, desde que seja invocada, no requerimento executivo, a relação subjacente, e esta não consubstancie negócio jurídico formal - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2002, in CJ, tomo I, pág. 64,
de 09-03-2004, proferido no processo n.º 03B4109 (com declarações de voto discordantes no que toca à possibilidade de o título prescrito poder valer como título executivo), do Tribunal da Relação do Porto de 16-05-2005, proferido no processo n.º 0551108, de 14-02-2005, proferido no processo n.º 0457128, e de 07-10-2003, proferido no processo n.º 0323726, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2005, proferido no processo n.º 2070/2005-6.
Não me parece ser de subscrever a doutrina do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0433578, no sentido segundo o qual a relação subjacente se presume, na apresentação à execução do título de crédito prescrito, doutrina essa que, de forma mais mitigada, também parece surgir no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03B3056, que, analisando uma questão muito parecida com a que é objecto da decisão anotada (apresentação de título prescrito, no qual apenas se refere como causa uma "transacção comercial", sem mais detalhe), acaba por entender que, "tendo-se feito na letra menção expressa e literal a "transacção comercial/reforma de outras letras", dúvidas não restam de que, quer representem o valor de transacções comerciais propriamente ditas, quer respeitem a reformas de letras anteriores com as mesmas conexionadas, respeitam a dívidas de quem se obrigou a pagá-las e a obrigações de natureza comercial entre os sujeitos subscritores previamente estabelecidas VI. Haverá, nesta sede, que fazer funcionar (a favor do credor-exequente) o princípio da presunção de existência da relação fundamental, competindo, por isso, ao devedor-executado o encargo de demonstrar que, apesar dessa menção/alusão nos questionados documentos das respectivas fontes obrigacionais, tal relação fundamental era afinal, e na realidade, inexistente".
É precisamente num contexto semelhante que, no acórdão em análise, se entendeu que a mera invocação de uma "transacção comercial", não concretizada, é insuficiente para que se considere alegada a relação subjacente (trata-se de uma falta que podemos considerar de algum modo paralela à alegação meramente conclusiva da causa de pedir, na petição inicial).
Para uma formulação precisa e descrição da evolução doutrinária e jurisprudencial sobre o conceito de causa de pedir na acção executiva, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 19-12-2006, proferido no processo n.º 06B3791, e, complementarmente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, proferido no processo n.º 6554/2005-7 (este adaptando o critério também às execuções de títulos cambiários sem invocação da relação subjacente), e do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-10-2005, proferido no processo n.º 2270/05.
Para aplicações práticas do conceito, hoje tendencialmente ultrapassado, de que a causa de pedir, na execução, é o título, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 22-05-2001, proferido no processo n.º 0021602, de 13-03-2001, proferido no processo n.º 0021365, e de 18-01-2000, proferido no processo n.º 9950873.
Não se trata de uma mera questão conceptual, havendo consequências práticas da opção tomada. Veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 14-06-2002, proferido no processo n.º 0230707: "Tem uma corrente doutrinária e jurisprudencial vindo a entender que, quando um título de crédito é apresentado como título executivo, mas enquanto mero quirógrafo, ou seja, como documento particular, consubstanciador da relação subjacente, causal ou fundamental, tem o exequente de invocar a causa da obrigação, ou seja, os factos que consubstanciam a existência de uma obrigação do executado para consigo, no requerimento inicial da execução (quando não conste do título), para, designadamente, poder ser impugnada pelo executado, não o podendo fazer posteriormente, sem o acordo do executado, por tal implicar alteração da causa de pedir (neste sentido, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., 54; Ac. do STJ, de 30.1.2001, CJ/STJ, 2001, I, 85 e da RP, de 13.1.2000, BMJ, 493º-417, entre outros)".


2)
Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B2210:
"1. Não podem ser admitidas por acordo por falta de impugnação as afirmações de pendor puramente jurídico, meramente conclusivas ou envolventes de juízos de valor.
2. A eliminação dos meios de prova pelo decurso do tempo e um especial circunstancialismo são susceptíveis de impedir a admissão por acordo pela sociedade ré de determinados factos alegados pelo autor, não obstante a sua afirmação de ignorância sobre a concernente realidade.
3. O erro da Relação na fixação dos factos da causa com base em prova de livre apreciação excede o âmbito de apreciação do recurso de revista.
4. O incumprimento do ónus de prova do pagamento por parte do réu, como excepção peremptória de tipo extintivo, só releva contra ele se provada estiver pelo autor a constituição da obrigação de pagamento.
5. A condenação do que vier a liquidar-se posteriormente só é configurável no caso de estar provada a obrigação de prestar e só faltar a determinação do respectivo quantitativo
"
.

Nota - Quanto ao vertido no ponto 1, trata-se de matéria pacífica, pois as meras conclusões ou juízos de valor não constituem factos e, como tal, não podem ser objecto de admissão.
Mais interessante é, porém, a conclusão que aparece no segundo ponto. Ali se faz uma interpretação muito razoável do artigo 490.º do CPC, considerando-se que, certos factos, apesar de serem imputados ao réu, não devem ser considerados admitidos quando este afirme desconhecê-los, por não ser razoável presumir o seu conhecimento. No caso concreto, tratava-se de transacções comerciais alegadamente realizadas 15 anos antes dos articulados, tendo o tribunal considerado que "a lei, no artigo 40º do Código Comercial, só obriga os comerciantes a conservar os livros da sua escrituração durante dez anos. Com efeito, está assente, por um lado, que as pessoas responsáveis pela celebração dos contratos em causa já não exercerem a sua actividade, inexistem documentos que titulem as relações comerciais com o Fundo ou livros em arquivo que reflictam escrituração relativa ao período a que respeitam as operações comerciais em causa. E, por outro, que decorridos mais de quinze anos sobre os factos, não poder a recorrida precisar se recebeu e o que recebeu de cada um dos seus clientes moçambicanos relativamente a cada uma das prestações previstas para cada um dos contratos. No fundo, a recorrida afirmou - e até provou – que ignorava e não tinha obrigação de conhecer os factos realmente alegados pelo recorrente. Perante este quadro de facto, impõe-se considerar que afirmação de facto constante do quesito 12º não é de considerar pessoal da recorrida ou de que ela deva ter conhecimento, para os efeitos previstos no nº 3 do artigo 490º do Código de Processo Civil". Esta interpretação restritiva, ainda que sujeita aos requisitos apertados que atrás se enunciaram, parece-me de saudar.
Quanto ao ponto terceiro, cfr.
aqui a nota ontem ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1981.
O quarto ponto é pacífico.
Quanto aos requisitos da condenação genérica, mais concretamente a necessidade de se encontrar comprovada a obrigação, desconhecendo-se apenas o seu montante, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1441, e do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2001, proferido no processo n.º 0031748.
Sobre a alteração do regime do incidente da liquidação com o DL 38/2003, que passou a correr no próprio processo declarativo, cfr. especialmente os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 16-04-2007, proferido no processo n.º 0750228, de 08-02-2007, proferido no processo n.º 0730237, e de 24-04-2007, proferido no processo n.º 0721491, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2005, proferido no processo n.º 9182/2005-8.


3)
Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1361:
"(...)
O artigo 291º do Código Civil não se encontra revogado, tendo um âmbito de aplicação diverso daquele que (actualmente) cabe ao artigo 5º do Código do Registo Predial;
Sendo aplicável o artigo 5º do Código do Registo Predial, não releva o prazo de três anos, previsto no nº 2 do artigo 291º do Código Civil para a propositura e registo da acção de declaração de nulidade ou de anulação;
É terceiro para os efeitos previstos no artigo 5º do Código do Registo Predial, quer na redacção decorrente do Decreto-Lei nº 533/99, de 11 de Dezembro, que lhe aditou o nº 4, quer na sua anterior versão, aquele que compra um prédio a quem figura no registo predial como seu proprietário, apesar de já ter anteriormente alienado a outrem o mesmo prédio, por permuta não registada
.
(...)"


Nota - Sobre a diferença entre os conceitos de terceiro para efeitos de registo constantes dos artigos 291.º do CC e 5.º do Código do Registo Predial, cfr.,
neste post anterior, a nota que deixei ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-06-2007, proferido no processo n.º 07B1847.

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