domingo, maio 13, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567:
"I - Para efeito do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do CPC, versam questões de direito as respostas aos quesitos da base instrutória que exprimam valoração jurídica, própria da subsunção de realidades factuais a uma previsão normativa, implicando necessariamente a interpretação da lei.
II – Tal não sucede quando, na decisão proferida sobre a matéria de facto, se emprega o vocábulo “honorários”, com o sentido, corrente na linguagem comum, de pagamentos correspondentes à contrapartida retributiva da prestação de uma actividade, independentemente da qualificação da relação jurídica em que tal actividade se inscreve.
III – A expressão “trabalhadores subordinados”, inserida na decisão da matéria de facto – para referir colaboradores de uma empresa em relação aos quais nenhuma dúvida se levante acerca da existência de um contrato de trabalho –, não deve ter-se por não escrita, já que a sua utilização, em tal contexto, não envolve um juízo de direito determinante da solução da questão da natureza do contrato vigente entre as partes – contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços.
IV – O bloco normativo constituído pelos artigos 722.º, 2 e 729.º, n.º 2, do CPC, não consente a alteração, pelo Supremo Tribunal de Justiça, da decisão proferida sobre a matéria de facto, se não for alegada violação de regras de direito material probatório.
V – O ónus de especificação imposto, pelo artigo 690.º-A, n.os 1 e 2, do CPC, ao recorrente que impugne a matéria de facto, mostra-se cumprido, desde que indique, além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova constantes da gravação, ou seja, os depoimentos, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto àqueles pontos, referindo o número da cassete, o lado e as rotações em que começa e acaba cada depoimento, assinalados na acta de audiência, nos termos do artigo 522.º-C, n.º 2, do CPC..
VI – Não é exigível, para satisfação daquele ónus, que o recorrente indique a parte ou partes dos depoimentos, relativos aos pontos de facto impugnados, que faça referência ao que cada testemunha terá dito em relação a cada um dos pontos de facto, e que mencione as rotações do suporte magnético onde se localizam o início e fim de cada uma das partes ou passagens dos depoimentos referidos aos pontos de facto a reapreciar.
VII – A ampliação da matéria de facto, prevista no artigo 729.º, n.º 3, do CPC, passa não só pela averiguação de factos que, tendo sido alegados, não foram apurados, mas também pela reapreciação de factos que, também alegados, terão sido deficientemente aquilatados, designadamente porque a Relação, indevidamente, não cuidou de proceder à reapreciação das provas gravadas, posto que o objectivo da ordem de ampliação da matéria de facto é o de fazer averiguar factos de que o tribunal pode tomar conhecimento e que não foram apurados ou que o foram deficientemente.
VIII – A necessidade de ampliação pressupõe que, sem a reapreciação das provas gravadas e consequente pronúncia sobre os factos impugnados, não seja possível decidir da causa conforme o direito, implicando o juízo sobre tal necessidade a valoração jurídica, prévia, da globalidade dos factos definitivamente fixados, à luz do regime jurídico aplicável.
(...)"
.

Nota - São muitas as questões de que se ocupa este acórdão.
Quanto ao uso de expressões jurídicas na selecção da matéria de facto e respostas à base instrutória, remeto para o que já anteriormente foi escrito no blog (cfr.
aqui e aqui).
Quanto ao uso, pelo STJ, dos poderes previstos no n.º 3 do artigo 729.º do CPC, ordenando a ampliação da matéria de facto, há que dizer que tal uso só se justifica quando a matéria apurada se revelar insuficiente para a apreciação jurídica a que o STJ procederá, como tribunal de revista - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06S789, de 12-01-2006, proferido no processo n.º 05S2655, de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1263, de 09-05-2006, proferido no processo n.º 06A1001, de 02-03-2006, proferido no processo n.º 06B514, de 24-02-2005, proferido no processo n.º 04B4164, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3513 (este especialmente detalhado), de 06-05-2004, proferido no processo n.º 04B1409, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 07A091.
O STJ pode ainda ordenar a baixa do processo, nos termos da mesma norma, para que se sanem contradições nas respostas à matéria de facto - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 17-03-2005, proferido no processo n.º 05B531, de 11-01-2005, proferido no processo n.º 04A3357, de de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03P2032, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06A4375.
Quanto ao conteúdo preciso do ónus de impugnação da matéria de facto, a jurisprudência maioritária tem entendido que ele não implica que a identificação dos depoimentos concretos postos em crise conste das conclusões (bastando que se encontre nas alegações). Das conclusões devem constar obrigatoriamente, apenas, os pontos da matéria de facto que se pretendem ver alterados. No entanto, a questão não é pacífica. Sobre este assunto, podem ler-se os acórdãos do STJ
de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06S3405 e de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455 (cfr. algumas notas a este acórdão aqui). A orientação do acórdão anotado é, actualmente, dominante no STJ, encontrando-se facilmente outros acórdãos no mesmo sentido (cfr., por exemplo, o de 08-03-2006, proferido no processo n.º 05S3823), embora seja possível encontrar jurisprudência do mesmo tribunal em sentido oposto (cfr., por exemplo, o acórdão de 05-02-2004, proferido no processo n.º 03B4145). Na Relação de Lisboa, porém, encontram-se algumas decisões a exigir que as conclusões contenham também os concretos meios de prova que levam a decisão diversa (cfr. os acórdãos de 02-06-2005, proferido no processo n.º 1598/2005-4, de 02-11-2005, proferido no processo n.º 1812/2005-4, e de 18-01-2006, proferido no processo n.º 10696/2005-4).
Quanto ao outro ponto em análise na decisão (ou seja: o que deverá entender-se como identificação concreta do ponto da gravação onde se encontra o depoimento), cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2642 (no mesmo sentido da decisão anotada, o qual, aliás, me parece ser o único razoável).


2)
Acórdão de 03-05-2007, proferido no processo n.º 06B3359:
"I - Quando as partes, no exercício legítimo da sua autonomia contratual, assinaram uma convenção arbitral e renunciaram a outro foro, vedada lhes fica a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e das decisões que foram caminhando o caminho até à decisão final.
II – Resta-lhes, em tal caso, a possibilidade de anulação da sentença arbitral nos termos e fundamentos do art.27º, nº1 da LAV ( Lei nº31/86, de 29 de Agosto ).
III – Decidir da aplicação ou não aplicação de uma qualquer cláusula penal inserta no contrato é já conhecer do mérito da questão e, por isso, em tal caso, está esse conhecimento vedado aos tribunais judiciais.
IV – Como vedado está, pelas mesmas razões, conhecer da denominada legitimidade substantiva das partes.
V – Se se pode considerar que os direitos de personalidade são direitos indisponíveis (e, portanto, inarbitráveis as questões respeitantes ao seu conhecimento por força do que dispõem a al. e ) do nº1 do art.27º e o art.1º da LAV) já não é indisponível o direito de acção tendente à indemnização por responsabilidade civil com fundamento na violação de qualquer desses direitos e muito menos indisponível a quantificação da eventual indemnização por danos causados por essa violação.
VII – Só a violação dos princípios de igualdade de tratamentos das partes, citação do demandado para se defender, estrita observância do princípio do contraditório, audição das partes antes de proferida a decisão final ( ínsitos no art.16º da LAV ), e não a simples violação ou “descumprimento” de quaisquer preceitos do direito processual civil, pode conduzir à anulação da decisão arbitral. Emesmo assim – art.27º, nº1, al. c ) da LAV apenas se tal violação tiver tido influência decisiva na resolução do litígio"
.

Nota - A disponibilidade dos direitos como pressuposto essencial para o recurso à jurisdição arbitral está expressamente prevista na lei - artigo 1.º, n.º 1 da LAV - pelo que nem se discute. Aliás, a doutrina maioritária liga o poder do tribunal arbitral ao poder das partes na disposição dos seus próprios direitos. Quanto a esta matéria, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação da Guimarães
de 16-02-2005, proferido no processo n.º 197/05-1 (tratando a questão com grande desenvolvimento), que não segue, todavia, um critério inteiramente coincidente com o da decisão anotada.
Quanto à indisponibilidade dos direitos de personalidade e à consequente subtracção de tal matéria à competência dos tribunais arbitrais, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 27-11-2001, proferido no processo n.º 0121217.

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