quarta-feira, maio 07, 2008

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-04-2008, proferido no processo n.º 10486/2007-4:
"Declarada a insolvência da entidade patronal, não se verifica a inutilidade superveniente da lide numa acção, de natureza laboral, em que se reclamem créditos resultantes da execução e cessação do contrato de trabalho."

Nota - A questão analisada acórdão não é líquida e não tem recebido resposta unânime da jurisprudência, apesar de não serem muitos os arestos sobre este assunto.
Embora já se tenha decidido, em sentido próximo do subscrito neste acórdão, que,
"tendo o trabalhador reclamado os seus créditos daí resultantes num processo de insolvência movido contra a sua entidade patronal, enquanto não houver decisão judicial a dar como verificados e como reconhecidos tais créditos não é inútil a instauração de uma acção declarativa condenatória por ele instaurada contra a sua entidade patronal, pelo que importa que esta siga os seus regulares termos até ao trânsito em julgado da decisão que neste processo seja proferida" (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-02-2007, proferido no processo n.º 168/06.2TTCBR.C1), também se decidiu já em sentido inverso, considerando que basta reclamar o crédito no processo de insolvência para que se determine a inutilidade da lide destinada a declarar os direitos emergentes da cessação do contrato de trabalho (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-10-2006, proferido no processo n.º 6544/2006-4, relatado pelo desembargador que, no acórdão em análise, lavrou voto de vencido).
No sentido da decisão anotada pode ainda ler-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-10-2007, proferido no processo n.º 0714018.



2) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-04-2008, proferido no processo n.º 8324/2007-8:
"No incidente de incumprimento de prestação mensal de alimentos contra o pai do menor em que é reclamado o pagamento pelo IGFSS se se tiver de imputar ao Fundo de Garantia a sua responsabilidade deve este pagar tão somente as prestações vencidas desde o momento em que foi requerida a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores."

Nota - Esta é mais uma questão que tem dividido muito a jurisprudência.
Discute-se se a prestação mensal de alimentos a menor, a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, abrange as prestações já vencidas e não pagas anteriores ao pedido contra o Fundo, as vencidas após tal pedido ou apenas as que se vencerem após a decisão.
Para cada uma das três correntes há jurisprudência.
Citando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2006, proferido no processo n.º 0636008, aqui fica um levantamento de algumas delas (acrescentei, apenas, como habitualmente, as ligações directas aos acórdãos).
"São já muito numerosas as decisões dos tribunais superiores sobre a questão do momento a partir do qual recai sobre o Fundo a obrigação de pagar a prestação de alimentos. E três correntes se têm perfilado.
Uma sustenta que a condenação abrange apenas as prestações vencidas a partir do mês seguinte à data da notificação da decisão (de que são exemplo os muitos arestos citados pelo recorrente e, além de outros, o recente acórdão do STJ, de 6.7.2006, www.dgsi.pt, proc. 05B4278); outra, para quem o pagamento, embora só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão, reporta-se e abrange as prestações vencidas desde a data em que foi apresentado pedido contra o Fundo (neste sentido, Acs. RC, de 12.4.2005, proc. 265/05, e de 3.5.2006, proc. 805/06; da RG, de 1.6.2005, proc. 587/05-1 e de 11.2.2004, proc. 2269/03-2; da RE, de 30.3.2006, proc. 147/06-2, todos em www.dgsi.pt); e, uma terceira, que defende que o Fundo pode ser condenado a pagar as prestações acumuladas, já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos (neste sentido, Ac. da RL, de 12.7.2001 - confirmado pelo Ac. do STJ, de 31.1.2002 (revista nº 4160/01-2ª), e da mesma Relação, de 24.11.2005 e de 9.6.2005, www.dgsi.pt, procs. 9132/2005-6 e 3645/2005-8; da RC, de 15.11.2005, www.dgsi.pt, proc. 2710/05; da RP, de 25.10.2004, 21.9.2004 e 22.11.2004, www.dgsi.pt, procs. 0454340, 0453441 e 0455508; e desta mesma Relação, de 19.9.2002, este in CJ, 2002, IV, 180, relatado pelo ora também relator)."
Exemplar, pela atitude, prossegue o acórdão: "A divergência de decisões tem ocorrido mesmo nesta Secção da Relação do Porto. O que – há que reconhecê-lo – em nada é prestigiante para os tribunais e não deixará de causar alguma perplexidade nos menos entendidos em assuntos de justiça.
Entendeu-se, porém, agora, nesta Secção, após análise conjunta da questão, dever assumir-se uma posição consensual e uniforme, esta no sentido de que as prestações de alimentos são devidas desde a data da propositura do respectivo pedido contra o Estado (embora o respectivo pagamento só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão que fixe a prestação mensal)."
A argumentação, partindo da omissão de lei reguladora do funcionamento do Fundo, passa por aplicar a regra do artigo 2006.º do CC: "os alimentos são devidos desde a proposição da acção (...)".
Para além desta decisão da Relação do Porto e da jurisprudência nela citada, há ainda a assinalar:
1) No sentido segundo o qual a obrigação a suportar pelo FGA abrange todas as prestações vencidas (desde que não sejam anteriores ao momento da entrada em vigor da lei de instituição do Fundo, ou seja, 01-01-2000): acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 4961/2007-8.
2) No sentido segundo o qual a obrigação a suportar pelo FGA abrange as prestações em dívida a partir da decisão do tribunal: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 5455/2007-6 (com um voto de vencido, onde se sustenta a posição vertida em "1)"), de 13-03-2008, proferido no processo n.º 899/2008-6 (idem), de 06-03-2008, proferido no processo n.º 1608/2008-6 (idem), e de 31-01-2008, proferido no processo n.º 10848/2007-6.
3) No sentido segundo o qual o FGA deve suportar as prestações desde a data em que foi requerida a sua intervenção: acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-12-2007, proferido no processo n.º 10407/2007-8.
Já não sobre o mesmo problema, mas outro ainda conexo, veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-03-2008, proferido no processo n.º 0850591 ("I- Para ocorrer a intervenção do FGADM é necessária a existência de um devedor e que não tenha sido cobrada a prestação de alimentos. II- Esta obrigação e sub-rogação legal do Fundo é independente de terem sido ou não accionados os familiares que estão vinculados à prestação de alimentos.").


3) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-04-2008, proferido no processo n.º 6589/2007-1:
"Os créditos de natureza laboral devem ser sempre graduados em primeiro lugar, à frente dos demais credores, mesmos dos que tem o crédito garantido por hipoteca ou similar como é o caso dos autos em que a apelante invoca o direito de retenção sobre um imóvel da massa falida que é quanto às preferências sobre os demais credores igual à do credor hipotecário."

Nota - A decisão é compreensível na medida em que considerou que, por força do disposto no Código do Trabalho, o privilégio imobiliário geral dos trabalhadores foi substituído por privilégio imobiliário especial. No mesmo sentido da decisão anotada, e analisando o problema da constitucionalidade da solução, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-02-2007, proferido no processo n.º 530/04.5TBSEI-X.C1.
Na verdade, dificilmente se poderia sustentar a prevalência de privilégios imobiliários gerais sobre a hipoteca. Nesse sentido, cfr., do Supremo Tribunal de Justiça, na vigência do CPEREF, os acórdãos 11-09-2007, proferido no processo n.º 07A2194, de 21-09-2006, proferido no processo n.º 06B2871, de 08-11-2005, proferido no processo n.º 05A2355, de 25-10-2005, proferido no processo n.º 05A2606 (com um voto de vencido), de 05-02-2002, proferido no processo n.º 01A3613, e de 12-06-2003, proferido no processo n.º 03B1550, de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3427, e de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1309. Contra, antes da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, cfr. o acórdão de 18-11-1999, proferido no processo n.º 99B848. Veja-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-09-2007, proferido no processo n.º 7-AD/2002.C1.
O problema colocava-se, pois, pelos credores hipotecários que viam os seus créditos ceder face aos privilégios imobiliários gerais. Recentemente, o problema já tem sido levantado "às avessas" pelos beneficiários de privilégio imobiliário geral, que o vêem ceder face à hipoteca. Especificamente quanto aos créditos laborais garantidos por privilégio imobiliário geral (que o Tribunal Constitucional admitiu, anteriormente, poderem sobrepor-se ao crédito hipotecário - cfr. acórdão n.º 498/2003), houve recentemente que apreciar a constitucionalidade da intepretação segundo a qual a hipoteca prefere ao dito privilégio. Quanto a esta matéria, o Tribunal Constitucional, nos acórdãos n.º 284/2007 e n.º 287/2007, conclui pela não inconstitucionalidade do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral de que gozam os créditos dos trabalhadores não prefere à hipoteca anteriormente registada, por referência aos artigos 2º e 59º, nºs 1, alínea a), e 3, da Constituição da República Portuguesa, essencialmente por considerar que, da conclusão de que o privilégio imobiliário geral dos trabalhadores pode preferir à hipoteca, "não decorre a obrigação constitucional de a lei ordinária conferir obrigatoriamente aos créditos laborais uma prevalência sobre crédito garantido por uma hipoteca anteriormente registada".


4) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-04-2008, proferido no processo n.º 9558/2007-6:
"I - O disposto no art. 519 nº 1, como enunciação de um princípio geral, que é, está também ele sujeito ao princípio da proporcionalidade.
II - Perante uma contraposição de interesses entre o dever de colaboração das partes e a protecção devida à documentação comercial, há que ponderar da indispensabilidade ou não dos documentos em causa para a apreciação do pedido, devendo ter em consideração, para além das normas conflituantes dos arts. 41º a 43º do CCom e art. 519º do CPC, ainda as regras atinentes ao ónus da prova, ao dito princípio da proporcionalidade em sentido restrito.
III – Se a parte dispunha de meios probatórios, pelo menos facilitadores da descoberta da verdade dos factos, de que injustificadamente se não serviu, na ponderação dos interesses conflituantes em causa, e tendo em conta os parâmetros limitadores enunciados leva a que se entenda não ser de dar prevalência ao princípio do dever de colaboração da parte contrária para a descoberta da verdade dos factos constante do art. 519º do CPC."

Nota - Convém ter cautela, na busca de jurisprudência sobre esta matéria, com a relação entre o princípio da colaboração na descoberta da verdade e o respeito pelo segredo da escrituração comercial, pois houve alterações relevantes, a este respeito, com a reforma do CPC de 1995/96 - cfr., desenvolvidamente, e com abundante citação de jurisprudência, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-05-2006, proferido no processo n.º 1572/2006-7.
Sobre assuntos conexos, deixo mais umas notas breves.
O artigo 44.º do Código Comercial estabelece o seguinte:
"Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova entre comerciantes, em factos do seu comércio, nos termos seguintes:
1.º Os assentos lançados nos livros de comércio, ainda quando não regularmente arrumados, provam contra os comerciantes, cujos são; mas os litigantes, que de tais assentos quiserem ajudar-se, devem aceitar igualmente os que lhes forem prejudiciais;
2.º Os assentos lançados em livros de comércio, regularmente arrumados, fazem prova em favor dos seus respectivos proprietários, não apresentando o outro litigante assentos opostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
3.º Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante, regularmente arrumados, resultar prova contraditória, o tribunal decidirá a questão pelo merecimento de quaisquer provas do processo;
4.º Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver discrepância, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles farão fé contra estes, salva a demonstração do contrário por meio de outras provas em direito admissíveis.§ único. Se um comerciante não tiver livros de escrituração, ou recusar apresentá-los, farão fé contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, excepto sendo a falta dos livros devida a caso de força maior, e ficando sempre salva a prova contra os assentos exibidos pelos meios admissíveis em juízo".
Quando se satisfaçam os requisitos ali apontados, presume-se correcta a informação contabilística deles constante - presunção "ilidível pela apresentação de assentos opostos em livros também regularmente arrumados ou por outra prova em contrário" (cfr. ponto "5." da fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318).
Cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2002, proferido no processo n.º 01S4428 ("Os relatórios de auditorias feitas ao funcionamento de uma organização (bancária) não cabem na categoria de livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos"), de 23-01-1996, proferido no processo n.º 087747 ("Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos a fazer prova dos factos relativos ao comércio entre os respectivos comerciantes mas isso não significa que tal prova só possa ser feita por esse meio."), de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1673 ("As facturas não são livros de escrituração comercial e, portanto, não se lhes aplica o regime probatório do art. 44º do CCom." - mas isto, note-se, não impede que, enquanto documentos particulares, possam gozar de força probatória plena, como se salienta no acórdão do mesmo tribunal de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318), e do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0634459 ("O artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares.").
Quanto à força probatória da escrituração comercial, cfr., no sentido segundo o qual não tem força probatória plena, encontrando-se sujeita a livre apreciação do tribunal, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-07-1969, in BMJ n.º 189, pág. 317, de 18-10-2007, proferido no processo n.º 06B3818, de 22-05-2003, proferido no processo n.º 03B1001, de 29-10-1998, proferido no processo n.º 98B736, e o já referido de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318.

Etiquetas: , , , , , , , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial