segunda-feira, novembro 19, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-07-2007, proferido no processo n.º 1290/07-2:
"A nossa ordem jurídica tutela o direito de personalidade pelo modo como está descrita no art.º 70.º do Cód. Civil a protecção concedida aos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Cuida este normativo de atribuir especial destaque à “personalidade” em geral considerada, do seu conceito e contexto podendo nós retrair a consagração do direito à protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, mais especificadamente à dignidade social dos cidadãos, à saúde e a um ambiente salutar, constitucionalmente garantidos nos artigos.
A par destes direitos à saúde e a um ambiente salutar perfila-se, também integrado no direito de personalidade, o direito à iniciativa privada (artigo 61.º n.º 1 da Constituição) e também o direito de propriedade (artigo 62.º n.º 1 da Constituição). Estes especificados direitos, não contendo na sua natureza o dom do absolutismo, pois que não se podem sobrepor aqueloutros, obrigam a que se estabeleça o ponto de equilíbrio de cada uma destas regalias, e, analisando cada caso concreto, aferir até que ponto podem ir uns e outros e fixar os limites e a sobreposição de cada um deles em confronto.
Constatando-se que, na casa sita no prédio de que o terreno onde se pretende instalar um posto de abastecimento serve de logradouro, se encontra estabelecido um café e supermercado, dúvidas não poderemos ter de que a instalação no prédio dos réus de um posto de abastecimento de combustíveis (gasolina e gasóleo) e o desenvolvimento, nessa área, da actividade de venda desses produtos combustíveis e serviços conexos, é nocivo à saúde pública."

Nota - Aqui está uma hipótese - não muito frequente - de acção popular. A única vez que, neste blog, tratei da acção popular foi a propósito do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-12-2006, proferido no processo n.º 275/2000.C1, no qual se concluía que "o instituto do abuso do direito tem aplicação nas acções populares, apesar de nestas acções se visar acautelar direitos de carácter comunitário, já que a titularidade do direito que se exerce ou visa defender através de uma acção judicial não constitui condição sine qua non para o funcionamento desse instituto jurídico".
Um caso célebre de acção popular foi o da chamada "taxa de activação" nas comunicações telefónicas da rede fixa, julgada ilegal no Supremo Tribunal de Justiça - cfr. o acórdão de 07-10-2003, proferido no processo n.º 03A1243, que procede à importante distinção entre interesses difusos e interesses individuais homogéneos (sobre esta distinção, cfr. também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-03-1996, proferido no processo n.º 0000836). Curiosamente, não foi a única vez que uma acção popular teve por objecto a prestação do serviço de comunicações pela rede fixa, pois já o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-1997, proferido no processo n.º 97B503 (também in BMJ n.º 469, pág. 432), foi proferido em acção popular na qual a Associação de Consumidores de Portugal pedia uma indemnização pelo incumprimento do contrato de prestação de serviço telefónico.
Quanto à legitimidade para intentar a acção popular, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2578, de 13-10-1998, proferido no processo n.º 98A910 (associações de pais), do Tribunal da Relação do Porto de 10-04-2007, proferido no processo n.º 0721017 (Ministério Público), de 01-03-2001, proferido no processo n.º 0031555 (associações de defesa dos animais), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-06-2006, proferido no processo n.º 11260/2005-7 (associações de defesa do ambiente).
Sobre o dano ecológico na acção popular, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-11-2004, proferido no processo n.º 1887/04-1.
Certeiro na delimitação das fronteiras dos interesses individuais homogéneos que merecem a tutela por via de acção popular e aqueles que devem ser acolhidos no processo comum foi o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-03-2004, proferido no processo n.º 0430724
("Invocando um grupo de autores o incumprimento parcial e defeituoso de um contrato de viagem que celebraram com uma agência de viagens e pedindo a condenação numa indemnização para cada um, a forma processual a ter em conta não é a acção popular, mas antes uma acção comum.").
Sobre a inclusão dos procedimentos cautelares na acção popular, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-1998, proferido no processo n.º 98A200, e de 14-04-1999, proferido no processo n.º 98B1090 (também in BMJ n.º 486, pág. 252).
Sobre a competência para apreciar o pedido formulado na acção popular, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26-04-2001, proferido no processo n.º 0130480, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-11-2000, proferido no processo n.º 0091106.
Para a análise de uma parte do problema do caso julgado na acção popular, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-1999, proferido no processo n.º 99B895.
Não trato nesta nota da acção popular administrativa, que obedece a outros requisitos e implica a consideração de outros institutos jurídicos. Ficará para uma próxima oportunidade, porque a nota vai longa e o tempo é finito. Sobre a fronteira entre a acção popular cível e a acção popular administrativa, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2006, proferido no processo n.º 101/05.9TBCVL.C1.



2) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-07-2007, proferido no processo n.º 1446/07-2:
"A providência cautelar de restituição provisória de posse, judicialmente decretada, pode ser substituída por caução, desde que esta medida se mostre adequada, bastante e suficiente para prevenir, evitar e reparar o dano.
É de aceitar, como critério orientador do juiz na decisão sobre a substituição por caução duma restituição provisória de posse, que esta só deve ocorrer nos casos em que se verifiquem ponderosos e aceitáveis interesses e razões do esbulhador, que possam superar o interesse típico da lei de reprimir a violência do esbulhador."

Nota - Não é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que a substituição da providência por caução seja possível no procedimento especificado de restituição provisória da posse ("(...)de modo algum é pacífico o entendimento sobre a possibilidade, ou não, de substituição da providência de restituição provisória de posse, judicialmente decretada, por caução. No sentido da inadmissibilidade se pronunciaram os Acs. do STJ, de 18.5.99 e de 25.5.2000, CJ/STJ, 1999, II, 97 e 2000, II, 83; e Acs. da RE, de 15.4.99 e 20.5.99, BMJ, 486º-376 e 487º-376. Admitindo a substituição, vd. Ac. do STJ, de 16.3.2000, in Boletim nº 39 de Sumários do STJ e da RE, de 25.2.99, CJ, 1999, I, 278; Lebre de Freitas, CPC anotado, 2º, 81; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, 57; Lopes do Rego, Comentários ao CPC, 282" - in acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-03-2004, proferido no processo n.º 0430877).
Com mais desenvolvimentos quanto à divisão da jurisprudência e da doutrina, nesta matéria, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-06-2007, proferido no processo n.º 4391/2007-6 (que alinha pelo entendimento que julgo ser mais adequado:
"só a análise casuística permitirá encontrar a solução mais adequada, a qual deve sempre atender aos interesses subjacentes à situação a tutelar, de forma a não defraudar, por via do instituto da caução, o objectivo que presidiu à providência cautelar. (...) a resposta há-de buscar-se na ponderação concreta que se efectue relativamente aos interesses em conflito. (...)importa aferir, in concreto, em que medida é que a caução se mostra ou não adequada a assegurar o direito que através da providência que foi determinada se pretendeu desde logo tutelar."
Este critério parece ter vindo a prevalecer, na jurisprudência mais recente (cfr., para além do que vai citado, as decisões mencionadas na fundamentação do acórdão). Há que lembrar, todavia, que, estando em causa, na restituição provisória da posse, um esbulho violento, haverá que ser particularmente exigente com o requerido, na análise dos motivos justificativos da possibilidade de prestação de caução, a qual será, certamente, excepcional.



3) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-07-2007, proferido no processo n.º 1249/07-1:
"Tendo sido deduzida reclamação tendente à exclusão de um saldo bancário relacionado pela cabeça de casal em inventário divisório por alegadamente pertencer a uma irmã do reclamante e apurando-se da prova produzida que o exacto valor relacionado havia sido transferido de conta da mesma irmã, justifica-se a audição desta, mesmo que oficiosamente, em ordem a esclarecer o fundamento da reclamação.
Da consideração do disposto no nº3 do artigo 265º e nº1 do artigo 645º do CPC resulta que, verificada a situação neste último configurada, cumpre ao juiz o poder-dever de promover ele próprio a audição de quem pode contribuir relevantemente para a decisão da causa, sendo sindicável nos termos gerais o seu exercício."

Nota - Concordo com a decisão. Sobre o assunto, mais desenvolvidamente - perdoem-me os leitores esta "informação publicitária" -, cfr. o meu artigo "Poderes instrutórios do juiz: alguns problemas", que será publicado no n.º 3 da Revista Julgar, disponível dentro de uma ou duas semanas.


4) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-07-2007, proferido no processo n.º 1195/07-1:
"O art. 325º, nsº.1 e 2 do C. P. Civil, permite a utilização do incidente da intervenção principal provocada, quer para assegurar a legitimidade passiva (nos casos de litisconsórcio necessário ou voluntário), quer para fazer intervir como réu o terceiro contra quem pretenda formular pedido subsidiário feito para valer na eventualidade de o pedido principal não proceder (caso litisconsórcio eventual ou subsidiário reguladono art. 31º-B do C. P. Civil).
Quanto a este último caso, carece, porém, o requerente do chamamento de alegar,no seu requerimento de intervenção, dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, ou seja, exige-se que o chamante expresse, de forma convincente, as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta.
(...)"

Nota - Sobre as quatro hipóteses a que é aplicável o artigo 31.º-B do CPC, cfr. este post anterior.
A decisão vai, quanto a mim, no sentido certo. Caberá à parte que pretenda fazer uso da disposição do artigo 31.º-B esclarecer as razões da dúvida (que pode ser de facto ou de direito) que leva à dedução do(s) pedido(s) por ou contra mais do que uma parte, em regime de subsidiariedade.
Repare-se que, na situação excepcional prevista naquela norma, a dúvida é precisamente o pressuposto da sua aplicação. Por isso, não pode o tribunal aceitar como bem fundado o uso daquele mecanismo sem que a parte demonstre as razões da sua dúvida. O artigo 31.º-B do CPC não está previsto para a pluralidade de partes resultante da pluralidade de titulares da relação material controvertida (hipótese para a qual já existem o litisconsórcio voluntário e o litisconsórcio necessário), mas para os casos em que, havendo um titular da relação controvertida, haja dúvidas quanto à pessoa que ocupa tal posição (cfr. os exemplos deixados na ligação
supra).
Sobre a aplicação desta norma, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-01-2007, proferido no processo n.º 06B4762, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-04-2007, proferido no processo n.º 1176/05.6TBMGR-A.C1 (admitindo que, para além da dúvida, também "o lapso" e "o desconhecimento" podem fundamentar o recurso ao mecanismo previsto no artigo 31.º-B do CPC).

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