terça-feira, novembro 06, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 2)

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2007, proferido no processo n.º 07B3578:
"As letras dadas à execução podem ser apresentadas como títulos de crédito ou como títulos executivos enquadrados no âmbito dos documentos particulares, mas neste caso deve constar do escrito o reconhecimento da obrigação pecuniária ou se dele não resultar, deve o requerimento inicial descrever os factos relativos à constituição ou reconhecimento da obrigação pecuniária, que constituirão a causa de pedir.
Para que um documento particular possa ser considerado título executivo, tem de resultar dele a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável, por simples cálculo aritmético, requisitos que resultam dos títulos de crédito que integram a relação jurídica cambiária.
A letra dada à execução quando tenha a natureza de títulos de crédito prescreve no prazo de três anos, quando apresentada como documento particular onde se reconheça a obrigação pecuniária o prazo é o da prescrição ordinária de 20 anos.
Não constando do escrito dado à execução nem do requerimento inicial, a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, não pode ser aceite como título executivo, mesmo como documento particular, por não reunir os requisitos exigidos para que, se considere título executivo, nos termos do disposto na al. c) do n.º1 do art.º 46.º do CPC."


Nota - Encontra-se muita jurisprudência em que questões semelhantes se levantam nas hipóteses em que é dado à execução um título de crédito prescrito. Este poderá, ainda, constituir título executivo, desde que seja invocada, no requerimento inicial, a relação subjacente, e esta não consubstancie negócio jurídico formal - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2002, in CJ, tomo I, pág. 64,
de 09-03-2004, proferido no processo n.º 03B4109 (com declarações de voto discordantes no que toca à possibilidade de o título prescrito poder valer como título executivo), do Tribunal da Relação do Porto de 16-05-2005, proferido no processo n.º 0551108, de 14-02-2005, proferido no processo n.º 0457128, de 07-10-2003, proferido no processo n.º 0323726, e de 27-09-2007, proferido no processo n.º 0733936, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2005, proferido no processo n.º 2070/2005-6.
Quanto à suficiência da alegação da causa de pedir, não me parece ser de subscrever a doutrina do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0433578, no sentido segundo o qual a relação subjacente se presume, na apresentação à execução do título de crédito prescrito, doutrina essa que, de forma mais mitigada, também parece surgir no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03B3056, onde se defende que basta uma indicação muito genérica da relação jurídica subjacente para considerar devidamente alegada a causa de pedir: "tendo-se feito na letra menção expressa e literal a "transacção comercial/reforma de outras letras", dúvidas não restam de que, quer representem o valor de transacções comerciais propriamente ditas, quer respeitem a reformas de letras anteriores com as mesmas conexionadas, respeitam a dívidas de quem se obrigou a pagá-las e a obrigações de natureza comercial entre os sujeitos subscritores previamente estabelecidas. Haverá, nesta sede, que fazer funcionar (a favor do credor-exequente) o princípio da presunção de existência da relação fundamental, competindo, por isso, ao devedor-executado o encargo de demonstrar que, apesar dessa menção/alusão nos questionados documentos das respectivas fontes obrigacionais, tal relação fundamental era afinal, e na realidade, inexistente".
Foi precisamente num contexto muito semelhante que, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07P1999, se entendeu que a mera invocação de uma "transacção comercial", não concretizada, é insuficiente para que se considere alegada a relação subjacente (trata-se de uma falta que podemos considerar de algum modo paralela à alegação meramente conclusiva da causa de pedir, na petição inicial).
Para uma formulação precisa e descrição da evolução doutrinária e jurisprudencial sobre o conceito de causa de pedir na acção executiva, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 19-12-2006, proferido no processo n.º 06B3791, e, complementarmente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, proferido no processo n.º 6554/2005-7 (este adaptando o critério também às execuções de títulos cambiários sem invocação da relação subjacente), e do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-10-2005, proferido no processo n.º 2270/05.
Para aplicações práticas do conceito, hoje tendencialmente ultrapassado, de que a causa de pedir, na execução, é o título, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 22-05-2001, proferido no processo n.º 0021602, de 13-03-2001, proferido no processo n.º 0021365, e de 18-01-2000, proferido no processo n.º 9950873.
Não se trata de uma mera questão conceptual, havendo consequências práticas da opção tomada. Veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 14-06-2002, proferido no processo n.º 0230707: "Tem uma corrente doutrinária e jurisprudencial vindo a entender que, quando um título de crédito é apresentado como título executivo, mas enquanto mero quirógrafo, ou seja, como documento particular, consubstanciador da relação subjacente, causal ou fundamental, tem o exequente de invocar a causa da obrigação, ou seja, os factos que consubstanciam a existência de uma obrigação do executado para consigo, no requerimento inicial da execução (quando não conste do título), para, designadamente, poder ser impugnada pelo executado, não o podendo fazer posteriormente, sem o acordo do executado, por tal implicar alteração da causa de pedir (neste sentido, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., 54; Ac. do STJ, de 30.1.2001, CJ/STJ, 2001, I, 85 e da RP, de 13.1.2000, BMJ, 493º-417, entre outros)".


2)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2007, proferido no processo n.º 07B3026: "(...)
A sentença, proferida em finais do ano de 2005, que elegeu, como elemento de referência para calcular a perda de ganho da lesada a partir do ano seguinte, o vencimento de 60.000$00 que ela auferia, como operária fabril, à data do acidente, ocorrido em 1997, descurou um elemento ponderativo adicional, que deveria ter tido em conta, não valorando o facto notório de que, em 2006, o vencimento daquela seria necessariamente superior. Deveria ter sido considerado, para o cálculo efectuado, na falta de outro elemento, o valor do salário mínimo nacional vigente em 2005, de € 374,70.
(...)
Se, no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros de mora serão devidos, não desde a citação, mas da data do trânsito em julgado da decisão, não sendo aplicável o n.º 3 do art. 805º do CC; nos casos em que a actualização não for possível ou não tenha sido operada na decisão final, os juros são devidos desde a citação."


Nota - Há aqui duas questões distintas. Uma delas prende-se com o conceito de facto notório. A outra com o momento a partir do qual são devidos os juros sobre o montante indemnizatório.
Começo pela primeira, actualizando um levantamento anterior de jurisprudência. Os factos notórios são aqueles que, sendo de conhecimento geral, escapam à regra do dispositivo na alegação de factos principais, podendo ser considerados pelo juiz mesmo que não tenham sido alegados pelas partes. Como se pode constatar pelo elenco jurisprudencial que passo a transcrever, o salário mínimo já foi considerado um facto notório pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 21-06-1979, proferido no processo n.º 067908.
Para algumas aplicações práticas do conceito de facto notório (umas vezes aceitando, outras negando a sua aplicação), podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 23-02-2005, proferido no processo n.º 04S3165 (horário de trabalho, em face de registos de ponto), de 01-02-1995, proferido no processo n.º 084550 (desvalorização da moeda), de 26-05-1993, proferido no processo n.º 083340 (desvalorização da moeda), de 05-06-2002, proferido no processo n.º 02S345, (necessidade de alimentação), de 05-11-1996, proferido no processo n.º 96A336 (a poupança de um casal não é forçosamente canalizada só em proveito dos filhos), de 17-11-1998, proferido no processo n.º 98A893 (inflação), de 12-11-1991, proferido no processo n.º 081133 (distinção entre facto notório e presunção ad hominem), de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03A1235 (abalo moral e desequilíbrio emocional da mulher que durante 19 anos está separada do marido), de 08-04-2003, proferido no processo n.º 03A202 (nexo de causalidade em acidente de viação), de 08-05-1997, proferido no processo n.º 96B852 (desvalorização da moeda), de 17-01-1995, proferido no processo n.º 085888 (aumento anual dos vencimentos, que não se qualifica como facto notório, aparentemente em contradição com o acórdão de 21-06-1979, proferido no processo n.º 067908, embora este possa referir-se apenas à actualização do salário mínimo), de 17-11-1994, proferido no processo n.º 084784 (inflação), de 19-03-1992, proferido no processo n.º 079907 (inflação), de 15-12-1998, proferido no processo n.º 98A638 (à privação ilegítima e ilícita do gozo de um bem corresponde implicíta e necessariamente um prejuízo), de 25-06-1998, proferido no processo n.º 97B581, de 28-05-1996, proferido no processo n.º 96B231 (valor de máquinas), de 03-07-1996, proferido no processo n.º 96S074 (os trabalhos em cima de um telhado revestem-se de particulares perigos), de 27-02-1986, proferido no processo n.º 072636 (uma vez celebrado o contrato-promessa, ha uma serie de diligencias a realizar que implicam necessidade do decurso de algum tempo para que possa ser outorgada a escritura definitiva), de 19-05-1992, proferido no processo n.º 081989 (sentença proferida noutro processo judicial), de 24-05-1989, proferido no processo n.º 077193 (a publicação em um jornal de grande divulgação e expansão de um retrato da autora em "topless" sem o seu consentimento se tinha de repercutir forçosamente na reputação e honra da retratada e, só por si, gerar prejuízos), de 09-06-1987, proferido no processo n.º 074659 (desvalorização de um automóvel), de 19-01-1989, proferido no processo n.º 076831 (contributo de um cônjuge para a economia comum), de 02-02-1989, proferido no processo n.º 076743 (o atraso na entrega de mercadoria comprada acarreta necessariamente prejuizo ao comerciante comprador), de 13-05-1986, proferido no processo n.º 073048 (os comboios que circulam na rede férrea portuguesa estão na direcção efectiva da C. P., Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., e circulam no seu interesse), de 20-03-1990, proferido no processo n.º 078636 (relevância do ano de fabrico quanto a determinação do preço de um automóvel), e de 15-02-2007, proferido no processo n.º 07B209 (o credor de alimentos e o obrigado à sua prestação realizam despesas com a sua própria alimentação).
Existem muitos outros, para além dos citados , principalmente sobre a inflação e desvalorização da moeda enquanto factos notórios (citei alguns destes, mas há muitos, muitos mais).
Entendendo, a meu ver erradamente, que a qualificação de um facto como "facto notório" é matéria de facto (logo, subtraída ao conhecimento do STJ), cfr. o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03B1007. Em sentido mais correcto, cfr. o acórdão do mesmo tribunal de 09-12-1999, proferido no processo n.º 99A872 e principalmente o de 27-02-1996, proferido no processo n.º 088211.
Quanto à segunda questão (momento a partir do qual se contam os juros sobre o montante indemnizatório), a decisão está em linha com o
acórdão uniformizador n.º 4/2002 (in DR, I Série, de 27 de Junho de 2002), no qual se fixou jurisprudência no sentido em que "sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação". Embora tenha sido tirado com maioria confortável, este acórdão contou, ainda assim, com oito votos de vencido. Como seria de esperar, a jurisprudência estabilizou, quanto a este problema, após o acórdão uniformizador e é inútil deixar aqui a relação de todas as decisões sobre o assunto (vejam-se apenas, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2957, de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A1991, de 10-05-2007, proferido no processo n.º 07B1341, de 10-11-2005, proferido no processo n.º 05B3017, de 17-10-2002, proferido no processo n.º 02B2587, de 09-01-2003, proferido no processo n.º 02B4014, e de 22-09-2005, proferido no processo n.º 05B2470, entre muitos outros).


3)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2007, proferido no processo n.º 07B3713:
"O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar no recurso de revista o juízo das instâncias extraído por presunção judicial de que o levantamento do auto de contra-ordenação necessariamente impediu a continuação da escavação e a remoção da areia de determinado lote de terreno."

Nota - Sobre o controlo, pelo STJ, da decisão da matéria de facto, cfr. o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A759, e a anotação que a ele deixei aqui, bem como o acórdão do mesmo tribunal de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A1528.
Em particular, sobre a possibilidade de controlo, pelo STJ, do uso, pelas Relações, de presunções judiciais, cfr. o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002 (e a anotação que a ele deixei aqui). O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o simples uso ou não uso da presunção judicial, embora possa controlar um uso que se traduza na alteração das respostas dadas à matéria de facto - cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-1984, proferido no processo n.º 071754, de 03-11-1992, proferido no processo n.º 082011, de 09-03-1995, proferido no processo n.º 086250, de 26-09-1995, proferido no processo n.º 087078, de 31-10-1995, proferido no processo n.º 087288 (estes dois últimos com um voto de vencido), de 20-01-1998, proferido no processo n.º 97A460, 09-07-1998, proferido no processo n.º 98B430, de 07-07-1999, proferido no processo n.º 99A588, de 20-06-2000, proferido no processo n.º 00A407, de 19-03-2002, proferido no processo n.º 02B656, de 10-02-2003, proferido no processo n.º 03B1837, de 15-02-2005, proferido no processo n.º 04A4577, de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A3564, e de 25-09-2007, proferido no processo n.º 07A090.
Em particular para a definição de presunção judicial, cfr. a nota ao
acórdão do STJ de 05-12-2006, proferido no processo n.º 06A3883, que deixei aqui.


4)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2007, proferido no processo n.º 07B2480: "Justifica-se a reforma do acórdão proferido no recurso de revista no caso de o colectivo de juízes, por lapso, detectável pela mera análise das conclusões de alegação no recurso de apelação, sob o fundamento de a recorrida não a haver incluído naquelas conclusões, omitir o conhecimento da questão de saber desde quando são devidos juros de mora concernentes à compensação por danos não patrimoniais.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização lato sensu, incluindo a compensação por danos não patrimoniais, em razão da inflação ocorrida entre ela e o momento do evento danoso.

Não resultando da decisão que fixou a compensação por danos não patrimoniais a referência à referida actualização, os juros de mora respectivos devem ser fixados desde a citação do réu."

Nota - Sobre o acórdão uniformizador n.º 4/2002, cfr. a segunda parte das notas à segunda decisão. Nada de novo se levanta no acórdão anotado, que visou apenas, na sequência de uma reclamação, corrigir um lapso manifesto de uma decisão anterior.

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