sexta-feira, outubro 26, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 3 de 3)

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A2673:
"Só no caso de se estar já fora da relação jurídica subjacente ao negócio cartular, quando se entra no domínio das relações mediatas, onde há já interesses de terceiros em jogo, se deve colocar, de forma mais inquestionável, a afirmação dos princípios da autonomia, abstracção e literalidade, que caracterizam os títulos cambiários.
Nesses casos sobrepõem-se como prevalentes esses princípios, impossibilitando-se que o obrigado cambiário originário - mesmo sendo alegada vítima do preenchimento abusivo - possa vir a opor ao portador a violação do pacto de preenchimento, a menos que o novo portador tenha também ele adquirido o título de má fé ou cometido falta grave ou tenha, com a sua aquisição, procedido conscientemente em detrimento do devedor.- cfr. arts. 10.º e 17.º da LULL.
Assim, estando-se no domínio da relação cambiária primitiva, não tendo a livrança saído das relações imediatas, e alegando a executada o comportamento gravemente censurável da exequente com o alegado preenchimento abusivo, não deve a oposição à execução ser liminarmente indeferida, antes devendo ser dada oportunidade de fazer prova dessa matéria."


Nota - É pacífico que o preenchimento abusivo, por violação do pacto, pode ser invocado nas relações imediatas, nas letras e nas livranças. Cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2006, proferido no processo n.º 06A2470 (analisando em pormenor o problema do ónus da prova, nestes casos), de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A2589, de 24-05-2005, proferido no processo n.º 05A1347, de 03-05-2005, proferido no processo n.º 05A1086, de 28-05-1996, proferido no processo n.º 96A033 (in BMJ n.º 457, pág. 401), do Tribunal da Relação do Porto de 14-11-2006, proferido no processo n.º 0622843, de 18-10-2005, proferido no processo n.º 0520292, de 24-02-2005, proferido no processo n.º 0530256, de 02-12-2003, proferido no processo n.º 0325113 (analisando o problema da inversão do ónus da prova do preenchimento abusivo), de 05-11-1996, proferido no processo n.º 9520433 (sobre a articulação entre o preenchimento abusivo e a confissão da causa debendi), de 07-07-1998, proferido no processo n.º 9820725, do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-11-2006, proferido no processo n.º 9208/2004-6, de 03-03-2005, proferido no processo n.º 8778/2004-8, do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-02-2006, proferido no processo n.º 3197/05.
Assim não seria, no entanto, se a relação em causa fosse entre o portador e o avalista (cfr.,
neste post anterior, a nota ao quarto acórdão - contra, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-11-2006, proferido no processo n.º 0636133), a não ser que o próprio avalista tenha subscrito o acordo de preenchimento e o título se mantenha nas relações imediatas (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-06-2007, proferido no processo n.º 0732705, de 23-04-2007, proferido no processo n.º 0656357, e o já citado de 07-07-1998, proferido no processo n.º 9820725).


2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A2956:
"(...)
Não se forma caso julgado contra leis da natureza "


Nota - Caso curioso, este. Uma divergência na identificação do artigo matricial (mas não na identificação física do prédio) estava a dificultar a adjudicação ao autor de um prédio cuja reversão, em todos os demais elementos identificativos se constatou ter sido autorizada.
Como se escreve na decisão anotada, "na identificação de um prédio a reverter, o que tem efectivamente valor determinante, isto é, o que constitui os seus elementos essenciais, é a sua realidade e compatibilidade física, dada pela situação, área e confrontações. É necessário que o prédio a reverter seja fisicamente sobreponível ou se encaixe (em caso de reversão parcial) com a situação espacial e identificativa traçada no processo de expropriação, e não necessariamente com um artigo matricial".
E assim prossegue: "O que se mostra verdadeiramente importante é que não haja dúvidas que o título de autorização de reversão incide efectivamente sobre o prédio anteriormente expropriado ao revertente ou a um seu antecessor e não a uma terceira pessoa.
A autorização de reversão não pode, por outro lado, incidir sobre prédio que nunca foi expropriado, nem muito menos sobre prédio de que nunca tivessem sido donas as revertentes ou seu(s) antecessor(es), como afirmam as AA. relativamente ao art. 39.º.
O suposto erro material (a que as AA. chamam grosseiro) pode vir a ser livremente corrigidos pelo Tribunal adjudicante, se porventura vier a verificar-se que o artigo 39.º a que se reporta não lhe corresponde por impossibilidade física.
O Direito não tem a possibilidade de mudar as leis da natureza, pelo que não pode definir-se (maxime, constituir ou formar-se caso julgado) em contradição com esta. Essencial é que no presente processo venha a constatar-se que a peticionada adjudicação a que se reporta a autorização de reversão se encaixa (porque se trata de uma reversão parcial) no espaço físico do imóvel bem expropriado à referida BB.- o que pode ser feito, designadamente, por sobreposição das cartas topográficas ou ortofotogramétricas à mesma escala, e que podem consultar-se em ambos os processos.
A partir daí, e respeitando sempre a descrição integral do prédio cuja autorização de reversão foi concedida, com a área, denominação e situação física aí definida, nada pode obstar que o Juiz rectifique o artigo que lhe foi feito corresponder e o substitua por aquele que, em termos físicos, de acordo com a natureza, actualmente lhe corresponde. Embora o caminho preconizado pelo Acórdão da Relação - de suscitar o problema junto da entidade que autorizou a reversão fosse absolutamente válido (e talvez o mais directo) - , nem por isso deve o Tribunal recusar a hipótese de poder ser ele mesmo a rectificar o suposto erro, pois não se trata de definir um novo direito em contradição com o já julgado, mas sim o de alterar um número de artigo administrativamente atribuído como índice ou referência daquele.
O direito está no objecto, e não na referência que o artigo lhe faz."
Em poucas linhas, uma lição para meio mundo, que aí anda pensando que a formalidade é tudo, atrasando a vida da outra metade.


3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A3119:
"Tendo sido celebrado um contrato de compra e venda entre uma sociedade comercial sedeada em Portugal – a vendedora – e outra sedeada na Alemanha – a compradora – onde as mercadorias deveriam ter sido entregues, existindo litígio acerca do pagamento do preço a competência internacional radica nos Tribunais alemães.
(...)"


Nota - É uma questão complexa, a que aqui se analisa, obrigando à determinação do que seja, neste caso, o local de cumprimento da obrigação, à luz do artigo 5.º do Regulamento (CE) 44/2001, no contrato de compra e venda.
A decisão anotada considerou que o local em causa é o da entrega dos bens, em linha com os acórdãos do mesmo tribunal
de 03-03-2005, proferido no processo n.º 05B316, de 10-05-2007, proferido no processo n.º 07B072 (este precisando, e bem, que não tendo sido arguida a incompetência na contestação, o tribunal pode considerar-se competente, por extensão), de 11-05-2006, proferido no processo n.º 06B756, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 3142/04.0TBVIS-A.C1, e do Tribunal da Relação do Porto de 26-04-2007, proferido no processo n.º 0731617 (lembrando que o local da entrega não coincide, necessariamente, com o local de destino), do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-09-2007, proferido no processo n.º 1586/07-1.
Em todas estas decisões, tal como na anotada, "no que respeita aos contratos de compra e venda e prestação de serviços, o Regulamento acolheu um definição “autónoma” de lugar do cumprimento das obrigações emergentes daqueles contratos, dando ênfase, no caso de venda de bens, ao lugar do cumprimento da obrigação de entrega, irrelevando o lugar do pagamento do preço, apesar do pedido se fundamentar no incumprimento dessa obrigação".



4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A2736:
"O estabelecimento da filiação é um direito constitucional.- art. 26.º
O Tribunal Constitucional já declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do art. 1817.º-1 para a propositura da acção de investigação com base na investigação biológica pura, referindo que a acção pode ser proposta a qualquer momento independentemente do prazo.
Devem também considerar-se inconstitucionais os demais números do mesmo artigo, uma vez que no seu núcleo está precisamente o mesmo direito constitucional à identidade e dignidade pessoal, ao bom nome, reputação e à identidade genética, consagrados no art. 26.º da Constituição, cuja natureza é inalienável e imprescritível.
Assim, os n.ºs 4 e 5 do art. 1817.º do CC., que estabelecem prazos para a propositura da acção de investigação de paternidade/maternidade sob pena de caducidade baseados na posse de estado ou sua cessação, devem também eles considerar-se como inconstitucionais.
Os Tribunais estão obrigados a recusar a aplicação de normas inconstitucionais.- art. 220.º da Constituição.
O investigado não pode ser obrigado a submeter-se a perícia científica (exames hematológicos ou a outros exames, mesmo não evasivos - como o do ADN (em cabelos, unhas, saliva ou suor) para determinação dos níveis de correspondência biológica com o investigante, mas a sua recusa em submeter-se aos exames que forem determinados será apreciada livremente pelo Tribunal
."


Nota - Sobre a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do Código Civil, cfr. acórdão do STJ de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A2489. Pode ler-se também, sobre a acção de paternidade, o que aqui escrevi a propósito do acórdão n.º 209/04 do Tribunal Constitucional.

Cft. ainda o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 616/98, sobre a aplicação do n.º 2 do artigo 519.º do CPC, no confronto entre o direito à historicidade pessoal e o direito à integridade física, os acórdãos do STJ de 11-03-1999, proferido no processo n.º 99B129 (também no BMJ 485-418), e de 28-05-2002, proferido no processo n.º 02A1633 (também na CJ, 2002, tomo II, pág. 92) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2002, na CJ, 2002, tomo I, pág. 18, bem como o estudo do desembargador Távora Vítor intitulado "Investigação de paternidade – breves notas sobre a sua evolução", na CJ (STJ), 2003, tomo III, pág. 14.

O n.º 1 do artigo 1817.º do CC foi julgado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, após umas quantas decisões semelhantes em sede de fiscalização concreta (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 486/2004, de 7 de Julho de 2004).

Tal juízo sobre a caducidade do direito de investigar a paternidade tem sido alargado pela jurisprudência à impugnação da paternidade (cfr., neste sentido, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 31-01-2007, proferido no processo n.º 06A4303).

No acórdão do STJ de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A2489, retiraram-se ainda outras consequências da mesma decisão de inconstitucionalidade, recusando a aplicação dos n.ºs 1 e 4 daquele artigo "ao caso em que o autor não conseguiu demonstrar a posse de estado em que se apoiou, na medida em que, indirecta ou directamente, estabelecem o prazo de caducidade de dois anos para a caducidade do direito de investigar".

Sobre a questão (diferente) do prazo para pedir a revisão de um acção de paternidade, cfr. aqui a nota que deixei ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2007, proferido no processo n.º 609-A/1998.C1.

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1 Comentários:

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1/05/2010 2:17 da tarde  

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