segunda-feira, outubro 15, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 2)

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3024:
"O incidente de prova do contrário do que resulta da base da presunção a que se reporta o nº 6 do artigo 254º do Código de Processo Civil não justifica a prática de algum acto processual fora de prazo, antes visando apurar diverso momento do início de contagem de um prazo para a sua prática, para se concluir que o foi no prazo para o efeito legalmente previsto.
É ao notificando que incumbe a iniciativa e a demonstração em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do acto processual por ele pretendido, que a notificação do acto ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
O despacho do relator por via do qual, sob reclamação do recorrente, revogou o seu despacho anterior de não admissão do recurso de revista com fundamento na sua extemporaneidade e o admitiu, não é de mero expediente.
Do referido despacho não cabia recurso, mas reclamação para a conferência e, porque a mesma ocorreu tempestivamente por iniciativa da recorrida, ele não transitou em julgado.
A decisão da Relação que, substituindo o despacho do relator, se pronuncia no sentido da não admissibilidade do recurso por extemporaneidade, não infringe os artigos 12º, nº 1, 16º ou 20º, nºs. 1, primeira parte, 4 e 5, da Constituição"
.

Nota - É pacífico que a presunção de notificação constante do artigo 254.º, n.º 3 do CPC só cede perante a prova do contrário (tudo isto resulta evidente do teor do n.º 6 da mesma norma: "as presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis").
Note-se, porém, a propósito, que a prova da data da expedição - para que daí possam ser contados os três dias a que se refere o n.º 3 do artigo 254.º do CPC - deverá fazer-se documentalmente, pois "uma “cota” num processo judicial "não faz prova plena dos factos que nela se declaram, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artº 655º, nº 1, do CPC" (citação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 04-04-2006, proferido no processo n.º 3722/05). A não ilisão da presunção da notificação importa que se dê por verificado o facto presumido, não sendo de acolher, como é evidente, a pretensão do recorrente, que invocou a inconstitucionalidade deste regime. Embora não conheça nenhuma decisão do Tribunal Constitucional que se tenha pronunciado directamente sobre este problema, a verdade é que aquele tribunal aplica com frequência a presunção do artigo 254.º aos seus processos, exigindo também a prova do contrário - cfr., por exemplo, os acórdãos números 563/2003, 548/2006 e 686/2006. De qualquer forma, parece-me evidente que nem o princípio da segurança jurídica nem o princípio da confiança impedem o normal funcionamento das presunções de notificação. A este respeito podem ler-se as fundamentações dos acórdãos do Tribunal Constitucional que não julgaram inconstitucionais as normas que prevêem a presunção de citação - cfr., por exemplo, os acórdãos números 91/2004 e 243/2005 -, a não ser que não se cumpram os próprios requisitos de que a lei faz depender o funcionamento das presunções - cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/2003.
Também é pacífico que o meio de reacção contra os despachos do relator não é o recurso, mas sim a reclamação para a conferência (salvo no caso referido no artigo 688.º do CPC), como resulta expressamente do n.º 3 do artigo 700.º do CPC. Sobre a diferença entre a reclamação para a conferência e o recurso, bem como o regime da referida excepção do artigo 688.º do CPC, cfr.
este texto anterior do blog, em que desenvolvi tal matéria. Sobre a possibilidade de aproveitamento de um requerimento de recurso como requerimento de reclamação para a conferência, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31-10-2006, proferido no processo n.º 3706/05.4YRCBR.


2)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B2780:
"O tribunal só é livre na qualificação jurídica dos factos quando não altere a "causa petendi" (artº 664º do CPC)".

Nota - Trata-se de entendimento pacífico. Ao alterar a causa de pedir, o tribunal ultrapassa o limite previsto no artigo 264.º do CPC, que confere às partes o exclusivo da invocação dos factos principais (salvo raras excepções), onde se incluem, antes de mais, os factos que integram a causa de pedir.
Ainda sobre a norma do artigo 664.º do CPC, cfr.
aqui a nota que deixei ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-09-2007, proferido no processo n.º 0753506, e principalmente a nota que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2006, proferido no processo n.º 06B4220.


3)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3069:
"A parte que, como fundamento do seu direito, invocar a venda de coisa defeituosa, tem o ónus da prova da existência do defeito em momento anterior ao da entrega da coisa ao comprador (artº 342º nº 1 do CC)".

Nota - Uma vez que, da base de dados, apenas consta o sumário da decisão e não o seu teor integral, não é possível conhecer pormenorizadamente os contornos da relação material controvertida em causa neste processo.
Sendo certo que a conclusão constante do sumário está correcta para as relações que apenas sejam reguladas pelo Código Civil (mais concretamente, pelas regras da venda de coisa defeituosa), assim não será, porém, nas relações com consumidores reguladas pela chamada Lei das Garantias de Bens de Consumo (Decreto-Lei n.º 67/2003), cujo artigo 3.º, n.º 2 prevê que "as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade" (cfr., sobre este ponto, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 31-05-2007, proferido no processo n.º 3862/2007-6).


4)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3444:
"(...)
A estrutura do recurso de revista é essencialmente jurídica, onde a sustentação de posições jurídicas, porventura desconformes com a correcta interpretação ou aplicação da lei, não basta à conclusão no sentido da litigância de má fé de quem as sustenta.
A sanção decorrente da litigância de má fé das sociedades recai sobre quem as tenha representado no processo
"
.

Nota - Há algumas indecisões na jurisprudência sobre o melhor sentido a dar ao disposto no artigo 458.º do CPC, no caso específico da litigância de má fé da parte que é uma pessoa colectiva.A norma estabelece o seguinte: "Quando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa".
A lei aponta, pois, para a responsabilização do gerente ou administrador, nas sociedades comerciais. A jurisprudência diverge apenas quanto à tradução processual daquela norma.Em alguns acórdãos entende-se que não deve ser condenada como litigante de má fé a sociedade (parte) mas sim o representante (gerente ou administrador) - cfr., entre muitos, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 09-05-2006, proferido no processo n.º 0621955, de 04-04-2006, proferido no processo n.º 0621293, de 17-01-2006, proferido no processo n.º 0526828, e de 02-04-2002, proferido no processo n.º 0121659, do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-11-2002, proferido no processo n.º 658/02-2, para além do agora anotado, do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3444.
Em outras decisões, todavia, considera-se que pode a própria sociedade ser condenada, sem prejuízo de a responsabilidade pelo pagamento da multa, indemnização e custas caber ao seu representante. Nesta corrente, que me parece minoritária mas à qual tendo a aderir, encontram-se, por exemplo, os acórdãos
do Tribunal da Relação do Porto de 29-01-2002, proferido no processo n.º 0121885, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-03-92, proferido no processo n.º 0057502.
Independentemente das apontadas divergências, há alguns pontos que parece deverem dar-se por assentes na jurisprudência. Sintetizo-os de seguida.
- O representante da sociedade deve ser ouvido antes da decisão de condenação (é uma conclusão comum a ambas as correntes, sobre a qual o Tribunal Constitucional também já tomou posição no
acórdão n.º 103/95).
- O representante condenado terá direito ao recurso, mesmo não sendo parte e ainda que a parte recorra também (cfr.
acórdão do Tribunal Constitucional n.º 453/02).- A apreciação do problema fica de alguma forma subjectivizada, já que, ainda que se adira à corrente de que será a sociedade condenada, sempre tal condenação há-de decorrer do comportamento concretamente apreciado dos seus representantes. Como refere Pedro de Albuquerque(Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, Coimbra: Almedina, 2006, pág. 61), "só haverá condenação do representante se a má fé for deste".
Para além da obra acabada de citar (cfr. ligação em rodapé), aconselha-se a leitura de
Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa "In Agendo", de Menezes Cordeiro (Coimbra: Almedina, 2005).
Em ambos os estudos, os autores delimitam a figura da litigância de má fé, sendo especialmente interessante a sua demarcação face ao abuso do direito. Os ditos autores concluem que, apesar de a jurisprudência muitas vezes ligarem a litigância de má fé ao abuso do direito, os institutos são diversos, acrescentando ainda que, nas áreas de coincidência entre os dois, no que toca às consequências, prevalecendo nesse caso o regime da litigância de má fé, por ser especial (cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 93 e Pedro de Albuquerque, ob. cit., pág. 94 e nota 292).
Também a obra
Litigância de má fé (colectânea de sumários de jurisprudência), de Rui Correia de Sousa (Lisboa: Quid Juris, 2005 - a 2ª edição) se pode revelar particularmente útil, pois não só contém um rol muito extenso de jurisprudência como a cataloga por temas de direito substantivo.
Finalmente, sobre o tema - para mim, muito interessante - da litigância de má fé no direito penal, cfr.
este post anterior do blog.


5)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-2007, proferido no processo n.º 07A2762:
"O contrato de mútuo tem natureza real “quoad constitutionem”, pelo que a sua aceitação implica o reconhecimento da obrigação de restituir.
A escritura pública de mútuo em que está previsto o prazo de restituição e as condições do empréstimo, e na qual os mutuários tenham declarado no final que “aceitam o contrato na forma exarada” implica o reconhecimento da obrigação de restituir, pelo que pode ser utilizada como título executivo.
Incumbe ao Executado/oponente o ónus da prova de que a quantia aí mencionada como tendo sido mutuada não lhe chegou a ser entregue"
.

Nota - Quanto ao ónus da prova na oposição à execução, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 10-07-2007, proferido no processo n.º 07B2330, de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B683, de 16-06-2005, proferido no processo n.º 04B660, e de 30-09-2004, proferido no processo n.º 04B2538, do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2007, proferido no processo n.º 0730674, do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-03-2007, proferido no processo n.º 633/2007-8, de 23-11-2006, proferido no processo n.º 9208/2004-6, e de 18-06-2003, proferido no processo n.º 3884/2003-4, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-03-2006, proferido no processo n.º 395/06.

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