domingo, abril 15, 2007

Reclamação para a conferência vs. reclamação contra o indeferimento ou retenção do recurso

Nas últimas semanas, vi-me obrigado, em duas circunstâncias diferentes, a apreciar a diferença entre a reclamação para a conferência e a reclamação contra o indeferimento ou retenção do recurso. Sendo uma questão prática que pode originar alguns equívocos, aproveito aqui para deixar uma nota muito breve a este respeito.

Mais concretamente, se o recorrente vê o recurso admitido na primeira instância e, quando o processo já se encontra na Relação, o relator despachar no sentido do não conhecimento do mesmo, por entender que a decisão não é recorrível, como pode o recorrente reagir? Reclama para a conferência ou para o presidente da Relação?

A dúvida pode surgir porque o artigo 700.º, n.º 3 do CPC estabelece o seguinte: "Salvo o disposto no artigo 688.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária". Daqui pode surgir a seguinte questão: a ressalva para o artigo 688.º significará que o recorrente deverá, no caso em apreço, reclamar para o presidente da Relação?

A resposta é negativa. Na situação descrita (despacho do relator no sentido de não conhecimento do recurso por considerar a decisão irrecorrível), a reclamação faz-se para a conferência. O sentido da ressalva no n.º 3 do artigo 700.º do CPC é outro. Imagine-se que a Relação profere acórdão e, depois deste, uma das partes pretende recorrer para o STJ e o relator despacha no sentido de não admitir o recurso. Nesse caso é que funcionará a ressalva para o artigo 688.º, devendo o recorrente insatisfeito reclamar para o presidente do Supremo (já não será nos termos destas normas a reclamação em caso de recurso para o Tribunal Constitucional - nesse caso segue-se o regime do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional).

Lidas com atenção as palavras da lei, constata-se que assim é. No artigo 688.º do CPC trata-se da reacção ao despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo e do despacho que retenha o recurso. O despacho que não admite o recurso de apelação é o do juiz da primeira instância; o despacho que não admite a revista é do relator, na segunda instância. Daí que a reclamação se faça, nos termos desta norma, para o presidente do tribunal para onde se recorre.

Mas quando o recurso sobe, por ter sido admitido no tribunal a quo, o despacho do relator em que se considera a decisão irrecorrível não é de "admissão" ou "não admissão" (essa decisão foi a da instância anterior), mas de não conhecimento do objecto do recurso (cfr. artigo 704.º do CPC), porque aquela decisão anterior não vincula o tribunal superior - cfr. o artigo 687.º, n.º 4 do CPC(*).

Em resumo:
- quando o tribunal de primeira instância não admite o recurso ou, admitindo-o, o retém, pode o recorrente reclamar para o presidente da Relação e, bem assim, quando o relator do processo na Relação não admite ou retém o recurso para o STJ, pode o recorrente reclamar para o presidente deste tribunal (**);
- quando o processo chega à Relação e o relator despacha no sentido de não conhecer o recurso por entender irrecorrível a decisão, que o recurso foi interposto fora do tempo, que o recorrente não podia dela recorrer ou porque ocorreu um facto superveniente que impede o seu conhecimento (ver nota infra), reclama-se para a conferência.

(*) - Esta não é, porém, a única hipótese de aplicação do artigo 704.º do CPC, que abrange também os casos em que o recurso foi correctamente admitido na primeira instância mas ocorrer um facto superveniente que impede o seu conhecimento. Para a análise de hipóteses concretas, cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, págs. 213/214.

(**) - O n.º 5 do artigo 688.º do CPC refere que "se, em vez de reclamar, a parte impugnar por meio de recurso qualquer dos despachos a que se refere o nº1, mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação". No entanto, tem-se entendido que "tal procedimento só é possível se essa impugnação for apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo previsto para a reclamação, que é de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver conhecimento da retenção" - cfr. decisão de reclamação para o Tribunal da Relação de Évora de 12-12-2006, proferida no processo n.º 2771/06-1.

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1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Ok, e reclamando-se para a Conferência do TC, como proceder caso a mesma reclamação seja indeferida, de novo, pelo mesmo relator, (ex hipotético facto superveniente, v. g., prévio pagamento de custas processuais ?...) reclama-se de novo para a Conferência ou para o Presidente do mesmo tribunal ?!...
Manuel Rêgo, FB ou mali-2919padv.oa.pt

12/27/2018 7:15 da tarde  

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