terça-feira, fevereiro 27, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 4)

1) Acórdão de 23-01-2007, proferido no processo n.º 7348/2006-1:
"Constatada a inexistência de um prazo de caducidade para a propositura de uma acção decorrente da consagração legal de um direito, não pode considerar-se que existe uma lacuna na ordem jurídica, a integrar nos termos do artº 10º do CC, já que a lei, ao não fixar prazos gerais de caducidade, versus o que sucede com a prescrição, admite a possibilidade da sua inexistência para certas situações, não podendo, assim, tal falta considerar-se uma incompletude ou falha do sistema jurídico, necessárias à verificação da lacuna.
Em tais casos deve ser aplicado o prazo de prescrição, especial ou geral, previsto para a situação mais atinente com o direito que se pretende judicialmente proteger, pois que ambas as figuras -caducidade e prescrição - prosseguem a defesa dos mesmos valores: o da certeza e o da segurança".

Nota - Aconselha-se a leitura do acórdão a quem se interessar pelo tema da responsabilidade civil do Estado por exercício da função jurisdicional (no caso, acusação e pronúncia, em processo crime, não fundadas).


2) Acórdão de 25-01-2007, proferido no processo n.º 7913/2006-8:
"Ocorrendo o acidente em 4-7-1991 e tendo a ré seguradora pago várias indemnizações à A. após o acidente assumiu uma posição que só é compatível com a plena validade e eficácia do contrato de seguro respeitante ao veículo interveniente no contrato.
A ré seguradora age com abuso do direito ao invocar a cessação do contrato de seguro (efectivada ao abrigo dos artigos 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 552/85, de 31 de Dezembro) com base na alienação do veículo com data anterior ao acidente, quando assumiu pagar as referidas indemnizações respeitantes a danos sofridos pela lesada e quando, em virtude de tal conduta da seguradora, a mesma lesada deixou de tomar a iniciativa de accionar o dono do veículo antes do termo do prazo de prescrição".

Nota - Esta é uma decisão de enorme alcance prático. Sabendo que é prática de algumas seguradoras adiantar certas quantias aos lesados (o que pode ir "amaciando" o caminho para uma aceitação das primeiras propostas da companhia, muitas vezes 1/4 ou 1/5 do valor da indemnização a que o lesado tem efectivamente direito), coloca-se o problema da compatibilidade entre este comportamento e a posterior invocação de irregularidade no contrato do seguro.
Um caso parecido com o supra citado, embora com outro enquadramento, foi analisado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-03-1999, proferido no processo n.º 99A009.
A questão não poderá, porém, resolver-se linearmente pela aplicação sistemática do regime do abuso do direito. É lícito à seguradora, no quadro de uma negociação amigável, propor uma indemnização ainda que tenha dúvidas sobre a validade do seguro, por uma questão de gestão de riscos, da mesma que forma que pode qualquer um de nós admitir, em negociações com vista a transacção, pagar ao credor parte de uma quantia em dívida, apesar de ser possível discutir a prescrição mais tarde. Não anda longe desta ideia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-1995, proferido no processo n.º 086647.
Há que ter cuidado, pois, com o caso concreto, pois nem sempre estaremos perante uma hipótese de abuso de direito (parece que, por regra, não será esse o caso perante a simples invocação da prescrição - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-1998, proferido no processo n.º 98A789, e de 12-03-96, proferido no processo n.º 088081).
Deixo aqui a parte da fundamentação do acórdão em análise, a este respeito.
"A ré seguradora, após o acidente, pagou à autora as indemnizações referidas na alínea AA) da fundamentação de facto, assumindo uma posição que só é compatível com a plena eficácia e validade do contrato de seguro do veículo DL- 79-20.
Assumiu a sua responsabilidade, como seguradora, pelo pagamento daquelas indemnizações pelos danos que a autora sofreu com o acidente. O que se compreende e até é perfeitamente natural, porque nunca terá deixado de receber os prémios de seguro em relação àquele veículo; caso contrário, teria invocado a resolução do contrato nos termos legais.
Assim sendo, a posterior invocação, contra a autora, da cessação dos efeitos do contrato de seguro representa um inadmissível “ venire contra factum proprium”.
A ré, com a sua conduta anterior, criou na autora a convicção de que assumia a responsabilidade pelo pagamento da indemnização devida pelos danos sofridos.
E foi com base nessa confiança legítima que a autora intentou a presente acção contra a ré, deixando de tomar a iniciativa de a propor contra o dono do DL […], o mencionado A.[…].
E decorridos que são mais de cinco anos sobre a data do acidente, é previsível que se a autora fosse agora demandar o A.[…], esbarrava com a invocação da prescrição, ficando sem qualquer possibilidade de ser ressarcida dos danos que sofreu".
A talhe de foice, para um caso às avessas (abuso do direito por parte do beneficiário da indemnização), cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-04-2006, proferido no processo n.º 06B510.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-03-1995, proferido no processo n.º 086288, analisa-se o problema do abuso do direito, por parte da seguradora, quando não cumpra o dever de esclarecimento sobre as cláusulas de exclusão da sua responsabilidade (considerando que os contratos de seguro são, geralmente, contratos de adesão).
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-1993, proferido no processo n.º 083983, decidiu-se que se verifica "manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé no pagamento feito pela segurança ao lesado de quantia inferior ao quantitativo da indemnização em 1 364 contos, exigindo quitação pela totalidade dos danos considerados na sentença condenatória cuja autoridade, no tocante àquele quantitativo, erradamente se invoca no recibo elaborado pela dita seguradora".


3) Acórdão de 01-02-2007, proferido no processo n.º 7595/2006-8:
"As varas cíveis são os tribunais competentes para as acções declarativas ordinárias, de valor superior à alçada da Relação, emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro que foram distribuídas por não ter sido possível apor em procedimento de injunção a fórmula executória ou porque foi deduzida oposição ou porque se frustrou a notificação do requerido (Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, artigos 7.º e 16.º em conjugação com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho.
Fixando-se a competência no momento em que a acção é proposta, no caso de acção de processo comum ordinário que se segue ao requerimento frustrado de injunção estamos face a acção declarativa cível de valor superior à alçada da Relação em que a lei prevê a intervenção do tribunal colectivo cuja intervenção pode ser requerida pelas partes (artigos 97º/1, alínea a) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e artigo 646.º/1 do C.P.C.
Essa possibilidade deve ser aferida relativamente ao momento em que a acção é proposta (artigo 22.º/1 da Lei n.º 3/99) ainda que mais tarde se possa verificar alguma das situações contempladas no referido artigo 646.º do C.P.C. que afaste a intervenção do tribunal colectivo, situação esta que é exactamente a mesma que se coloca relativamente a qualquer acção declarativa ordinária que seja instaurada.
Não se vê razão para que uma acção declarativa que siga a forma de processo ordinário seja tramitada e julgada em juízo cível apenas porque respeita a transacção comercial o que possibilitou a utilização do procedimento de injunção que não teve sequência".

Nota - No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-01-2007, proferido no processo n.º 9725/2006-8 (que é disponibilizado com a indicação de haver um voto de vencido, que todavia não surge na página) e de 02-11-2006, proferido no processo n.º 6388/2006-8.

4) Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 9198/2006-1:
"A habilitação incidente distingue-se da habilitação acção e com ela visa-se substituir uma das partes, colocando-se o seu sucessor no lugar que o falecido, extinto ou transmitente, ocupava no processo pendente a fim que a causa prossiga com aquele ou contra aquele.
Assim, o habilitado apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este competiam, estando sujeito à sua anterior actuação processual, devendo aceitar a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando para o futuro e dentro destes limites, o processo.
Consequentemente, tendo, numa acção de despejo, com litisconsórcio necessário passivo, os primitivos réus sido citados por carta de 04.05.2000, quando um réu já havia falecido, não tendo o sobrevivo contestado, tendo sido suspensa a instância e os sucessores do defunto declarados habilitados por sentença de 15.07.2004 que logo a estes notificada, e proferida decisão final em 17.02.2006, não pode o habilitado recorrer desta invocando a nulidade da sua falta de citação para contestar a acção, uma vez que a mesma já tinha sido operada e porque, no largo lapso de tempo que mediou entre estas duas últimas datas, ele nada disse nos autos, ao arrepio do princípio da auto-responsabilização dos intervenientes processuais".

Nota - A propósito da transmissão anterior à propositura da acção, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-01-2007, proferido no processo n.º 437/2000.C1 e o comentário que deixei aqui.

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