sexta-feira, novembro 24, 2006

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Dos acórdãos recentemente lançados na página da DGSI que se ocupa do Tribunal da Relação do Porto, alguns despertaram a minha atenção. Dou agora notícia sumária das suas conclusões.

1) No acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0635473, decidiu-se que os habitantes de uma certa localidade têm legitimidade para intentar acção popular, na qual pedem a declaração de que um determinado caminho é público e a condenação dos réus, sujeitos de direito privado, a cessarem a ocupação ilegítima que dele fazem, restituindo-o ao domínio público. Tal legitimidade funda-se, segundo a decisão, directamente na lei de acção popular (Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto), não sendo, pois, de exigir dos autores o cumprimento prévio do disposto no artigo 316.º, §1 do Código Administrativo(1).

2) No
acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0632617, entendeu-se que é válida a renúncia expressa ou tácita de uma ou ambas as partes ao direito de invocar a invalidade decorrente do não reconhecimento das assinaturas em contrato-promessa.

3) No
acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0635459, entendeu-se(2), em matéria de aluguer de longa duração (ALD), que quando o nº 4 do art. 17º do DL nº 354/86 refere que "é lícito à empresa de aluguer sem condutor (...) rescindir o contrato nos termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais", a expressão "nos termos da lei" não se refere às normas da locação, no livro das obrigações do Código Civil, mas sim às normas gerais da resolução (especialmente ao artigo 436.º do Código civil), pelo que o direito à resolução pode ser validamente exercido pelo locador extrajudicialmente.
Nota: foram aplicadas as normas do Código Civil na redacção anterior às alterações decorrentes da entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano.

4) No acórdão de 13-11-2006, proferido no processo n.º 0656042, decidiu-se que o interesse da descoberta da verdade pelos tribunais prevalece sobre o direito ao sigilo bancário. Recomenda-se vivamente a leitura completa da fundamentação desta decisão, que parte do dever de cooperação das partes e terceiros (cfr. artigo 519.º do CPC) para as seguintes considerações:

"Como se escreve no Ac. do S.T.J., de 14.1.1997, “o direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra “o civilizado” artigo 1º do Código de Processo Civil, se privilegiasse a “justiça privada”) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se, designadamente, o artigo 519º do Código de Processo Civil, quer antes, quer depois da recente reforma […] o pensamento legislativo seria no sentido de paralisar a acção dos tribunais na realização de direitos subjectivos, quando é certo que, ao invés, a ordem jurídica existe, justamente, como um conjunto de meios que deve conduzir à efectiva realização dos fins da actividade judicial previstos basicamente pelo art.205º da Constituição”- BMJ 463, 472.

Do “Halsbury’s Laws of England” enciclopédia jurídica britânica, extraí-se o seguinte:

“O contrato firmado entre o banqueiro e seu cliente contém uma cláusula implícita que obriga o banqueiro a não revelar a terceiros, sem consentimento expresso ou tácito do cliente, nem a situação da conta do cliente nem as suas transacções com o banco, nem qualquer informação que chegue ao conhecimento do banqueiro em virtude do relacionamento com o cliente”.

Na Inglaterra não existe disposição legal expressa a respeito do sigilo, mas a teoria é amplamente aceite pelo costume.

Nelson Hungria que incluiu o banqueiro no rol das pessoas obrigadas ao sigilo profissional, ensina:

“Na actualidade, é geralmente reconhecido que entre os confidentes necessários, legalmente obrigados à discrição, figuram os banqueiros.
Notadamente nas operações de crédito, o sigilo bancário é uma condição imprescindível, não só para a segurança do interesse dos clientes dos bancos como o próprio êxito da actividade bancária.
Raros seriam, por certo, os clientes de bancos, se não contassem com a reserva dos banqueiros e seus prepostos...”.

O segredo bancário terá de cessar perante “justa causa”, visando a salvaguarda de interesses manifestamente superiores.

No caso em apreço, colidem interesses diversos, ambos dignos de protecção – o dos Tribunais em proferirem decisões conformes à Verdade, agindo sob o impulso de pessoas jurídicas em sentido lato, e o dos Bancos, em preservarem o sigilo bancário dos seus clientes.

Prepondera a nosso ver aquele, mesmo que se trate de um pleito civil, sendo que o caso dos autos indicia contornos de mega-fraude que a Justiça tem o dever de averiguar sem peias que limitem a sua actividade soberana, não sendo de sobrepor a esse interesse o do Banco, em não revelar os movimentos de conta bancária de um seu cliente
."



(1) Que, no âmbito da acção popular supletiva, exige a prévia exposição circunstanciada ao respectivo órgão autárquico titular do direito a exercer, acompanhada da prova a produzir ou juntar, bem como o decurso de três anos sem iniciativa do dito órgão no sentido de propor a acção.

(2) Com este abundante levantamento jurisprudencial concordante, ali citado: acórdãos do STJ de 16-04-2002, proferido no processo n.º 02A532; do Tribunal da Relação do Porto de 3-11-2005, proferido no processo n.º 0534720, de 20-12-2005, proferido no processo n.º 0521192, de 23-5-2005, proferido no processo n.º 0551194, de 14-06-2004, proferido no processo n.º 0453206, de 04-05-2004, proferido no processo n.º 0421774, de 12.5.2005, proferido no processo nº 0635459, de 7-10-2004, proferido no processo n.º 0434328, de 8-07-2004, in CJ, 2004, III, 204, de 4.12.2001, in CJ, 2001, V, 204, e de 21.11.2002, in CJ 2002, V, 180, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2001, in CJ, 2001, IV, 112, de 14.01.99, proferido no processo n.º 0064456, e de 29.01.98, proferido no processo n.º 0051212.

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