domingo, novembro 05, 2006

Intervenção da seguradora em acção de indemnização

Coloca-se frequentemente a seguinte questão: intentada uma acção de indemnização pelo lesado contra o lesante e tendo este celebrado um seguro de responsabilidade civil, a seguradora deve ser chamada a intervir como parte principal ou como parte acessória?

Quando existe norma expressa, o problema resolve-se facilmente. Veja-se a hipótese de danos cobertos por seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, cuja indemnização nem deve ser pedida ao lesante, pois o artigo 29.º do DL 522/85, de 31/12, dispõe que "as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a) Só contra a seguradora, quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório; b) Contra a seguradora e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar os limites referidos na alínea anterior. "

Quando faltar norma expressa, sendo a acção intentada pelo lesado contra o lesante, penso que não pode formular-se uma regra geral quanto ao mecanismo processual mais adequado para integrar a seguradora como parte no processo. Tudo dependerá do conteúdo material do contrato de seguro.

1) Se do acordo puder concluir-se que resulta do contrato um direito de crédito do lesado directamente contra a seguradora (hipótese em que o seguro se aproximará da figura do contrato a favor de terceiro), justificar-se-á a intervenção da seguradora como parte principal - neste caso, a relação material será nítida entre o lesado (credor da indemnização) e a seguradora (devedora da indemnização ao lesado por força do contrato de seguro).

2) Se do contrato de seguro não resultar a atribuição de um direito de crédito ao lesado (assim sucederá, por exemplo, quando o contrato apenas preveja um direito do lesante ao reembolso pela seguradora das importâncias por ele pagas ao lesado), não vejo como poderá a chamada intervir como parte principal. A sua relação (contratual) com o lesante não projectará os seus efeitos para lá de ambos os contraentes. Neste caso, justificar-se-á, porém, a sua intervenção como parte acessória, para que o lesante acautele os efeitos previstos no artigo 332.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.

Quando o lesante requerer a intervenção da seguradora na acção, exceptuadas as hipóteses em que norma legal estabeleça um regime especial, penso que o juiz só poderá decidir sobre o chamamento após análise do contrato.

A questão é também levantada na jurisdição administrativa, quando a pessoa colectiva pública lesante haja transferido a sua responsabilidade para seguradora. Coloca-se, aí, apesar de tudo, nos mesmos termos em que a vemos surgir nos direitos civil e processual civil (sendo, aliás, aplicável o CPC nesta matéria). Note-se que o recentíssimo acórdão do pleno da secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 17-10-2006, proferido no processo n.º 0302/04 (ligação directa), considerou que a seguradora deveria ser chamada como parte principal mas, estudada a sua fundamentação, torna-se claro que só o fez por entender que o terceiro lesado era, no caso concreto, titular de direito de indemnização próprio contra a seguradora: "(...) Daí que se possa afirmar que se a segurada celebrou um contrato pelo qual a seguradora se obrigou a garantir a um terceiro beneficiário, até determinada quantia, o cumprimento das obrigações daquela, a prestação a exigir pelo beneficiário é só uma, embora por força do contrato possa ser exigida tanto da segurada como da seguradora. Esta afirmação cobre os casos em que o terceiro beneficiário não exista ainda, ou não seja determinado no momento do contrato de seguro. O que releva é que existe uma obrigação única a favor de terceiro que este verificado o facto lesivo, como credor, passa a poder exigir de qualquer dos devedores, porque a relação material respeita a vários devedores (os condevedores referidos no art.º 329.º n.º 1 do CPC), conforme a expressão ampla do art.º 27.º do CPC, mesmo que um dos devedores o seja por uma relação paralela conexa com a relação directa entre o lesante o lesado, aquela que emerge do contrato de seguro."

A jurisprudência citada não será, só por si, contrária à que admita a intervenção da seguradora como parte acessória (cfr., por exemplo, o acórdão do STA de 28-06-2000, proferido no processo n.º 045860 - ligação directa). Essa contradição só existirá quando se defenda a intervenção acessória da seguradora ainda que se reconheça um direito autónomo do lesado contra ela.

Note-se, finalmente, que a opção não é inócua, havendo consequências para a seguradora, desde logo, quanto às excepções que, num e noutro caso, lhe é lícito opor ao autor - cfr., a este propósito, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-06-2004, proferido no processo n.º 408/04-2 (ligação directa).

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