quarta-feira, junho 11, 2008

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2008, proferido no processo n.º 400/2002.C1:
"I – Dispõe a al. a) do art.6º do CPC, que têm ainda personalidade judiciária “a herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado”.
II - Segundo o art. 2046º/C.C., diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga a favor do Estado.
Enquanto permanece sem aceitação ou declaração de vacatura a favor do Estado, a herança assume provisoriamente o lugar do de cujus e considera-se titular dos direitos e obrigações que a compõem.
III - A indeterminação do titular pode resultar de indeterminação dos sucessíveis ou dos sucessores. Num e noutro caso, a herança é jacente e o seu titular não é determinado. As fórmulas dos citados arts. 2046º e 6º são equivalentes.
IV - A herança impartilhada de titulares determinados não goza de personalidade, e os direitos a ela relativos devem ser exercidos por ou contra todos os herdeiros.
V - Sendo os herdeiros conhecidos, estão determinados. Ainda que não tenham expressamente aceite a herança, pode inferir-se do seu comportamento que tacitamente aceitaram a herança. A aceitação é a conduta normal, para a vida e para a lei.
VI- Embora indivisa mas estando os seus titulares determinados, são eles que têm de figurar como partes numa acção judicial – artº 2091º C. Civ.. A herança ainda não partilhada carece de personalidade judiciária.
VII - Como vem sendo entendimento jurisprudencial e foi decidido no recente acórdão do STJ de 4.12.07 para fixação de jurisprudência, na acção de impugnação de escritura de justificação notarial, tendo sido os RR. que nela afirmaram a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos desse direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do C. R. Predial."

Nota - Por coincidência, volta aqui, após poucos dias, uma hipótese que levanta o problema da personalidade judiciária da herança.
No dia 5 de Junho, deixei aqui um texto sobre a necessidade de aceitação ou repúdio por todos os herdeiros para que a herança deixe de se considerar jacente (para ele remeto agora - v. aqui).
O caso sobre o qual versa o acórdão anotado é bem mais simples, todavia, pois parece claro que todos os herdeiros haviam aceitado, apenas faltando partilhar a herança. Ora, é pacífico que a herança que foi por todos aceite e ainda não foi partilhada já não goza de personalidade judiciária.
Chama-se, todavia, a atenção para o que se escreveu na conclusão terceira: "A indeterminação do titular pode resultar de indeterminação dos sucessíveis ou dos sucessores. Num e noutro caso, a herança é jacente e o seu titular não é determinado. As fórmulas dos citados arts. 2046º e 6º são equivalentes."
A aceitação que põe termo ao estado de jacente da herança pode, claro está, ser tácita, como se refere no acórdão e é também pacífico (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-07-2005, proferido no processo n.º 1238/05).
Sobre a representação em juízo da herança jacente (nos casos, claro está, em que tenha personalidade judiciária), cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-03-2004, proferido no processo n.º 4090/03, e do Tribunal da Relação de Évora de 15-03-2007, proferido no processo n.º 325/07-2.
Uma vez aceite a herança, terão de intervir na acção herdeiros. Saber se têm de intervir todos os herdeiros ou se basta apenas um é problema ao qual responde o direito substantivo, estabelecendo a regra segundo a qual o exercício dos direitos deve passar por todos eles (cfr. artigo 2091.º do CC), o que se traduz processualmente em litisconsórcio necessário (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-04-2007, proferido no processo n.º 2859/2007-6), regra essa em relação à qual se abrem, porém, excepções (cfr. artigos 2078.º e 2088.º a 2090.º do CC). Para exemplos de aplicação deste princípio, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-10-2007, proferido no processo n.º 47-A/1986.C1, e do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-2007, proferido no processo n.º 0720560, e de 07-11-2006, proferido no processo n.º 0622574. Em particular sobre a hipótese do artigo 2089.º, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-01-2004, proferido no processo n.º 03B4310.
Sobre o pedido a formular por um credor da herança já aceite, contra os herdeiros, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-01-2006, proferido no processo n.º 05A3992.
Ainda a propósito, e para finalizar, chamo a atenção para o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-07-2006, proferido no processo n.º 0633036: "O tribunal pode, oficiosamente, notificar um executado para, no prazo que lhe for concedido, esclarecer se aceita ou repudia a herança aberta por óbito de outro executado, com a advertência de que, na falta de declaração de aceitação, ou não sendo apresentado documento de repúdio, se tinha a herança por aceite."


2) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-05-2008, proferido no processo n.º 380-B/1999.C1:
"I – No processo especial de inventário requerido em consequên­cia da dissolução do casamento, os bens que integram a comunhão são relaciona­dos pelo cabeça-de-casal, o qual indicará o valor que lhes atribui – art.º 1345º e 1346º, ambos do C. P. Civil.
II - O inventário é caracterizado pelo princípio da universalidade, sendo o seu objectivo a partilha de todos os bens e direitos que integram essa comunhão, seja hereditária ou conjugal, uma só vez, visando-se, desse modo, uma partilha igualitá­ria. Com este processo pretende-se colocar termo a uma comunhão que engloba todos os bens que dela fazem parte, independentemente do local onde se situem.
III - Com fundamento no princípio da universalidade dir-se-ia que todos os bens a partilhar, independentemente do local onde se encontrem, deveriam ser relacionados e objecto de partilha, mesmo aqueles situados no estrangeiro.
IV - No entanto, tendo presente que o processo de inventário admite desvios àquele princípio, nomeadamente com a realização de partilhas adicionais ou a remessa dos interessados para os meios comuns, com vista ao apuramento da exis­tência dos bens e/ou da sua titularidade, parece-nos que, quanto aos bens situados no estrangeiro, também aquele princípio terá que ser postergado, quando não esteja assegurada, por convenção ou tratado, a eficácia da partilha efectuada pelo Tribunal Português de bens situados em país estrangeiro.
V - Assim, não existindo qualquer convenção ou tratado do qual Portugal e os E.U.A. sejam subscritores, que assegure a eficácia da sentença de partilha que venha a ser proferida em processo a correr termos nos tribunais nacionais, não deve ser aqui efectuada a partilha dos bens situados nos E. U. A."

Nota - O problema aqui em análise - saber se os tribunais portugueses podem proceder à partilha de bens localizados no estrangeiro - tem dividido os nossos tribunais.
Como se salienta na fundamentação, "a jurisprudência tem vindo a manifestar uma tendência para admitir que o valor dos bens situados no estrangeiro seja tido em conta, somente para o cálculo da quota disponível e correlativamente da legítima, embora esses bens não sejam partilhados". Citam-se, na decisão, os seguintes acórdãos: "S. T. J., de 21.3.85, relatado por Belmiro Cerqueira, BMJ 345, pág. 355, S. T. J., de 25.6.98, relatado por Almeida e Silva, com sumário acessível em www.dgsi.pt, proc. 98B327, T. R. Porto, de 11.4.78, relatado por Costa e Sá, C. J., Ano III, pág. 806, T. R. Porto de 25.10.94, relatado por Paz Dias, com sumário acessível em www.dgsi.pt, proc. 9410188" (estes no sentido da decisão anotada) e "ac. do T. R. Porto, de 11.9.07, relatado por Henrique Araújo, acessível em www.dgsi.pt, proc. 0722005" (este no sentido oposto).
Problema diferente, mas de algum modo relacionado, é o de saber se, partilhados bens imóveis localizados em Portugal num tribunal estrangeiro que não seja um Estado-Membro, e pedida a revisão de sentença estrangeira em Portugal, o disposto na alínea a) do artigo 65.º-A do CPC impedirá a revisão. Sobre este problema, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-01-2005, proferido no processo n.º 04B3808, do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2007, proferido no processo n.º 5499/2006-6, e de 08-03-2007, proferido no processo n.º 9936/2006-6, do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-10-2006, proferido no processo n.º 11/06.2YRCBR, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-12-2003, proferido no processo n.º 619/03-1, com a advertência, porém, de que é difícil sustentar a aplicabilidade directa do artigo 65.º-A, al. a) do CPC, hoje em dia, já que o artigo 22.º do Regulamento 44/2001 parece forçar a sua aplicação sobre aquela norma, ainda que as partes não se encontrem domiciliadas num Estado-Membro. Mas esta "conversa" terá que ficar para outro momento.


3) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-05-2008, proferido no processo n.º 372/04.8TAAND.C1:
"I – A possibilidade de conhecimento do Tribunal da Relação em caso de impugnação da decisão de 1ª instância sobre matéria de facto está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos estatuídos no artº 690º-A, nºs 1 e 2,do CPC.
II – Os concretos pontos de facto impugnados devem constar das respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão.
III – Já quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação, mas, em todo o caso, impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes.
IV – Verificando-se uma total omissão sobre o ónus de especificação, por ausência de individualização da matéria questionada, impõe-se a rejeição do recurso sobre a matéria de facto.
V – O artº 181ºda OTM estabelece o incidente de incumprimento quanto ao acordado ou decidido relativamente à situação do menor no âmbito do exercício do poder paternal, onde está abrangido todo e qualquer incumprimento à regulação do poder paternal, incluindo apenas a pensão alimentar, cuja cobrança coerciva se efectiva pelo artº 189º da OTM.
VI - Dado que a obrigação de alimentos assume natureza creditícia, uma vez provado o incumprimento presume-se a culpa do devedor de alimentos, nos termos do artº 799º, nº 1, do C. Civ., pelo que é o devedor quem terá de demonstrar que o não pagamento não procedeu de culpa sua."

Nota - Sobre o recurso em que se impugna a matéria de facto e quais os elementos que devem conter-se nas conclusões, cfr., antes de mais, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2074, bem como as notas que a ele deixei anteriormente.
Igualmente em sentido semelhante ao constante da decisão anotada, v. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3366, entendendo, pois, que a indicação do local das gravações onde se encontra(m) o(s) depoimento(s) em que se apoia o recurso deve constar das alegações mas não necessariamente das conclusões. Parece-me ser esta a solução mais razoável. Se a identificação dos pontos da gravação se encontra nas alegações, não há razão para sobrecarregar as conclusões (que devem ser breves) com essa repetição, bastando que delas conste apenas a matéria de facto que se pretende ver alterada. Esta parece ser, actualmente, a jurisprudência dominante no STJ, encontrando-se facilmente outros acórdãos no mesmo sentido (cfr., por exemplo, os de 08-03-2006, proferido no processo n.º 05S3823, e de de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06S3405), embora seja possível encontrar jurisprudência do mesmo tribunal em sentido oposto (cfr., por exemplo, o acórdão de 05-02-2004, proferido no processo n.º 03B4145). Na Relação de Lisboa, porém, encontram-se algumas decisões a exigir que as conclusões contenham também os concretos meios de prova que levam a decisão diversa (cfr. os acórdãos de 02-06-2005, proferido no processo n.º 1598/2005-4, de 02-11-2005, proferido no processo n.º 1812/2005-4, e de 18-01-2006, proferido no processo n.º 10696/2005-4). Quanto ao que deverá entender-se como identificação concreta do ponto da gravação onde se encontra o depoimento, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2642.
Quanto ao dever de enunciar quais os concretos pontos de facto que o recorrente entende deverem merecer resposta diferente da que foi dada na decisão recorrida, vejam-se os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2007, proferido no processo n.º 07P330, de 06-06-2007, proferido no processo n.º 07S742, e de 29-03-2007, proferido no processo n.º 2338/06-3.
Considerando que a falta de indicação das voltas onde se encontram os depoimentos deve dar lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541. No entanto, já se entendeu também que "se a falta ou deficiência das conclusões escaparem à análise quer do relator, quer dos juízes-adjuntos e a tramitação do recurso avançar para a fase do julgamento, já não poderá ocorrer o convite a que alude o nº4 do artigo 690 do CPC, por se encontrar ultrapassado o respectivo momento processual e para não se arrastar no tempo o conhecimento dos demais recursos que devam ter lugar no mesmo julgamento" e que tal convite "não tem lugar no âmbito do artigo 690-A do CPC" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2407.

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