sexta-feira, junho 06, 2008

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Segue-se alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Para além das habituais decisões anotadas, deixo outras, não anotadas, que julgo poderem ter algum interesse.

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2008, proferido no processo n.º 08B948:
"1. Os factos relatados nos autos de medição realizados pelos serviços de Divisão de Obras de uma Câmara Municipal, dona da obra, mais não traduzem do que actos de acompanhamento e fiscalização da obra feitos pelo respectivo dono, para fins de comprovação da sua conformidade com os termos do contrato e consequente autorização de pagamento. E foi a percepção desses factos por parte de um seu funcionário que lhe permitiu ajuizar dessa conformidade e emitir a respectiva autorização de pagamento.
Este documento não foi emitido pela Câmara Municipal no uso das suas funções específicas enquanto órgão da administração local, mas enquanto dona da obra e para os fins apontados.
Ora, não tendo este documento sido emitido nos limites da competência ou actividade legal da entidade emitente, não tem força probatória plena e, como tal, está sujeito à livre apreciação do julgador.
2. O contrato dos autos foi concluído e firmado por recorrente e recorrida por decisão da mesma pessoa, agindo simultaneamente em representação das duas sociedades contratantes.
E esta intervenção isolada do representante de duas entidades, distintas dele próprio, configura uma situação clara de dupla representação em que o perigo de se conseguirem contratos favoráveis para um dos representados à custa do outro poderá existir realmente, assim se possibilitando a fragilização contratual de um das partes.
A figura do contrato consigo mesmo pode verificar-se quando alguém revestido de poderes de gerência de duas sociedades diferentes, actuando como representante das duas, celebra determinado contrato."

Nota - Parece-me acertada a decisão de não qualificar, neste caso, o documento camarário como "autêntico", pelas razões constantes do sumário.
Quanto à força probatória dos documentos autênticos, cfr. a nota que deixei aqui ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-05-2007, proferido no processo n.º 07A1334, bem como este outro post.
Para além de toda a jurisprudência que se encontra nesses textos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2004, proferido no processo n.º 04B370 ("I - A força probatória material dos documentos autênticos restringe-se, nos termos do artigo 371, nº1 do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e validade das declarações prestadas perante essa mesma autoridade ou oficial público; II - Dois atestados emitidos pela Junta de Freguesia da respectiva residência e uma certidão dos serviços de Finanças sobre a liquidação do seu IRS nada provam, só por si, sobre a carente situação económica alegada pela autora, porquanto: um dos atestados é omisso sobre a razão de ciência do que atesta; o outro atesta com base no que foi declarado pela própria autora; a liquidação do IRS é calculada pelo que é declarado pelo próprio contribuinte.").


2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2008, proferido no processo n.º 08A1110:
"I. A competência territorial fixada no art. 73º do Cód. de Proc. Civil – foro da situação dos bens - está numa relação de especialidade em relação à competência territorial fixada no art. 74º do mesmo diploma – foro para cumprimento de obrigações.
II. Assim sempre que uma acção se refira a um direito real ou pessoal de gozo sobre imóvel, a competência territorial pertence à comarca da situação do imóvel, independentemente de nessa acção ser pedido o cumprimento de uma obrigação ou a resolução de um contrato que incida sobre o referido imóvel."

Nota - Decisão interessante para mim, esta, pois venho defendendo o mesmo nas aulas, invocando precisamente os dois principais argumentos que o acórdão anotado refere: por um lado, a articulação lógica entre os dois preceitos sugere a relação de especialidade do primeiro face ao segundo; por outro lado, o argumento histórico, apoiado no comentário de Alberto dos Reis. Sobre este último, refere-se na fundamentação: "É este o entendimento do Prof. José Alberto dos Reis, no seu “Comentário ao Cód. de Proc. Civil”, vol. 1º, pág. 193, onde refere que o texto do art. 73º teve origem no art. 91 º do projecto primitivo, enquanto o art. 74º teve origem no art. 92º do mesmo projecto e este último começava com a expressão “ Quando a acção não esteja abrangida pela disposição do artigo anterior...”."
A propósito, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-02-2008, proferido no processo n.º 10408/2007-8:
"A acção em que se pede a resolução de contrato promessa que tem objecto um imóvel sito em Coimbra e consequente condenação dos RR a restituírem determinada quantia correspondente ao sinal então entregue não tem perspectiva real mas, apenas, obrigacional pelo que não lhe é aplicável o disposto no art. 73 do C.P.C."


3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2008, proferido no processo n.º 08B856:
"I - A presunção resultante do registo predial (artº 7º do C.R. Predial) não abrange os factores descritivos do prédio, como as áreas, limites ou confrontações.
II - A ampliação a que alude o artº 729º nº3 do CPC só é consentida no tocante a factos de que ao tribunal seja lícito conhecer ou articulados pelas partes (artº 264º do CPC) que se perfilem revelantes para o consignado no primeiro dos normativos neste número invocados."


4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2008, proferido no processo n.º 08B332:
"O locatário tem legitimidade para exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, incluindo o direito de anulação ou de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente, no caso do bem não satisfizer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo vendedor à data do contrato de compra e venda e que eram essenciais ao fim a que o bem se destinava.
A declaração de nulidade do contrato de compra e venda é oponível ao locador e acarreta, consequencialmente, a nulidade do contrato de locação financeira.
Os efeitos, para este contrato - consequência da declaração de nulidade do contrato de compra e venda - produzem-se, em relação ao locador, afectando as próprias “prestações e rendas recebidas”, devendo, mutuamente, ser restituído tudo o que houver sido prestado; os seus efeitos são, pois, retroactivos."


5) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2008, proferido no processo n.º 07S4106:
"I – A arguição de nulidades de acórdãos da Relação deve, por força do estatuído nas disposições combinadas dos artigos 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), e 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, sob pena de se considerar extemporânea e não se conhecer das nulidades arguidas somente nas alegação de recurso.
II – A rejeição do recurso em matéria de facto, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 690.º-A, n.os 1, 2 e 5, e 712.º do CPC, não configura qualquer dos vícios típicos da sentença, mas erro de interpretação e aplicação de lei processual, pelo que tal questão, por não estar contemplada no citado artigo 77.º do CPT, não está sujeita à limitação consignada neste preceito, do que decorre que pode ser conhecida pelo Supremo, quando suscitada na alegação da revista, conforme dispõe o artigo 722.º, n.º 1, do CPC.
III – O facto de a parte recorrente impugnar toda a decisão proferida sobre a matéria de facto não é motivo de rejeição, desde que, na alegação, cumpra integralmente as exigências contidas no referido artigo 690.º-A, n.os 1, 2, podendo e devendo o recurso ser parcialmente rejeitado, quanto à matéria de facto impugnada em relação à qual seja pedida, pura e simplesmente, a reapreciação de provas produzidas em 1.ª instância, em manifestação de genérica discordância com o decidido.
IV – A ampliação da matéria de facto, prevista no artigo 729.º, n.º 3, do CPC, passa não só pela averiguação de factos que, tendo sido alegados, não foram apurados, mas também pela reapreciação de factos que, também alegados, terão sido deficientemente aquilatados, designadamente porque a Relação, indevidamente, não cuidou de proceder à reapreciação das provas gravadas, posto que o objectivo da ordem de ampliação da matéria de facto é o de fazer averiguar factos de que o tribunal pode tomar conhecimento e que não foram apurados ou que o foram deficientemente, mostrando-se o apuramento de tais factos indispensável para a decisão de direito.
V – Deve ser ordenada a ampliação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quando, sendo controvertidos os factos invocados para a resolução com justa causa do contrato de trabalho por parte do trabalhador, para fundamentar o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, e para fundamentar a condenação no pagamento de diferenças salariais, as instâncias não emitiram pronúncia sobre aqueles factos.
VI – Em face do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, parte final, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, aos créditos retributivos vencidos depois de 1 de Dezembro de 2003, aplica-se o regime deste diploma, estando os que venceram antes daquela data sujeitos ao regime anteriormente vigente.
VI – Em ambos os regimes, ao trabalhador que reclama o pagamento prestações retributivas, incumbe, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos concretos de que emergem os correspondentes créditos – a prestação do trabalho, a categoria profissional respectiva, e, quando for o caso, as condições específicas em que tal sucedeu determinantes de atribuições patrimoniais que excedam a remuneração de base; sobre o empregador impende o ónus de impugnar aqueles factos ou de alegar e demonstrar que as correspectivas prestações foram satisfeitas (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
VII – Em face do disposto nos artigos 7.º e 8.º do Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho e 552.º e 553.º do Código do Trabalho, as normas dos Contratos Colectivos de Trabalho não têm aplicação directa às relações individuais de trabalho se não se provou, nem foi alegada, a filiação do empregador em alguma das associações de empregadores subscritoras.
VIII – As normas constantes do Contratos Colectivos de Trabalho (CCT’s) celebrados entre a UNIHSNOR – União das Associações da Hotelaria e Restauração do Norte de Portugal e a FESHOT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, e entre a mesma associação de empregadores e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, e respectivas alterações, aplicam-se às relações individuais de trabalho estabelecidas entre trabalhadores e empregadores do sector de actividade económica neles contemplada, exercida no distrito do Porto, independentemente da filiação nas associações sindicais e empresariais subscritoras, na medida em que foram objecto de extensão por via administrativa, através de Portarias de Extensão.
IX – O reconhecimento do direito ao subsídio de alimentação, em substituição da alimentação em espécie, reportado ao período de efectiva prestação de trabalho, previsto nos referidos CCT’s, depende da alegação e prova, pelo trabalhador, de que o estabelecimento, onde o serviço é prestado, não confecciona ou não serve refeições; e do mesmo subsídio, em períodos de férias, da alegação e prova, pelo trabalhador, de que, nesses períodos, não lhe podia ser fornecida alimentação, ou de que o trabalhador optou por não tomar as refeições no estabelecimento onde presta serviço.
X – O reconhecimento do direito a perceber o “prémio de conhecimento de línguas”, consignado nos mesmos CCT’s, depende da alegação e prova, pelo trabalhador, da utilização, no exercício das respectivas funções, de conhecimentos de idiomas estrangeiros.
XI – O reconhecimento do direito a perceber “abonos para falhas”, previsto para os trabalhadores com a categoria de recepcionista, naqueles CCT’s, pressupõe a alegação e prova, pelo trabalhador, do exercício de funções de caixa."


6) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2008, proferido no processo n.º 08B1168:
"1. Terminada a fase administrativa, entra-se na fase judicial e a primeira diligência a efectuar é a adjudicação da propriedade e eventualmente da posse do bem ao expropriante.
De acordo com o processado especial aqui preconizado, não está prevista a audição prévia dos interessados. E compreende-se que assim seja. Primeiro, porque eles puderam acompanhar a par e passo todo percurso processual que até aí se desenrolou e adoptar os procedimentos que entendessem convenientes. Segundo, porque a fase judicial só começa verdadeiramente com o despacho de adjudicação. Finalmente, porque é a própria declaração de utilidade pública a criar o carácter forçado da transferência do bem. No despacho de adjudicação, o juiz apenas pode exercer controle sob aspectos formais da tramitação do procedimento expropriatório até aí decorrente.
Não revestia qualquer interesse, digno de protecção legal, a notificação da expropriada previamente à prolação do despacho de adjudicação da propriedade do bem.
2. Vigora em matéria de expropriação o princípio da suficiência, ou seja, o sacrifício a impor ao particular deve limitar-se ao estritamente necessário para realização do fim público a prosseguir.
Este princípio admite excepções, a mais importante das quais é, desde logo, a expropriação total que é instituída em benefício do interessado. Desde que a parte do prédio não necessária à realização do interesse público não ofereça as mesmas vantagens que oferecia o conjunto ou deixe de se revelar economicamente viável, o expropriado pode requerer a expropriação de todo ele.
Não faria qualquer sentido que, declarada a utilidade pública de parte de um prédio e pretendendo o expropriado fundadamente obter a sua expropriação total, fosse obrigada a expropriante a obter uma DUP abrangente da parte restante. Aliás, e porque a expropriante nem terá, normalmente, qualquer interesse nessa expropriação, que para si é forçada, nem a parte restante se apresentará já necessária à satisfação de qualquer interesse público, não havia fundamento para provocar essa declaração.
Esta situação não se configura, por isso, como uma verdadeira expropriação. Este foi o meio encontrado para minorar o prejuízo do expropriado com o fraccionamento do imóvel, enquanto para o expropriante acaba por constituir um encargo acrescido na medida em que tem de adquirir parte de um imóvel não necessária a um fim de utilidade pública.
Requerida a expropriação total do prédio, uma vez concedida, apresenta-se ela como o desenvolvimento da declaração de expropriação inicial, não havendo sequer fundamento para provocar uma nova DUP."

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