Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 3 de 3)
1) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-10-2007, proferido no processo n.º 1439/04.8TBCNT-A.C1:
"A condenação por litigância de má fé tem apenas por pressuposto a violação, com dolo ou negligência grave, do dever de correcção processual ou de probidade que o artº 266ºº-A, do CPC impõe às partes: dever de não formularem pedidos injustos, de não articularem factos contrários à verdade e de não requererem diligências meramente dilatórias.
A litigância de má fé pode levar à aplicação ao litigante de duas sanções: multa e uma indemnização à parte contrária.
Com a norma do nº 2 do artº 457º do CPC o legislador quis, de forma clara, que o pedido de indemnização (e a fixação do seu quantum) por litigância de má fé fique decidido e resolvido no próprio processo em que tem lugar a condenação da parte com base em tal tipo de comportamento processual, pelo que não é legalmente possível relegar para execução de sentença a liquidação ou fixação da indemnização por litigância de má fé.
No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada - artº 457º, nº 1, als. a) e b), do CPC.
Na ausência total de elementos fornecidos pela parte contrária à que foi condenada como litigante de má fé quanto a eventuais despesas ou prejuízos sofridos em consequência directa ou indirecta da litigância de má fé, torna-se desaconselhável fixar qualquer indemnização por essa litigância, sob risco de imprudência arbitrária no montante a ser atribuído."
Nota - Concordo em absoluto com a decisão.
Embora se tenha generalizado a prática de pedir, para além da condenação da parte como litigante de má fé, a indemnização da contraparte, por vezes não se alegam os danos em que assenta o pedido indemnizatório. Ora, a litigância de má fé representa o facto ilícito e - admitamos - culposo e voluntário da parte. Mas, para que haja condenação na obrigação de indemnizar, há que alegar danos e nexo de causalidade entre o facto ilícito e tais danos. Sem tudo isto, não pode ser o juiz a suprir o ónus da parte na alegação destes elementos essenciais da sua pretensão indemnizatória.
Aliás, com mais pormenor, veja-se o seguinte excerto da decisão anotada:
"Já vimos que a litigância de má fé pode levar a aplicação ao litigante de duas sanções: multa e uma indemnização à parte contrária.
No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada.
A indemnização simples é aquela que se encontra prevista na al. a) do nº 1 do artº 457 do CPC, e engloba todas as despesas que a má fé do litigante haja obrigado a parte contrária a suportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ou aos técnicos, ou seja, e no dizer do prof. Lebre de Freitas (in “Ob. cit. pág. 200”), apenas os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação do litigante de má fé.
Já a indemnização agravada é aquela que se encontra prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 457, e abrangerá todas aquelas despesas e ainda todos os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé do litigante (cfr., a propósito, ainda Acs do STJ de 4/4/2002 e de 24/4/2002, respectivamente, in “Agravo nº 440/2002, 2ª sec., e Revista nº 694/2002, 2ª sec., sumários 4/2002”).
Ora, a tal propósito, duas correntes de opinião tem surgido: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio. (Vidé, a propósito, Rui Correia de Sousa, in “Ob. cit., págs. 11/12”)."
Num sentido próximo do que se acabou de descrever, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2007, proferido no processo n.º 07B2413, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-05-2007, proferido no processo n.º 3490/2007-2.
Chamo a atenção, também, para o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2002, proferido no processo n.º 0231203, no qual se decidiu que "é possível, em acção autónoma, reclamar indemnização por danos causados por conduta integradora de litigância de má fé em acção anterior finda". Contra, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-12-2003, proferido no processo n.º 8263/2003-7.
Sobre a litigância de má fé, aconselho a leitura de Pedro de Albuquerque, Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, Coimbra: Almedina, 2006, Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa "In Agendo", Coimbra: Almedina, 2005, e Rui Correia de Sousa, Litigância de má fé (colectânea de sumários de jurisprudência), Lisboa: Quid Juris, 2005 (2ª edição).
Sobre a litigância de má fé das pessoas colectivas, cfr. este post anterior.
Sobre a litigância de má fé em processo penal, cfr. este post anterior.
2) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-10-2007, proferido no processo n.º 2802/05.2TBGRD.C1:
"Na acção de reivindicação, incumbe a quem invoca o correspondente direito, a prova do mesmo e, para tanto, não basta que exiba um título translativo, havendo ainda necessidade de demonstrar que o direito já existia no transmitente, ou que, pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio, e pela posse, se operou a aquisição originária, por usucapião, ou, em derradeira alternativa, de que goza da presunção da titularidade do direito de propriedade correlativo.
(...)
Sendo ao réu que competia o ónus da prova da posse, não o logrando realizar, a acção, cujo fundamento radica no título de transmissão, pelo seu valor de presunção do domínio ou da titularidade do direito, deve, na dúvida, ser decidida a favor do autor."
Nota - A solução, aqui, não oferece grande dificuldade.
Não estava em causa, como em outras decisões já aqui referidas, a prova de que o direito adquirido a proprietário anterior já existia no transmitente, para assim demonstrar a propriedade - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-1996, proferido no processo n.º 96B628 (também in BMJ n.º 461, pág. 406), de 27-05-1997, proferido no processo n.º 96A914, de 09-06-1992, proferido no processo n.º 082106, de 26-11-1996, proferido no processo n.º 96A378, de 14-01-1997, proferido no processo n.º 96A695, e de 14-12-1995, proferido no processo n.º 087898, e de 27-11-2007, proferido no processo n.º 07A3815.
Nesta acção, o problema era outro e, em boa verdade, mais simples.
Admitindo que o autor não logra provar a titularidade do direito pelo transmitente, não deixa porém de gozar da presunção derivada do registo predial (artigo 7.º do CRPred.). Assim sendo, presume-se proprietário se como tal constar da inscrição registal. Esta presunção inverte o ónus da prova contra o réu (cfr. artigo 344.º, n.º 1 do CC). Ora, no caso concreto, o autor tinha a seu favor o registo da propriedade e provou ainda a posse (titulada), enquanto que o réu não logrou provar sequer a sua posse nem qualquer outro título que pudesse obstar à procedência do pedido, o que, sem mais, justifica a procedência da acção de reconhecimento do direito de propriedade.
A propósito, tem-se entendido que "da presunção estabelecida no art. 7º do Código de Registo Predial não beneficia apenas o titular inscrito no registo mas também o adquirente da coisa, desde que do registo conste que o transmitente é o último titular inscrito" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-2007, proferido no processo n.º 07A3005, na linha Antunes Varela, que, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-04-1983, proferido no processo n.º 069932 (também in BMJ n.º 326, pág. 483), in RLJ, ano 120.º, n.º 3757 (Agosto de 1987), pág. 121, escreveu: "A ideia de que, na aquisição derivada, não basta para provar a existência do direito do reivindicante a alegação do negócio de aquisição (da compra e venda, da doação, da permuta, etc.) nem o registo deste negócio porque pode faltar o direito do transmitente, é perfeitamente justificada. Mas já não é assim quando o transmitente seja o último titular (do direito) inscrito no registo – facto que, naturalmente, necessita de ser provado. Quando assim suceda, mesmo que o último inscrito no registo não seja apoiado na cadeia ininterrupta de transmissão desde a descrição e a primeira inscrição do imóvel no registo (por falta ou por não aplicação do princípio do trato sucessivo), a prova do direito do adquirente beneficia já da presunção da existência do direito do transmitente, que resulta do registo.Seria um absurdo exigir, mesmo nesse caso, a prova da cadeia ininterrupta do imóvel até se mostrar um título de aquisição originária". N0 mesmo sentido do referido acórdão de 09-10-2007, proferido no processo n.º 07A3005, podem ler-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-01-1988, proferido no processo n.º 074825 (também in BMJ n.º 373, pág. 532), de 27-09-1994, proferido no processo n.º 085118, e o já referido de 09-06-1992, proferido no processo n.º 082106.
3) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-10-2007, proferido no processo n.º 496/03.9TBVGS-A.C1:
"Implicando o provimento de um recurso de agravo, numa acção de divisão de coisa comum, respeitante a um despacho que declara divisível um prédio, a anulação dos actos processuais desencadeados por esse pressuposto (divisibilidade), o efeito suspensivo desse agravo – cuja fixação terá de ocorrer nos termos do artigo 740º, nº 2, alínea b) e nº 3 do CPC – depende da circunstância de os actos desencadeados por esse pressuposto se projectarem na realidade material da coisa a dividir, em termos aptos a integrar um prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
Exclui o conceito de divisibilidade em substância de uma coisa, no quadro de uma acção de divisão de coisa comum, enquanto alternativa à adjudicação ou venda da coisa decorrentes da indivisibilidade e da inexistência de acordo, uma situação que implique divisão da coisa entre os interessados, com o concomitante pagamento de tornas para preenchimento dos quinhões respectivos."
Nota - Quanto ao primeiro ponto (regime do agravo do despacho de declaração da (in)divisibilidade do prédio), não conheço outra decisão sobre questão exactamente semelhante, mas a agora anotada está em linha com o entendimento corrente do conceito de irreparabilidade ou difícil reparabilidade do prejuízo decorrente da não suspensão da decisão, tendo-se considerado, no acórdão, o seguinte: "não nos parece que a consequência directa da decisão recorrida, que se traduz fundamentalmente na prática de actos processuais (eventualmente um sorteio nos termos do artigo 1056º, nº 1, que, por si, não terá efeitos patrimoniais directos e irreversíveis sobre a materialidade das coisas), integre o referido pressuposto do prejuízo irreparável ou de difícil reparação".
Já quanto ao conceito de divisibilidade do prédio, a decisão segue o entendimento, que creio ser maioritário na jurisprudência, segundo o qual só será divisível juridicamente o prédio que o possa ser em parcelas que preencham, em espécie, a quota de cada comproprietário sem que haja lugar a tornas - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-10-2004, proferido no processo n.º 04B2961, de 05-11-2002, proferido no processo n.º 02A2594 (a questão encontra-se apenas na fundamentação), do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-10-2006, proferido no processo n.º 40012-A/1985.C1 (idem).
Considerando que "o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida, ou seja, terá que atender ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser", "a divisibilidade jurídica pressupõe a realidade predial existente e não a que resulte de obras para o efeito", e "muito embora na acção de divisão de coisa comum se possa declarar constituída a propriedade horizontal, o prédio deve dispor ab initio dos requisitos do artº 1415º do CC, e já não se ficar dependente da realização de obras para o efeito, visto que o tribunal tem de apreciar a divisibilidade à luz da situação presente e real e não com base numa situação futura e hipotética." - cfr. o já citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-10-2006, proferido no processo n.º 40012-A/1985.C1.
4) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-10-2007, proferido no processo n.º 233/04.TBSAT-.C1:
"Constitui acto ofensivo de posse, como pressuposto de embargos de terceiro, a penhora, mesmo que sustada nos termos do artigo 871.º do Código de Processo Civil.
No regime actual (Código de Processo Civil, na versão do Dec.Lei n.º 329-A/95, de 12/12), por força do disposto no artigo 354.º, a petição de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção da caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção à regra constante do n.º 2 do artigo 333.º do Código Civil."
Nota - No mesmo sentido, quanto à possibilidade de deduzir embargos de terceiro em face de penhora sustada, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2006, proferido no processo n.º 0635855.
No que respeita à possibilidade de indeferir liminarmente a petição de embargos de terceiro, com fundamento na extemporaneidade da sua dedução - incontestável, em face da lei actual - cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-12-2004, proferido no processo n.º 0456103.
"A condenação por litigância de má fé tem apenas por pressuposto a violação, com dolo ou negligência grave, do dever de correcção processual ou de probidade que o artº 266ºº-A, do CPC impõe às partes: dever de não formularem pedidos injustos, de não articularem factos contrários à verdade e de não requererem diligências meramente dilatórias.
A litigância de má fé pode levar à aplicação ao litigante de duas sanções: multa e uma indemnização à parte contrária.
Com a norma do nº 2 do artº 457º do CPC o legislador quis, de forma clara, que o pedido de indemnização (e a fixação do seu quantum) por litigância de má fé fique decidido e resolvido no próprio processo em que tem lugar a condenação da parte com base em tal tipo de comportamento processual, pelo que não é legalmente possível relegar para execução de sentença a liquidação ou fixação da indemnização por litigância de má fé.
No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada - artº 457º, nº 1, als. a) e b), do CPC.
Na ausência total de elementos fornecidos pela parte contrária à que foi condenada como litigante de má fé quanto a eventuais despesas ou prejuízos sofridos em consequência directa ou indirecta da litigância de má fé, torna-se desaconselhável fixar qualquer indemnização por essa litigância, sob risco de imprudência arbitrária no montante a ser atribuído."
Nota - Concordo em absoluto com a decisão.
Embora se tenha generalizado a prática de pedir, para além da condenação da parte como litigante de má fé, a indemnização da contraparte, por vezes não se alegam os danos em que assenta o pedido indemnizatório. Ora, a litigância de má fé representa o facto ilícito e - admitamos - culposo e voluntário da parte. Mas, para que haja condenação na obrigação de indemnizar, há que alegar danos e nexo de causalidade entre o facto ilícito e tais danos. Sem tudo isto, não pode ser o juiz a suprir o ónus da parte na alegação destes elementos essenciais da sua pretensão indemnizatória.
Aliás, com mais pormenor, veja-se o seguinte excerto da decisão anotada:
"Já vimos que a litigância de má fé pode levar a aplicação ao litigante de duas sanções: multa e uma indemnização à parte contrária.
No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada.
A indemnização simples é aquela que se encontra prevista na al. a) do nº 1 do artº 457 do CPC, e engloba todas as despesas que a má fé do litigante haja obrigado a parte contrária a suportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ou aos técnicos, ou seja, e no dizer do prof. Lebre de Freitas (in “Ob. cit. pág. 200”), apenas os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação do litigante de má fé.
Já a indemnização agravada é aquela que se encontra prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 457, e abrangerá todas aquelas despesas e ainda todos os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé do litigante (cfr., a propósito, ainda Acs do STJ de 4/4/2002 e de 24/4/2002, respectivamente, in “Agravo nº 440/2002, 2ª sec., e Revista nº 694/2002, 2ª sec., sumários 4/2002”).
Ora, a tal propósito, duas correntes de opinião tem surgido: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio. (Vidé, a propósito, Rui Correia de Sousa, in “Ob. cit., págs. 11/12”)."
Num sentido próximo do que se acabou de descrever, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2007, proferido no processo n.º 07B2413, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-05-2007, proferido no processo n.º 3490/2007-2.
Chamo a atenção, também, para o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2002, proferido no processo n.º 0231203, no qual se decidiu que "é possível, em acção autónoma, reclamar indemnização por danos causados por conduta integradora de litigância de má fé em acção anterior finda". Contra, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-12-2003, proferido no processo n.º 8263/2003-7.
Sobre a litigância de má fé, aconselho a leitura de Pedro de Albuquerque, Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, Coimbra: Almedina, 2006, Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa "In Agendo", Coimbra: Almedina, 2005, e Rui Correia de Sousa, Litigância de má fé (colectânea de sumários de jurisprudência), Lisboa: Quid Juris, 2005 (2ª edição).
Sobre a litigância de má fé das pessoas colectivas, cfr. este post anterior.
Sobre a litigância de má fé em processo penal, cfr. este post anterior.
2) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-10-2007, proferido no processo n.º 2802/05.2TBGRD.C1:
"Na acção de reivindicação, incumbe a quem invoca o correspondente direito, a prova do mesmo e, para tanto, não basta que exiba um título translativo, havendo ainda necessidade de demonstrar que o direito já existia no transmitente, ou que, pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio, e pela posse, se operou a aquisição originária, por usucapião, ou, em derradeira alternativa, de que goza da presunção da titularidade do direito de propriedade correlativo.
(...)
Sendo ao réu que competia o ónus da prova da posse, não o logrando realizar, a acção, cujo fundamento radica no título de transmissão, pelo seu valor de presunção do domínio ou da titularidade do direito, deve, na dúvida, ser decidida a favor do autor."
Nota - A solução, aqui, não oferece grande dificuldade.
Não estava em causa, como em outras decisões já aqui referidas, a prova de que o direito adquirido a proprietário anterior já existia no transmitente, para assim demonstrar a propriedade - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-1996, proferido no processo n.º 96B628 (também in BMJ n.º 461, pág. 406), de 27-05-1997, proferido no processo n.º 96A914, de 09-06-1992, proferido no processo n.º 082106, de 26-11-1996, proferido no processo n.º 96A378, de 14-01-1997, proferido no processo n.º 96A695, e de 14-12-1995, proferido no processo n.º 087898, e de 27-11-2007, proferido no processo n.º 07A3815.
Nesta acção, o problema era outro e, em boa verdade, mais simples.
Admitindo que o autor não logra provar a titularidade do direito pelo transmitente, não deixa porém de gozar da presunção derivada do registo predial (artigo 7.º do CRPred.). Assim sendo, presume-se proprietário se como tal constar da inscrição registal. Esta presunção inverte o ónus da prova contra o réu (cfr. artigo 344.º, n.º 1 do CC). Ora, no caso concreto, o autor tinha a seu favor o registo da propriedade e provou ainda a posse (titulada), enquanto que o réu não logrou provar sequer a sua posse nem qualquer outro título que pudesse obstar à procedência do pedido, o que, sem mais, justifica a procedência da acção de reconhecimento do direito de propriedade.
A propósito, tem-se entendido que "da presunção estabelecida no art. 7º do Código de Registo Predial não beneficia apenas o titular inscrito no registo mas também o adquirente da coisa, desde que do registo conste que o transmitente é o último titular inscrito" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-2007, proferido no processo n.º 07A3005, na linha Antunes Varela, que, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-04-1983, proferido no processo n.º 069932 (também in BMJ n.º 326, pág. 483), in RLJ, ano 120.º, n.º 3757 (Agosto de 1987), pág. 121, escreveu: "A ideia de que, na aquisição derivada, não basta para provar a existência do direito do reivindicante a alegação do negócio de aquisição (da compra e venda, da doação, da permuta, etc.) nem o registo deste negócio porque pode faltar o direito do transmitente, é perfeitamente justificada. Mas já não é assim quando o transmitente seja o último titular (do direito) inscrito no registo – facto que, naturalmente, necessita de ser provado. Quando assim suceda, mesmo que o último inscrito no registo não seja apoiado na cadeia ininterrupta de transmissão desde a descrição e a primeira inscrição do imóvel no registo (por falta ou por não aplicação do princípio do trato sucessivo), a prova do direito do adquirente beneficia já da presunção da existência do direito do transmitente, que resulta do registo.Seria um absurdo exigir, mesmo nesse caso, a prova da cadeia ininterrupta do imóvel até se mostrar um título de aquisição originária". N0 mesmo sentido do referido acórdão de 09-10-2007, proferido no processo n.º 07A3005, podem ler-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-01-1988, proferido no processo n.º 074825 (também in BMJ n.º 373, pág. 532), de 27-09-1994, proferido no processo n.º 085118, e o já referido de 09-06-1992, proferido no processo n.º 082106.
3) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-10-2007, proferido no processo n.º 496/03.9TBVGS-A.C1:
"Implicando o provimento de um recurso de agravo, numa acção de divisão de coisa comum, respeitante a um despacho que declara divisível um prédio, a anulação dos actos processuais desencadeados por esse pressuposto (divisibilidade), o efeito suspensivo desse agravo – cuja fixação terá de ocorrer nos termos do artigo 740º, nº 2, alínea b) e nº 3 do CPC – depende da circunstância de os actos desencadeados por esse pressuposto se projectarem na realidade material da coisa a dividir, em termos aptos a integrar um prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
Exclui o conceito de divisibilidade em substância de uma coisa, no quadro de uma acção de divisão de coisa comum, enquanto alternativa à adjudicação ou venda da coisa decorrentes da indivisibilidade e da inexistência de acordo, uma situação que implique divisão da coisa entre os interessados, com o concomitante pagamento de tornas para preenchimento dos quinhões respectivos."
Nota - Quanto ao primeiro ponto (regime do agravo do despacho de declaração da (in)divisibilidade do prédio), não conheço outra decisão sobre questão exactamente semelhante, mas a agora anotada está em linha com o entendimento corrente do conceito de irreparabilidade ou difícil reparabilidade do prejuízo decorrente da não suspensão da decisão, tendo-se considerado, no acórdão, o seguinte: "não nos parece que a consequência directa da decisão recorrida, que se traduz fundamentalmente na prática de actos processuais (eventualmente um sorteio nos termos do artigo 1056º, nº 1, que, por si, não terá efeitos patrimoniais directos e irreversíveis sobre a materialidade das coisas), integre o referido pressuposto do prejuízo irreparável ou de difícil reparação".
Já quanto ao conceito de divisibilidade do prédio, a decisão segue o entendimento, que creio ser maioritário na jurisprudência, segundo o qual só será divisível juridicamente o prédio que o possa ser em parcelas que preencham, em espécie, a quota de cada comproprietário sem que haja lugar a tornas - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-10-2004, proferido no processo n.º 04B2961, de 05-11-2002, proferido no processo n.º 02A2594 (a questão encontra-se apenas na fundamentação), do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-10-2006, proferido no processo n.º 40012-A/1985.C1 (idem).
Considerando que "o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida, ou seja, terá que atender ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser", "a divisibilidade jurídica pressupõe a realidade predial existente e não a que resulte de obras para o efeito", e "muito embora na acção de divisão de coisa comum se possa declarar constituída a propriedade horizontal, o prédio deve dispor ab initio dos requisitos do artº 1415º do CC, e já não se ficar dependente da realização de obras para o efeito, visto que o tribunal tem de apreciar a divisibilidade à luz da situação presente e real e não com base numa situação futura e hipotética." - cfr. o já citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-10-2006, proferido no processo n.º 40012-A/1985.C1.
4) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-10-2007, proferido no processo n.º 233/04.TBSAT-.C1:
"Constitui acto ofensivo de posse, como pressuposto de embargos de terceiro, a penhora, mesmo que sustada nos termos do artigo 871.º do Código de Processo Civil.
No regime actual (Código de Processo Civil, na versão do Dec.Lei n.º 329-A/95, de 12/12), por força do disposto no artigo 354.º, a petição de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção da caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção à regra constante do n.º 2 do artigo 333.º do Código Civil."
Nota - No mesmo sentido, quanto à possibilidade de deduzir embargos de terceiro em face de penhora sustada, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2006, proferido no processo n.º 0635855.
No que respeita à possibilidade de indeferir liminarmente a petição de embargos de terceiro, com fundamento na extemporaneidade da sua dedução - incontestável, em face da lei actual - cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-12-2004, proferido no processo n.º 0456103.
Etiquetas: agravo, divisão de coisa comum, embargos, indeferimento liminar, jurisprudência TRC, litigância de má fé, ónus da prova, oposição à penhora, reivindicação
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