quarta-feira, novembro 14, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 2)

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2007, proferido no processo n.º 07B3586:
"Afirmando a Relação não se verificarem os pressupostos da aplicação do nº 4 do artigo 712º, em vez de se referir à alínea b) do nº 1 do artigo 510º, ambos do Código de Processo Civil, não há nulidade por omissão de pronúncia sobre a legalidade do conhecimento de mérito no despacho saneador.
As afirmações do réu conclusivas e as subjectivas motivadoras da doação do prédio na contestação, incluindo a de obter financiamento bancário para proceder ao pagamento do credor, são insusceptíveis de justificar o não julgamento da causa na fase da condensação.
São actos gratuitos para efeitos de impugnação pauliana os relativos à partilha em vida por via de doação dos bens a todos os seus herdeiros pelos doadores com reserva de usufruto e recebimento de tornas.
Tendo o crédito em causa sido constituído antes da doação do prédio pelo devedor e não afirmando na contestação ser titular de bens ou rendimentos susceptíveis de garantir a realização daquele direito pelo credor impõe-se a decisão, na fase da condensação da verificação dos pressupostos da impugnação pauliana."


Nota - Quanto ao primeiro ponto, importa chamar a atenção para a circunstância de o tribunal da Relação se ter pronunciado sobre a concreta questão levantada pelos recorrentes: se a matéria de facto que resultava assente após os articulados era suficiente para decidir a causa (como se decidiu na primeira instância) ou se deveria ter sido determinado o prosseguimento dos autos para instrução (como pretendiam os recorrentes). A Relação respondeu a essa questão concretamente levantada, embora a tenha enquadrado no artigo 712.º, n.º 4 do CPC ("Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta (...)"), e não no artigo 510.º, n.º 1, al. b) do CPC (que permite ao juiz, no despacho saneador, "conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.").
Este diferente enquadramento jurídico do problema não implica que tenha ocorrido omissão de pronúncia, não só porque o tribunal é livre na aplicação do direito, não estando dependente da invocação das normas pelas partes (salvo quando a lei assim o determina, como acontece, por exemplo, com as normas relativas à anulabilidade), mas porque as questões levantadas não se identificam com as normas concretamente invocadas.
"Só acontece a suprcitada nulidade quando o juíz olvida a pronúncia sobre as «questões» submetidas ao seu escrutínio pelas partes, ou de que deva, oficiosamente, conhecer, aquelas importando saber distinguir, por não constituirem as concretas controvérsias fulcrais a dirimir, dos meros argumentos, opiniões, razões, motivos ou pareceres explanados por demandante(s) (ou) demandado(s) em abono das teses que sufragam." - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2007, proferido no processo n.º 07B2522 (Cfr., no mesmo sentido, entre muitos outros, os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-05-2006, proferido no processo n.º 06B1441 ("As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, em perspectiva de serem de direito substantivo, são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções."), de 31-05-2005, proferido no processo n.º 05B1730 ("As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções."), de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B840 ("Não deve também confundir-se a omissão do conhecimento das questões propostas por quem recorre prevenida na al.d) do nº1º do art.668º CPC com o não conhecimento de alguns dos argumentos utilizados pelas partes para defender as respectivas teses ou pontos de vista."), e de 05-05-2005, proferido no processo n.º 05B839 ("A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do mesmo artigo 668, directamente relacionada com o comando do art. 660º, nº 2, servindo de cominação ao seu desrespeito, só existe quando a sentença deixa de conhecer de questões que devia decidir e não também quando apenas deixa de se pronunciar acerca de razões ou argumentos produzidos na defesa das teses em presença.").
O restante da decisão também parece oferecer pouca discussão. Comprovada a alienação gratuita do património, com prejuízo da garantia patrimonial do credor, não são relevantes, para o sucesso da acção pauliana, a motivação da doação (uma "partilha em vida", no caso concreto - cfr., ainda, a este respeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-10-2003, proferido no processo n.º 1587/03-1) ou a manutenção do usufruto (cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2005, proferido no processo n.º 05B2344, de 14-06-1995, proferido no processo n.º 085618, com texto integral in CJ, tomo II, pág. 127, ). Ao não serem contrariados, na contestação, os factos principais alegados pelo autor (constituição da obrigação, posterior alienação gratuita e prejuízo da garantia patrimonial), tais factos devem considerar-se admitidos na fase do saneamento e condensação e, bastando eles à procedência e não relevando os restantes, justifica-se a decisão de mérito no despacho saneador.
A propósito da acção pauliana, vejam-se,
sobre o problema do arresto dependente daquela acção, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2007, proferido no processo n.º 2042/06.3TBACB.C1, do Supremo Tribunal de Justiça de 08-02-2001, proferido no processo n.º 00A3812, de 29-05-2007, proferido no processo n.º 07A1674, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2006, proferido no processo n.º 6767/2006-2 (em particular quanto à legitimidade), e do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-11-2005, proferido no processo n.º 3214/05 (numa hipótese de arresto dependente de acção pauliana dirigida contra partilha, na sucessão mortis causa).
Ainda em matérias laterais, sobre o regime a seguir no caso de ser pedida, na acção pauliana, a declaração de nulidade, em vez da ineficácia do negócio jurídico, cfr.
o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-1998, proferido no processo n.º 98B847 (também in BMJ n.º 481, pág. 405), tratando, quanto a mim, a questão em termos mais equilibrados do que o anterior acórdão do mesmo tribunal de 04-11-1997, proferido no processo n.º 97A657, que aplicou a uma hipótese análoga o regime da ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir. Ainda analisando o mesmo problema em acção pauliana, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-06-2004, proferido no processo n.º 0433052 (no sentido do referido acórdão do STJ de 19-11-1998, proferido no processo n.º 98B847), e ainda, com uma fundamentação algo diferente, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-03-1999, proferido no processo n.º 557/98-2. Veja-se ainda Antunes Varela, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-12-1984, in R.L.J., ano 122 (1989-1990), pág. 233 e ss. (especialmente a pág. 255).
Finalmente, para uma descrição pormenorizada do mecanismo da acção pauliana, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-03-2004, processo n.º 03A913.



2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2007, proferido no processo n.º 07S2091:
"A oficiosidade da condenação extra vel ultra petitum prevista no art.º 74 do CPT só ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis de lei ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e quando os factos em que se funda tal condenação sejam os factos provados no processo, ou de que o juiz se possa servir nos termos do art.º 514, do CPC.
A regra de não conhecimento de “questões novas” - que resulta do n.º 2 do art. 660.º do CPC - é ultrapassada por aquela oficiosidade de conhecimento.
A inderrogabilidade de disposições legais a que o juiz há-de atender, para efeitos do referido art. 74.º, é consequenciada pelo princípio da irrenunciabilidade de certos direitos subjectivos do trabalhador, entendendo-se existir tal irrenunciabilidade quando se colocarem casos em que, para além da sua existência, se conclui que o exercício do direito se torna absolutamente necessário, por razões inerentes a interesses de ordem pública.
O trabalhador pode dispor livremente do direito indemnizatório de que seja titular pela ilícita cessação do seu contrato de trabalho, pelo que, se não formula o inerente pedido na petição inicial da acção que intente após cessado o vínculo laboral contra a sua entidade empregadora, não deve o tribunal condenar esta na não peticionada indemnização.
O art. 74.º do CPT, quando interpretado no sentido segundo o qual não cobra aplicação quando se coloquem em causa direitos disponíveis, não conflitua com os arts. 2.º, 25.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa."


Nota - Sobre os pressupostos da condenação ultra petitum em processo de trabalho, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07S276, de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S1957, de 18-06-2003, proferido no processo n.º 03S836, de 09-11-2005, proferido no processo n.º 05S1926, de 14-03-2006, proferido no processo n.º 05S4142, de 30-09-2004, proferido no processo n.º 03S3775, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-03-2003, proferido no processo n.º 0097094, de 21-01-2004, proferido no processo n.º 7449/2003-4, de 10-11-2004, proferido no processo n.º 3741/2004-4, de 25-05-2005, proferido no processo n.º 05S249, de 11-02-2004, proferido no processo n.º 03S4053, e do Tribunal da Relação do Porto de 09-10-2006, proferido no processo n.º 0612742, de 25-09-2006, proferido no processo n.º 0641664.
Sobre a relação entre a condenação
ultra petitum e o acórdão uniformizador n.º 1/2004, de 20-11-2003, proferido no processo n.º 02S3743 (também in DR, I Série, de 09-01-2004), cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-2005, proferido no processo n.º 05S249
Quanto à constitucionalidade do regime da condenação ultra petitum, na medida em que não se aplica a direitos disponíveis, parece-me de subscrever a posição do acórdão. Creio que o Tribunal Constitucional nunca se pronunciou especificamente sobre este problema. Sobre a condenação ultra petitum, conheço apenas o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 605/95, no qual se tratava de outro problema (necessidade de audição prévia das partes).


3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-11-2007, proferido no processo n.º 07A3795: "Tendo o A. arquitectado a sua pretensão de reivindicação de uma loja na existência de um pretenso contrato de comodato celebrado com a R. e vindo-se a provar que, afinal, o contrato celebrado era um contrato atípico e oneroso, a acção não pode deixar de ser julgada improcedente."

Nota - Nesta hipótese, invocando o réu um direito em que assenta o seu pedido (o direito de propriedade) e a ausência de justo título de detenção da coisa pelo réu (um suposto contrato de comodato já teria cessado à data da propositura da acção), é inegável que, alegando e provando o réu que (i) nunca existiu qualquer comodato e, pelo contrário, (ii) existiu, isso sim, um acordo com outra natureza, em virtude do qual o réu tem direito a usar a coisa, não há outra solução que não seja julgar a acção improcedente.
Só assim não seria se o autor houvesse logrado opor à excepção alegada pelo réu (o contrato que legitima o uso da coisa), uma outra excepção (por exemplo, uma eventual nulidade deste contrato). Assim não sucedendo, a improcedência era o único caminho viável.

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