Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 3 de 3)
1) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3140/2007-6:
"Da decisão do tribunal arbitral voluntário cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca, sem qualquer distinção ou especificidade; por isso não é de afastar o ataque à decisão arbitral através do recurso extraordinário de revisão, desde que, obviamente, afectada por qualquer dos fundamentos que legitimam esse recurso.
Não é de enquadrar na previsão da al. b) do art. 771º do CPC a errada decisão de facto da decisão arbitral, a atacar pela via competente do recurso, pois este não está limitado à discordância quanto ao aspecto jurídico da causa, abrangendo igualmente a decisão factual, que pode ser sindicada sem quaisquer restrições pelo tribunal de 1ª instância, que julga de facto e de direito como em qualquer outra causa da sua competência".
Nota - A decisão em análise refere-se à arbitragem necessária, em processo de expropriação. No mesmo sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-1998, proferido no processo n.º 98B654.
2) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3076/2007-6:
"É certo que a reserva de propriedade, tal como está prevista na lei, foi pensada para os contratos de compra e venda, todavia o art. 409º, 1 do CC abrange, na sua letra e no seu espírito, a extensão de tal clausulado a contratos diferentes dos contratos de alienação, nomeadamente ao de mútuo a prestações que com o contrato de compra e venda de veículo automóvel financiado apresenta uma estreita relação de conexão, por virtude do objecto daquele ser constituído e representar o elemento preço do segundo.
Acresce que não é pelo facto de se tratar de uma situação pouco ortodoxa de constituição contratual da reserva de propriedade que se altera o regime legal que decorre da lei, nomeadamente o da presunção registral (art. 7º do CRP)".
Nota - Actualizando e consolidando o levantamento jurisprudencial anteriormente realizado a este respeito, ficamos com o quadro seguinte.
O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75, referido no sumário, trata da resolução do contrato por incumprimento das obrigações a que se refere a reserva da propriedade.
Problemas relacionados com a interpretação destas normas têm vindo a ser sucessivamente colocados aos tribunais superiores, já que, em vez da normal relação de dois pólos (vendendor-comprador), a reserva de propriedade surge cada vez mais em relações triangulares (adquirente-vendedor-financiador), sendo cada vez mais frequente a constituição de reserva de propriedade como instrumento de protecção do financiador. Ou seja, a reserva de propriedade passa a salvaguardar não o pagamento do preço ao vendedor (que terá sido assegurado pelo financiador), mas sim o pagamento das prestações ao financiador.
A jurisprudência tem vindo a interpretar o preceito do artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75 no sentido de se referir apenas ao incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, o que impediria que o financiador dela beneficiasse.
No entanto, em outras decisões tem admitido a possibilidade de: (i) a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro; e (ii) interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, no sentido de abranger "o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade" (texto citado do acórdão em análise).
Quanto ao primeiro ponto (possibilidade de a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro), cfr. o acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2003, in CJ, 2003, tomo II, pág. 74, e, recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901.
Quanto ao segundo ponto (possibilidade de interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75), cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 . Contra: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-1997, in CJ, 1997, tomo V, pág. 120, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B538 (argumentando que o vendedor não pode já exercer o direito à resolução porque recebeu já a totalidade do preço, logo não poderá exercer o direito de apreensão, conexo com aquele primeiro - a decisão conta com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2004, proferido no processo n.º 0422028.
No Tribunal da Relação de Lisboa, temos a seguinte "contagem de espingardas":
- no sentido de que a reserva de propriedade pode constituir-se em favor de crédito de terceiro não vendedor, cfr. os acórdãos de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1614/2007-6, de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1187/2007-7, de 01-02-2007, proferido no processo n.º 733/2007-6, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3629/2006-6, de 27-06-2006, proferido no processo n.º 937/2006-1 (este, se bem o interpreto, apenas quanto à primeira vertente, ou seja, da possibilidade de constituição da reserva a favor de terceiro), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4667/2006-6, de 30-05-2006, proferido no processo n.º 3228/2006-7, de 28-03-2006, proferido no processo n.º 447/2006-7 (com um voto de vencido, apoiado no citado acórdão do STJ de 12-05-2005), de 20-10-2005, proferido no processo n.º 8454/2005-6, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 3843/2005-6, de 18-03-2004, proferido no processo n.º 2097/2004-6 (concordando com, pelo menos, o primeiro ponto supra citado, já que o segundo não se levanta no processo, e com um vonto de vencido, que não abrange, em rigor, essa matéria), e de 27-06-2002, proferido no processo n.º 0053286;
- contra: acórdãos de 08-02-2007, proferido no processo n.º 957/2007-2, de 12-10-2006, proferido no processo n.º 3814/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4927/2006-8, de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4888/2006-2, e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 9857/2004-7.
Outros assuntos relativos à reserva de propriedade já analisados neste blog: relação entre as regras de competência constantes do DL 54/75 e as novas regras da Lei 14/2006 (cfr. também o acórdão seguinte); e renúncia à reserva de propriedade e penhora pelo titular da reserva.
3) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1602/07-9:
"Sempre que um tribunal nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso jurisdicional interno, se veja confrontado com uma questão de interpretação de uma norma comunitária — questão cuja resolução se torne necessária para o julgamento do caso sub iudicio — deve ele submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades o julgamento dessa questão prejudicial tendo por objecto a interpretação da norma comunitária. Trata-se, em tal caso, de um dever de reenvio.
O reenvio prejudicial, previsto no artigo 234.º CEE, é, pois, um instrumento ao serviço do primado ou da primazia da ordem jurídica comunitária. Permitir ao juiz nacional que interpretasse sozinho as normas de direito comunitário — ou seja, que respondesse sozinho às interrogações que não raro colocam a determinação do sentido e do real alcance de uma determinada norma jurídica comunitária — conduziria, a prazo mais ou menos longo, a permitir se rompesse a unidade do direito comunitário, colocando no lugar da «regra comum» um conjunto de regras deformadas pelas práticas jurisdicionais nacionais.
Com o reenvio prejudicial, o que, pois, se pretende é conseguir uma interpretação uniforme do direito comunitário em toda a Comunidade.
Só o juiz interno tem direito de acesso ao TCE para efeitos de reenvio prejudicial. As partes podem suscitar perante o juiz nacional a questão prejudicial do reenvio, mas só o juiz pode provocar a intervenção do Tribunal das Comunidades. É isto coisa que bem se compreende, quando se tiver em conta que o processo de reenvio prejudicial se consubstancia num diálogo entre o juiz nacional e o juiz comunitário, sendo, assim, um processo sem partes.
Mas o Tribunal das Comunidades não é uma auditoria jurídica que deva ficar sujeita às curiosidades ou às ignorâncias de quem tem legitimidade para provocar a sua intervenção — os juízes nacionais. As suas decisões hão-de ter efeito útil, o que só sucederá se elas forem relevantes (indispensáveis) para a resolução do caso que o juiz reenviante tem para decidir.
Se o tribunal nacional considerar que o litígio subjudice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições de direito interno, parece evidente que não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação […] de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa — e isto ainda que alguma das partes a tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação […]"
Nota - Em sentido próximo da decisão anotada, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-1993, proferido no processo n.º 083502, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2006, proferido no processo n.º 905/2006-2.
Entendendo que o reenvio não tem lugar quando não haja dúvida sobre a interpretação a dar à norma comunitária a aplicar, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-2005, proferido no processo n.º 05B1640 (a contrario), de 03-03-2005, proferido no processo n.º 05B316, do Tribunal da Relação do Porto de 21-09-2006, proferido no processo n.º 0632114,
No sentido de que o reenvio prejudicial não tem lugar no procedimento cautelar mas apenas na acção principal, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2003, proferido no processo n.º 1416/2003-2 (citando, a este propósito, em sentido concordante, Miguel Almeida de Andrade, Guia Prático do Reenvio Prejudicial, Gab. de Documentação e Direito Comparado, Lisboa, 1991, pág. 65).
Tecendo algumas considerações sobre os efeitos da decisão do Tribunal de Justiça, em caso de reenvio prejudicial (quase sempre a propósito da muito discutida matéria da vigência dos anteriores limites do artigo 508.º do Código Civil), cfr. os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2004, proferido no processo n.º 03B2226, de 19-09-2002, proferido no processo n.º 02B2170 (v. nota 18, no final), do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-12-2003, proferido no processo n.º 3551/03, do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2005, proferido no processo n.º 6600/2004-5, e de 07-10-2004, proferido no processo n.º 10523/2003-6, do Tribunal da Relação do Porto de 12-06-2003, proferido no processo n.º 0331654, de 18-02-2003, proferido no processo n.º 0320097, de 10-03-2003, proferido no processo n.º 0253343, de 20-01-2003, proferido no processo n.º 0151224, de 14-03-2002, proferido no processo n.º 0230031, e de 08-11-2001, proferido no processo n.º 0131438.
Finalmente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-1998, proferido no processo n.º 98B783, entendeu-se que "não é de admitir o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades nos casos em que a Convenção de Lugano remete expressamente para o direito interno a dirimência da controvérsia".
"Da decisão do tribunal arbitral voluntário cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca, sem qualquer distinção ou especificidade; por isso não é de afastar o ataque à decisão arbitral através do recurso extraordinário de revisão, desde que, obviamente, afectada por qualquer dos fundamentos que legitimam esse recurso.
Não é de enquadrar na previsão da al. b) do art. 771º do CPC a errada decisão de facto da decisão arbitral, a atacar pela via competente do recurso, pois este não está limitado à discordância quanto ao aspecto jurídico da causa, abrangendo igualmente a decisão factual, que pode ser sindicada sem quaisquer restrições pelo tribunal de 1ª instância, que julga de facto e de direito como em qualquer outra causa da sua competência".
Nota - A decisão em análise refere-se à arbitragem necessária, em processo de expropriação. No mesmo sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-1998, proferido no processo n.º 98B654.
2) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3076/2007-6:
"É certo que a reserva de propriedade, tal como está prevista na lei, foi pensada para os contratos de compra e venda, todavia o art. 409º, 1 do CC abrange, na sua letra e no seu espírito, a extensão de tal clausulado a contratos diferentes dos contratos de alienação, nomeadamente ao de mútuo a prestações que com o contrato de compra e venda de veículo automóvel financiado apresenta uma estreita relação de conexão, por virtude do objecto daquele ser constituído e representar o elemento preço do segundo.
Acresce que não é pelo facto de se tratar de uma situação pouco ortodoxa de constituição contratual da reserva de propriedade que se altera o regime legal que decorre da lei, nomeadamente o da presunção registral (art. 7º do CRP)".
Nota - Actualizando e consolidando o levantamento jurisprudencial anteriormente realizado a este respeito, ficamos com o quadro seguinte.
O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75, referido no sumário, trata da resolução do contrato por incumprimento das obrigações a que se refere a reserva da propriedade.
Problemas relacionados com a interpretação destas normas têm vindo a ser sucessivamente colocados aos tribunais superiores, já que, em vez da normal relação de dois pólos (vendendor-comprador), a reserva de propriedade surge cada vez mais em relações triangulares (adquirente-vendedor-financiador), sendo cada vez mais frequente a constituição de reserva de propriedade como instrumento de protecção do financiador. Ou seja, a reserva de propriedade passa a salvaguardar não o pagamento do preço ao vendedor (que terá sido assegurado pelo financiador), mas sim o pagamento das prestações ao financiador.
A jurisprudência tem vindo a interpretar o preceito do artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75 no sentido de se referir apenas ao incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, o que impediria que o financiador dela beneficiasse.
No entanto, em outras decisões tem admitido a possibilidade de: (i) a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro; e (ii) interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, no sentido de abranger "o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade" (texto citado do acórdão em análise).
Quanto ao primeiro ponto (possibilidade de a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro), cfr. o acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2003, in CJ, 2003, tomo II, pág. 74, e, recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901.
Quanto ao segundo ponto (possibilidade de interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75), cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 . Contra: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-1997, in CJ, 1997, tomo V, pág. 120, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B538 (argumentando que o vendedor não pode já exercer o direito à resolução porque recebeu já a totalidade do preço, logo não poderá exercer o direito de apreensão, conexo com aquele primeiro - a decisão conta com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2004, proferido no processo n.º 0422028.
No Tribunal da Relação de Lisboa, temos a seguinte "contagem de espingardas":
- no sentido de que a reserva de propriedade pode constituir-se em favor de crédito de terceiro não vendedor, cfr. os acórdãos de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1614/2007-6, de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1187/2007-7, de 01-02-2007, proferido no processo n.º 733/2007-6, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3629/2006-6, de 27-06-2006, proferido no processo n.º 937/2006-1 (este, se bem o interpreto, apenas quanto à primeira vertente, ou seja, da possibilidade de constituição da reserva a favor de terceiro), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4667/2006-6, de 30-05-2006, proferido no processo n.º 3228/2006-7, de 28-03-2006, proferido no processo n.º 447/2006-7 (com um voto de vencido, apoiado no citado acórdão do STJ de 12-05-2005), de 20-10-2005, proferido no processo n.º 8454/2005-6, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 3843/2005-6, de 18-03-2004, proferido no processo n.º 2097/2004-6 (concordando com, pelo menos, o primeiro ponto supra citado, já que o segundo não se levanta no processo, e com um vonto de vencido, que não abrange, em rigor, essa matéria), e de 27-06-2002, proferido no processo n.º 0053286;
- contra: acórdãos de 08-02-2007, proferido no processo n.º 957/2007-2, de 12-10-2006, proferido no processo n.º 3814/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4927/2006-8, de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4888/2006-2, e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 9857/2004-7.
Outros assuntos relativos à reserva de propriedade já analisados neste blog: relação entre as regras de competência constantes do DL 54/75 e as novas regras da Lei 14/2006 (cfr. também o acórdão seguinte); e renúncia à reserva de propriedade e penhora pelo titular da reserva.
3) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1602/07-9:
"Sempre que um tribunal nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso jurisdicional interno, se veja confrontado com uma questão de interpretação de uma norma comunitária — questão cuja resolução se torne necessária para o julgamento do caso sub iudicio — deve ele submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades o julgamento dessa questão prejudicial tendo por objecto a interpretação da norma comunitária. Trata-se, em tal caso, de um dever de reenvio.
O reenvio prejudicial, previsto no artigo 234.º CEE, é, pois, um instrumento ao serviço do primado ou da primazia da ordem jurídica comunitária. Permitir ao juiz nacional que interpretasse sozinho as normas de direito comunitário — ou seja, que respondesse sozinho às interrogações que não raro colocam a determinação do sentido e do real alcance de uma determinada norma jurídica comunitária — conduziria, a prazo mais ou menos longo, a permitir se rompesse a unidade do direito comunitário, colocando no lugar da «regra comum» um conjunto de regras deformadas pelas práticas jurisdicionais nacionais.
Com o reenvio prejudicial, o que, pois, se pretende é conseguir uma interpretação uniforme do direito comunitário em toda a Comunidade.
Só o juiz interno tem direito de acesso ao TCE para efeitos de reenvio prejudicial. As partes podem suscitar perante o juiz nacional a questão prejudicial do reenvio, mas só o juiz pode provocar a intervenção do Tribunal das Comunidades. É isto coisa que bem se compreende, quando se tiver em conta que o processo de reenvio prejudicial se consubstancia num diálogo entre o juiz nacional e o juiz comunitário, sendo, assim, um processo sem partes.
Mas o Tribunal das Comunidades não é uma auditoria jurídica que deva ficar sujeita às curiosidades ou às ignorâncias de quem tem legitimidade para provocar a sua intervenção — os juízes nacionais. As suas decisões hão-de ter efeito útil, o que só sucederá se elas forem relevantes (indispensáveis) para a resolução do caso que o juiz reenviante tem para decidir.
Se o tribunal nacional considerar que o litígio subjudice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições de direito interno, parece evidente que não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação […] de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa — e isto ainda que alguma das partes a tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação […]"
Nota - Em sentido próximo da decisão anotada, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-1993, proferido no processo n.º 083502, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2006, proferido no processo n.º 905/2006-2.
Entendendo que o reenvio não tem lugar quando não haja dúvida sobre a interpretação a dar à norma comunitária a aplicar, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-2005, proferido no processo n.º 05B1640 (a contrario), de 03-03-2005, proferido no processo n.º 05B316, do Tribunal da Relação do Porto de 21-09-2006, proferido no processo n.º 0632114,
No sentido de que o reenvio prejudicial não tem lugar no procedimento cautelar mas apenas na acção principal, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2003, proferido no processo n.º 1416/2003-2 (citando, a este propósito, em sentido concordante, Miguel Almeida de Andrade, Guia Prático do Reenvio Prejudicial, Gab. de Documentação e Direito Comparado, Lisboa, 1991, pág. 65).
Tecendo algumas considerações sobre os efeitos da decisão do Tribunal de Justiça, em caso de reenvio prejudicial (quase sempre a propósito da muito discutida matéria da vigência dos anteriores limites do artigo 508.º do Código Civil), cfr. os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2004, proferido no processo n.º 03B2226, de 19-09-2002, proferido no processo n.º 02B2170 (v. nota 18, no final), do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-12-2003, proferido no processo n.º 3551/03, do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2005, proferido no processo n.º 6600/2004-5, e de 07-10-2004, proferido no processo n.º 10523/2003-6, do Tribunal da Relação do Porto de 12-06-2003, proferido no processo n.º 0331654, de 18-02-2003, proferido no processo n.º 0320097, de 10-03-2003, proferido no processo n.º 0253343, de 20-01-2003, proferido no processo n.º 0151224, de 14-03-2002, proferido no processo n.º 0230031, e de 08-11-2001, proferido no processo n.º 0131438.
Finalmente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-1998, proferido no processo n.º 98B783, entendeu-se que "não é de admitir o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades nos casos em que a Convenção de Lugano remete expressamente para o direito interno a dirimência da controvérsia".
Etiquetas: arbitragem necessária, jurisprudência TRL, recurso de revisão, reenvio prejudicial, reserva de propriedade
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