sexta-feira, maio 25, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 3 de 3)

1) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3140/2007-6:
"Da decisão do tribunal arbitral voluntário cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca, sem qualquer distinção ou especificidade; por isso não é de afastar o ataque à decisão arbitral através do recurso extraordinário de revisão, desde que, obviamente, afectada por qualquer dos fundamentos que legitimam esse recurso.
Não é de enquadrar na previsão da al. b) do art. 771º do CPC a errada decisão de facto da decisão arbitral, a atacar pela via competente do recurso, pois este não está limitado à discordância quanto ao aspecto jurídico da causa, abrangendo igualmente a decisão factual, que pode ser sindicada sem quaisquer restrições pelo tribunal de 1ª instância, que julga de facto e de direito como em qualquer outra causa da sua competência".

Nota - A decisão em análise refere-se à arbitragem necessária, em processo de expropriação. No mesmo sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-1998, proferido no processo n.º 98B654.


2) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 3076/2007-6:
"É certo que a reserva de propriedade, tal como está prevista na lei, foi pensada para os contratos de compra e venda, todavia o art. 409º, 1 do CC abrange, na sua letra e no seu espírito, a extensão de tal clausulado a contratos diferentes dos contratos de alienação, nomeadamente ao de mútuo a prestações que com o contrato de compra e venda de veículo automóvel financiado apresenta uma estreita relação de conexão, por virtude do objecto daquele ser constituído e representar o elemento preço do segundo.
Acresce que não é pelo facto de se tratar de uma situação pouco ortodoxa de constituição contratual da reserva de propriedade que se altera o regime legal que decorre da lei, nomeadamente o da presunção registral (art. 7º do CRP)".

Nota - Actualizando e consolidando o levantamento jurisprudencial anteriormente realizado a este respeito, ficamos com o quadro seguinte.
O artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 54/75, referido no sumário, trata da resolução do contrato por incumprimento das obrigações a que se refere a reserva da propriedade.
Problemas relacionados com a interpretação destas normas têm vindo a ser sucessivamente colocados aos tribunais superiores, já que, em vez da normal relação de dois pólos (vendendor-comprador), a reserva de propriedade surge cada vez mais em relações triangulares (adquirente-vendedor-financiador), sendo cada vez mais frequente a constituição de reserva de propriedade como instrumento de protecção do financiador. Ou seja, a reserva de propriedade passa a salvaguardar não o pagamento do preço ao vendedor (que terá sido assegurado pelo financiador), mas sim o pagamento das prestações ao financiador.
A jurisprudência tem vindo a interpretar o preceito do artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75 no sentido de se referir apenas ao incumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, o que impediria que o financiador dela beneficiasse.
No entanto, em outras decisões tem admitido a possibilidade de: (i) a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro; e (ii) interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, no sentido de abranger "o contrato de mútuo conexo com o de compra e venda cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade" (texto citado do acórdão em análise).
Quanto ao primeiro ponto (possibilidade de a reserva ser constituída a favor de crédito de terceiro), cfr. o acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2003, in CJ, 2003, tomo II, pág. 74, e, recentemente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901.
Quanto ao segundo ponto (possibilidade de interpretar extensivamente o artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75), cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2006, proferido no processo n.º 06A1901 . Contra: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-1997, in CJ, 1997, tomo V, pág. 120, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B538 (argumentando que o vendedor não pode já exercer o direito à resolução porque recebeu já a totalidade do preço, logo não poderá exercer o direito de apreensão, conexo com aquele primeiro - a decisão conta com um voto de vencido), e do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2004, proferido no processo n.º 0422028.
No Tribunal da Relação de Lisboa, temos a seguinte "contagem de espingardas":
- no sentido de que a reserva de propriedade pode constituir-se em favor de crédito de terceiro não vendedor, cfr. os acórdãos de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1614/2007-6, de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1187/2007-7, de 01-02-2007, proferido no processo n.º 733/2007-6, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3629/2006-6, de 27-06-2006, proferido no processo n.º 937/2006-1 (este, se bem o interpreto, apenas quanto à primeira vertente, ou seja, da possibilidade de constituição da reserva a favor de terceiro), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4667/2006-6, de 30-05-2006, proferido no processo n.º 3228/2006-7, de 28-03-2006, proferido no processo n.º 447/2006-7 (com um voto de vencido, apoiado no citado acórdão do STJ de 12-05-2005), de 20-10-2005, proferido no processo n.º 8454/2005-6, de 05-05-2005, proferido no processo n.º 3843/2005-6, de 18-03-2004, proferido no processo n.º 2097/2004-6 (concordando com, pelo menos, o primeiro ponto supra citado, já que o segundo não se levanta no processo, e com um vonto de vencido, que não abrange, em rigor, essa matéria), e de 27-06-2002, proferido no processo n.º 0053286;
- contra: acórdãos de 08-02-2007, proferido no processo n.º 957/2007-2, de 12-10-2006, proferido no processo n.º 3814/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4927/2006-8, de 29-06-2006, proferido no processo n.º 4888/2006-2, e de 14-12-2004, proferido no processo n.º 9857/2004-7.
Outros assuntos relativos à reserva de propriedade já analisados neste blog: relação entre as regras de competência constantes do DL 54/75 e as novas regras da Lei 14/2006 (cfr. também o acórdão seguinte); e renúncia à reserva de propriedade e penhora pelo titular da reserva.


3) Acórdão de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1602/07-9:
"Sempre que um tribunal nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso jurisdicional interno, se veja confrontado com uma questão de interpretação de uma norma comunitária — questão cuja resolução se torne necessária para o julgamento do caso sub iudicio — deve ele submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades o julgamento dessa questão prejudicial tendo por objecto a interpretação da norma comunitária. Trata-se, em tal caso, de um dever de reenvio.
O reenvio prejudicial, previsto no artigo 234.º CEE, é, pois, um ins­trumento ao serviço do primado ou da primazia da ordem jurídica comu­nitária. Permitir ao juiz nacional que interpretasse sozinho as normas de direito comunitário — ou seja, que respondesse sozinho às interrogações que não raro colocam a determinação do sentido e do real alcance de uma determinada norma jurídica comunitária — conduziria, a prazo mais ou menos longo, a permitir se rompesse a unidade do direito comunitário, colocando no lugar da «regra comum» um conjunto de regras deformadas pelas práticas jurisdicionais nacionais.
Com o reenvio prejudicial, o que, pois, se pretende é conseguir uma interpretação uniforme do direito comunitário em toda a Comunidade.
Só o juiz interno tem direito de acesso ao TCE para efeitos de reenvio prejudicial. As partes podem suscitar perante o juiz nacional a questão prejudicial do reenvio, mas só o juiz pode provocar a intervenção do Tribunal das Comunidades. É isto coisa que bem se compreende, quando se tiver em conta que o processo de reenvio prejudicial se consubstancia num diálogo entre o juiz nacional e o juiz comunitário, sendo, assim, um processo sem partes.
Mas o Tribunal das Comunidades não é uma auditoria jurídica que deva ficar sujeita às curiosidades ou às ignorâncias de quem tem legitimidade para provocar a sua intervenção — os juízes nacionais. As suas decisões hão-de ter efeito útil, o que só sucederá se elas forem relevantes (indispensáveis) para a resolução do caso que o juiz reenviante tem para decidir.
Se o tribunal nacional considerar que o litígio subjudice não deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias mas tão-somente na conformidade das disposições de direito interno, parece evidente que não pode ser-lhe imposta a obrigação de solicitar a interpretação […] de uma norma comunitária desprovida de interesse para o julgamento da causa — e isto ainda que alguma das partes a tenha indevidamente invocado e suscitado a questão da sua interpretação […]"

Nota - Em sentido próximo da decisão anotada, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-1993, proferido no processo n.º 083502, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2006, proferido no processo n.º 905/2006-2.
Entendendo que o reenvio não tem lugar quando não haja dúvida sobre a interpretação a dar à norma comunitária a aplicar, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-2005, proferido no processo n.º 05B1640 (a contrario), de 03-03-2005, proferido no processo n.º 05B316, do Tribunal da Relação do Porto de 21-09-2006, proferido no processo n.º 0632114,
No sentido de que o reenvio prejudicial não tem lugar no procedimento cautelar mas apenas na acção principal, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2003, proferido no processo n.º 1416/2003-2 (citando, a este propósito, em sentido concordante, Miguel Almeida de Andrade, Guia Prático do Reenvio Prejudicial, Gab. de Documentação e Direito Comparado, Lisboa, 1991, pág. 65).
Tecendo algumas considerações sobre os efeitos da decisão do Tribunal de Justiça, em caso de reenvio prejudicial (quase sempre a propósito da muito discutida matéria da vigência dos anteriores limites do artigo 508.º do Código Civil), cfr. os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2004, proferido no processo n.º 03B2226, de 19-09-2002, proferido no processo n.º 02B2170 (v. nota 18, no final), do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-12-2003, proferido no processo n.º 3551/03, do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2005, proferido no processo n.º 6600/2004-5, e de 07-10-2004, proferido no processo n.º 10523/2003-6, do Tribunal da Relação do Porto de 12-06-2003, proferido no processo n.º 0331654, de 18-02-2003, proferido no processo n.º 0320097, de 10-03-2003, proferido no processo n.º 0253343, de 20-01-2003, proferido no processo n.º 0151224, de 14-03-2002, proferido no processo n.º 0230031, e de 08-11-2001, proferido no processo n.º 0131438.
Finalmente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-1998, proferido no processo n.º 98B783, entendeu-se que "não é de admitir o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades nos casos em que a Convenção de Lugano remete expressamente para o direito interno a dirimência da controvérsia".

Etiquetas: , , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial