segunda-feira, abril 23, 2007

Jurisprudência constitucional (parte 2 de 2)

1) Acórdão n.º 255/2007: julga inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º, em conjugação com o artigo 18º, um e outro da Lei Fundamental, a norma vertida na alínea o) do nº 1 do artº 6º do vigente Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa em função do valor da causa principal a impugnação judicial de decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário.

Nota - No início de Março, um leitor do blog (o Dr. Pedro Jacobetty Vieira), teve a amabilidade de me chamar a atenção para o
acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-10-2006, proferido no processo n.º 2465/06-1, que anotei neste post.
Numa troca de e-mails ocorrida nessa altura, perguntou-me o mesmo leitor se conhecia alguma decisão sobre a inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 1, alínea o) do Código das Custas Judiciais. Reconhecendo que a aplicação literal da norma (que dispõe que "na impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, o da respectiva acção ou, subsidiariamente, o resultante da alínea a)") poderia conduzir a resultados inaceitáveis, respondi-lhe que não conhecia nenhum acórdão a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade de tal norma, embora pensasse que as considerações finais do
acórdão do Tribunal Constitucional n.º 495/96 pareciam deixar a porta aberta para uma tal conclusão (ali se dizia: "é bem verdade que se pode afirmar que, nalguns casos, quando estão em causa acções de muito elevado valor - como acontece no caso sub judicio - o montante das custas do incidente de apoio juciário se apresenta, pelo menos aparentemente, como excessivo").
Pois bem, antes mesmo de fazer a minha ronda (quinzenal) pela jurisprudência constitucional, o mesmo leitor (a quem novamente agradeço) teve a gentileza de me dar a notícia da decisão agora anotada, que conclui precisamente no sentido da inconstitucionalidade daquela norma.
Na verdade, é pouco razoável que, a uma impugnação cuja utilidade económica corresponde ao valor das custas, se atribua o valor da acção a que tais custas dizem respeito.
O Tribunal Constitucional adere, no essencial, à argumentação do recorrente, que assim alegou: "a atribuição de um valor tributário desproporcionado ao recurso, através do qual se impugna o indeferimento administrativo, total ou parcial, do pedido de apoio judiciário, constituirá naturalmente num factor inibitório ao exercício do direito de impugnação, decorrente da ponderação do valor das custas no caso de um possível e eventual decaimento: e tais riscos de sucumbência são particularmente evidentes em situações em que a eventual insuficiência económica do requerente não é absoluta, radicando antes numa – sempre delicada – ponderação ou comparação entre o valor excepcionalmente elevado do litígio subjacente à causa principal e o montante dos rendimentos efectivamente auferidos pelo requerente; na verdade, embora estes não o coloquem numa situação de insuficiência económica total ou absoluta (que o impedisse, nomeadamente, de litigar em acções de pequeno ou médio valor) poderão constituir fundado obstáculo ao pleno exercício de uma actividade processual em acções de valor muito elevado, em que o interessado se possa ver envolvido, estando desprovido, apesar dos rendimentos que aufere, de meios pecuniários suficientes para fazer frente às acrescidas despesas que as mesmas envolvem”, dizendo, mais adiante, que “a atribuição ao recurso interposto da decisão desfavorável da Segurança Social de valor idêntico ao dos interesses controvertidos na causa principal pode perfeitamente funcionar como factor inibidor a que o requerente, insatisfeito com a decisão negativa da Segurança Social, exerça o direito de a impugnar em juízo, provocando uma decisão jurisdicional sobre a matéria da efectividade do acesso à justiça – atento o desproporcionalmente elevado montante das custas devidas, se o tribunal, porventura, julgar aquela impugnação, no todo ou em parte, improcedente".
A estes argumentos, o acórdão acrescenta ainda que "no sistema anterior (ao de que veio a ficar consagrado após a Lei nº 30-E/2000, já revogada pela Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, mas, no que ora interessa, manteve o sistema daquela primeira), não só o montante da taxa era, pelo menos, duas vezes inferior, como, no caso de recurso da decisão primitiva de não concessão da então denominada assistência judiciária – decisão essa que cabia ao juiz – a taxa ainda era reduzida (cfr. artº 35º do Código das Custas Judiciais anterior ao aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96), sendo que se não vislumbram razões conexionadas com direitos ou interesses constitucionalmente protegidos para o acréscimo hoje surpreendido".


2)
Acórdão n.º 230/2007: não julga inconstitucional a norma do artigo 66.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretado no sentido de que as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização, não constituindo o valor do depósito limite máximo do valor das custas.

Nota - O acórdão reitera a posição de outros do mesmo tribunal (n.º 352/91, n.º 467/91 e n.º 608/99) sobre os limites constitucionais à imposição de custas judiciais e a proporcionalidade de tal previsão. O terceiro dos ditos acórdãos refere, em particular, que "na área em questão” [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três sentidos: o de «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o do ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes»".
Vertendo esta formulação na hipótese dos autos, conclui-se: "ora, na medida em que o débito de custas superior ao valor da indemnização depositada está, no caso dos autos, ligado ao valor indicado pelos recorrentes para o bem expropriado, valor que não veio, a final, a ser considerado o correcto e adequado pelo tribunal – isto é, com decaimento ou sucumbência da sua pretensão –, relaciona‑se com o segundo sentido referido. Na medida em que o quantitativo superior ao valor da indemnização depositada nos autos (15.000,00 €), ainda que actualizado, não cria ónus de tal modo pesados que, na prática, inviabilizem o acesso aos actos judiciais, respeita as exigências do primeiro sentido. E na medida em que o débito de custas superior ao valor da indemnização depositada nos autos é uma consequência do valor da acção de expropriação e de questões específicas suscitadas (ao menos também) pelos expropriados, liga-se ao terceiro sentido. Em cada um destes sentidos, as exigências de proporcionalidade são respeitadas".
Por fim, considerando o problema de um outro ângulo - o da violação do direito à justa indemnização, escreve-se o seguinte: "tal invocação (...) não é, porém, procedente, na medida em que a indemnização por expropriação por utilidade pública visa compensar os expropriados do prejuízo que sofrem. Assim, no seu cálculo não podem ser tomados em consideração os custos inerentes à sua actuação, julgada improcedente, no processo de expropriação, mas tão só os danos que foram realmente suportados pelos expropriados em consequência da expropriação, os quais se medem pelo valor do bem expropriado considerado correcto e adequado pelo tribunal. Como se disse na decisão recorrida, uma coisa é a indemnização (já fixada por acórdão transitado em julgado) outra diversa é a determinação do montante e pagamento de custas devidas pelo recurso aos Tribunais".



3)
Acórdão n.º 227/2007: julga inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão.

Nota - A norma julgada inconstitucional, tal como aqui foi apreciada, já não se encontra em vigor, pois a redacção actual do CCJ prevê a possibilidade de redução da taxa de justiça pelo juiz, no artigo 27.º, n.º 3.
Havia vários fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo recorrente. O primeiro prendia-se com a violação da reserva legislativa da Assembleia da República, ao fazer constar o regime de um "imposto" de um decreto-lei não autorizado. Nesta parte, o recurso não foi atendido, pois é jurisprudência pacífica no Tribunal Constitucional a qualificação da taxa de justiça como taxa e não imposto (cfr.
acórdão n.º 8/2000). E embora se reconheça que, em matéria de taxas, o legislador dispõe de uma margem apreciável de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas - cfr. acórdãos n.º 352/91, n.º 1182/96 e n.º 521/99 - lembra que a transposição dos limites da tributação pode implicar uma violação dos preceitos constitucionais (como, aliás, sucedeu nas duas últimas decisões citadas).
Remetendo em parte para considerações constantes de voto de vencido aposto no
acórdão n.º 115/2002, o relator (conselheiro Paulo Mota Pinto) ocupa-se da noção de proporcionalidade da taxa, considerando que "não procede o argumento (...) da “normal complexidade e delicadeza que está subjacente à generalidade dos litígios que envolvem valores dessa natureza”, que nem sempre se verificará na directa proporção do valor da causa e sem qualquer limite máximo. E também não procede o argumento da “relevância económica dos direitos e interesses que subjazem ao acto ou procedimento – e, portanto, da ‘utilidade’ auferida pelo utente – cuja prática se pretende alcançar ou cuja tramitação se desencadeia”, pois não é forçoso que a utilidade que se pretende retirar do serviço de administração da justiça aumente proporcionalmente ao aumento do valor da acção".
Esta decisão rompe, de certa forma, com a anteriormente assumida no
acórdão n.º 349/2002, onde não se julgou inconstitucional a aplicação da taxa de justiça, sem qualquer limite, independente da concreta actividade jurisdicional desenvolvida. Apesar de, neste último, se tratar da acção principal, e, no acórdão anotado, se tratar de um procedimento cautelar, a verdade é que, aqui, se admite não ser de acompanhar a "lógica subjacente" ao dito acórdão n.º 349/2002.
Finalmente, considera-se, a este respeito, que "o valor de taxa de justiça a que se chegaria – € 584.403,82 – era também manifestamente desproporcionado aos custos da actividade jurisdicional num procedimento cautelar, por força da fixação da taxa de justiça, de acordo com os escalões constantes da tabela anexa, em função do valor da causa sem qualquer limite máximo".
Daqui se retira a inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade da taxa. As mesmas razões acabam, também, por fundamentar a conclusão de que a imposição de um tal montante de custas "comporta uma restrição desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais".
Posto isto, a conclui-se, por fim, que "o valor em causa se revela manifestamente excessivo e desproporcionado, e que a norma que prevê a fixação da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares, e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, em proporção ao valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, é inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade, mas apenas na medida em que tal norma não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão".

Etiquetas: , , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial