sábado, março 03, 2007

Apoio judiciário e graus de recurso

Recebi um e-mail do Dr. Pedro Jacobetty Vieira, advogado, a dar-me conta do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-10-2006, proferido no processo n.º 2465/06-1, pronunciando-se sobre um problema muito interessante: o dos graus de recurso da decisão de apoio judiciário.

A questão coloca-se no termos seguintes: na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, o artigo 29.º, n.º 1 previa que era "competente para conhecer e decidir o recurso em última instância o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de apoio judiciário, ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontre pendente".

Ao abrigo desta norma, e atendendo ao segmento "em última instância", os tribunais vinham entendendo que não seria possível o recurso daquelas decisões para a Relação (cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 19-11-2003, proferido no processo n.º 2990/03).

Revogada a Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, foi o seu regime substituído pelo previsto na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que passou a consagrar o seguinte, no artigo 28.º: "é competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontre pendente". No artigo 29.º da mesma Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, prevê-se o seguinte, sob a epígrafe "alcance da decisão final": "a decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido".

Aqui começam as divergências.

Sobre o mesmo assunto, o
acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-10-2006, proferido no processo n.º 2465/06-1, já referido, que me foi enviado pelo Dr. Pedro Jacobetty Vieira, conclui que "a eliminação do segmento que constava no art. 29º nº1 da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, “ em última instância”, poderá significar que o legislador, na Lei em vigor nº 34/2004, de 29 de Julho, terá optado por seguir a regra geral de recorribilidade em dois graus de recurso, aplicando-se as regras gerais constantes nos art. 399º e 400º do Código de Processo Penal", apoiado em três argumentos:
"- No art. 28ºda Lei nº 34/2004, de 29/7, não está expressamente prevista a irrecorribilidade da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância sobre o pedido de apoio judiciário;
- Esta disposição legal apenas regula a atribuição da competência para conhecimento de recursos das decisões administrativas e regras de definição de competência entre tribunais duma mesma comarca, mas não se pretende estabelecer uma regra de irrecorribilidade;
- A Lei nº 30/2000, de 20/12, no seu art. 29º, previa apenas uma instância de recurso, pelo que o respectivo desaparecimento expresso a tal limitação na Lei nº 34/2004, parece levar à conclusão da admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação"
(argumentos na linha das decisões da Relação de Lisboa nas reclamações 2606/06-3, 2378/06-9,3103/06-9 e 2137/06-9).

E uma posição semelhante pode encontrar-se, já em 2007, no Tribunal da Relação de Lisboa, que
por decisão de 22-02-2007, proferido no processo n.º 1754/07, da 9ª Secção, decidiu o seguinte: "É recorrível, nos termos gerais do artº 359º e 400º do C.P.P., a decisão que indeferiu a nulidade no âmbito de impugnação judicial de decisão administrativa que indeferiu um pedido de protecção jurídica. Com efeito, no artº 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Setembro, não está expressamente prevista a irrecorribilidade daquela decisão.
Aliás, ao contrário do que limitava a lei anterior (Lei nº 30/2000, de 20 de Dezembro, seu artº 29º), que consagrava um único grau de recurso, o desaparecimento de norma expressa no novo regime (Lei 34/2004), parece levar à conclusão sobre a admissibilidade de recurso para a Relação. Esta interpretação é mais compatível com o pensamento actual do legislador, que optou por seguir a regra de recorribilidade em dois graus de recurso, o que resulta da aplicação conjugada dos artºs 676º e 678º do CPC, ex vi artº 4º CPP"
.

Dir-se-ia que o assunto fica resolvido, não houvesse contra ela, pelo menos, três outras decisões e uma opinião de peso.
Já na vigência da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 24-05-2006, proferido no processo n.º 61/05, que "a referência a «decisão final» constante do artº 29º da Lei nº 34/2004, reforça o ideia de que o tribunal de comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade".
Na Relação do Porto, quer a
decisão de 02-04-2006, proferida no processo n.º 0612090, quer o acórdão de 21-02-2007, proferido no processo n.º 0617060, decidiram que da decisão do tribunal de 1ª instância que decida a impugnação da decisão administrativa sobre o pedido de apoio judiciário, não cabe recurso para o Tribunal da Relação.

Estas últimas decisões apoiam-se, também, nas palavras de Salvador da Costa, que refere o seguinte: "Como foi eliminado o segmento normativo que constava da lei anterior relativo à competência do tribunal de 1ª instância para decidir a impugnação em última instância, é configurável a conclusão no sentido de que ficou aberta a possibilidade de recurso para a Relação da sentença que decidiu a impugnação, nos termos gerais... Todavia, tendo em atenção a natureza da matéria em causa, a expressão da lei, a brevidade legalmente prevista para o procedimento em causa e o respectivo antecedente histórico, pensamos não haver recurso para o tribunal de segunda instância da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância em impugnação da decisão administrativa" - in
"O Apoio Judiciário", 5.ª ed., pág. 185.

Assim ficamos com uma situação de dúvida pendente. Penso que será mais razoável a interpretação que garante duplo grau de recurso, embora não esteja certo de ter sido essa a intenção do legislador.
Resta saber se esta dúvida deve onerar o recorrente...

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4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Apenas para dar nota da provável relevância desta matéria no que tange ao tribunal competente, nas comarcas onde existem juízos de pequena instância cível.
(http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=1A0101&nid=1&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&nversao=#artigo)
P.s. Terá algum relevo, nesta sede, a alteração da designação legal do meio processual - antes “recurso” (logo, para a Relação já seria o 2.º Recurso); agora “impugnação judicial” (logo o primeiro "recurso" é só o interposto para a Relação)?

3/03/2007 9:02 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Caro Dr. Paulo Ramos de Faria,

antes de mais, bem-vindo! É bom "vê-lo" por cá.

Quanto ao primeiro ponto, trata-se de uma consequência importantíssima da opção que se faça quanto a este problema. Já agora, como se têm passado as coisas no Porto? As impugnações têm sido dirigidas mais aos juízos ou à pequena instância?

Quanto ao segundo ponto, para além de a expressão actual me parecer mais correcta (o controlo da decisão administrativa pelo tribunal parece-me mais perfeitamente descrito como impugnação do que como recurso - v., p. ex. o artigo 50.º do CPTA), não sei se o legislador quis retirar daí alguma consequência.
De qualquer forma, não me parece que seja de excluir o argumento literal (embora já tenha sido mais crente do que sou hoje na força da letra, principalmente na legislação mais recente - mas isso é outra conversa...).

3/04/2007 5:08 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Boa tarde.
Desculpe-me pela resposta tardia, mas ando sem tempo para nada.
Dá-me ideia que a SSocial tem distribuído as impugnações pelas aldeias. Os conflitos de competência também não a têm ajudado a fixar um critério.
Entretanto, já reparou no ressuscitar do BMJ?
http://www.gddc.pt/actividade-editorial/versao-online-ultimo-num-bmj.html

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Processual_Civil_a.pdf

3/09/2007 5:28 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Viva!
Não é bem uma ressurreição. É mais uma homenagem ao falecido. A página "congelou" no n.º 501 há muito, muito tempo.
O "http://www.archive.org" diz-me que a não foi alterada desde, pelo menos, Junho de 2003.
Era muito bom que voltasse o BMJ, mas, pelo que tenho visto, despesa que se corta não volta tão cedo...

3/10/2007 12:59 da tarde  

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